sábado, 3 de dezembro de 2011

ORHAN PAMUK - Entrevista

ORHAN PAMUK É PRÊMIO NOBEL DE LITERATURA DE 2006
“O centro econômico do mundo está mudando,
 e espero que o cultural também”

Último conferencista deste ano no ciclo Fronteiras do Pensamento, Orhan Pamuk falará na segunda-feira no Salão de Atos da UFRGSA mais recente obra de Orhan Pamuk publicada no Brasil, O Romancista Ingênuo e o Sentimental, trata de temas familiares a todos os escritores de sua geração: as relações entre autores contemporâneos e cânone literário, entre geografia e romance, entre poder e cultura. Nela, o Prêmio Nobel de Literatura de 2006 reproduz aulas dadas na conferência Charles Eliot Norton, em Harvard, há três anos. Os textos travam um diálogo deliberado com as palestras realizadas por E. M. Forster (1879 – 1970) em Cambridge e reunidas num volume intitulado A Arte do Romance. Trata-se de uma relação tensa: se o ambiente de Forster em 1927 era o de uma universidade ainda confiante na superioridade da civilização ocidental e europeia, o de Pamuk em 2009 testemunha o abalo da própria ideia de hierarquia e precedência em termos de cultura.
Com a bravura de quem não se intimidou perante a lei do silêncio que paira em seu país, a Turquia, sobre temas como os massacres das minorias armênia e curda, Pamuk se debruça sobre a guerra cultural de nosso tempo. O autor de Neve expressa o desejo de que, assim como as economias de países emergentes ameaçam redesenhar o eixo de poder no mundo, um fenômeno parecido possa ocorrer na esfera cultural. Não se trata, para Pamuk, de culpar o imperialismo em qualquer de suas encarnações – econômica, política ou cultural –, mas de buscar e encontrar um lugar para a expressão literária de países como Turquia, Brasil, China e outros.
A partir das 19h30min de segunda-feira, no Salão de Atos da UFRGS, o escritor será o conferencista convidado do ciclo Fronteiras do Pensamento, no último encontro do evento este ano. Na terça-feira, de Nova York, por telefone, ele falou a Zero Hora. Recordou com satisfação a visita anterior ao Brasil (“Fui à Festa Literária de Paraty e fiquei hospedado no Copacabana Palace”) e se disse ansioso por voltar. A entrevista está resumida a seguir:

Zero Hora – Seu mais recente livro publicado no Brasil, O Romancista Ingênuo e o Sentimental, se detém nas formas pelas quais o dito cânone ocidental da literatura é apropriado pelos países periféricos. Muitos críticos discordam do uso de termos como “centro”, “periferia” e “Ocidente” em matéria de literatura e afirmam que existe um único cânone, encabeçado por escritores europeus e americanos. Na sua opinião, esse debate ainda faz sentido?
Orhan Pamuk – Faz sentido, claro. Pensemos que existe uma verdade no fato de que especialmente as literaturas em língua inglesa estão de certa forma dominando o mundo. O que importa é a boa literatura, mas, na maior parte do tempo, veja, lemos boa literatura somente em inglês, porque temos pouco acesso a obras em outras línguas. Isso faz com que a cultura de outros países, da maior parte do mundo, não seja representada igualitariamente na nossa literatura. Quero abordar essa situação em termos suaves, sem acusar ninguém. Mas existe uma literatura central, que é a literatura americana e europeia – literaturas em inglês. Deveríamos ser um tanto críticos disso, porque temos mais traduções e conhecemos, na maior parte do tempo, escritores de expressão inglesa. Ficamos muito felizes com isso, mas e os outros escritores? Escritores de países como, por exemplo, Finlândia, Turquia, Coreia e Vietnã têm pouco espaço na literatura mundial. Eu sou um escritor de sorte, mas o resto dos escritores não é. Em razão do problema da língua, a vida da maior parte da humanidade não é muito vista na ficção e nos romances. Eu acho que é um problema de compreensão do mundo. Não é um problema literário, mas um problema de culturas conhecendo umas às outras. Mas o centro do mundo está mudando, não é mais dominado pela literatura inglesa e americana, em comparação a 20 anos atrás. O centro econômico do mundo está mudando, e espero que o cultural também. Mas, para chegar a isso, precisamos prestar atenção ao fato de que damos mais atenção a literaturas em inglês ou relacionadas ao inglês.

ZH – Alguns críticos renomados sustentam que se pode aprimorar o conhecimento sobre autores como Conrad e Kipling ao entendê-los como representativos de um ponto de vista imperialista. O senhor concorda?
Pamuk – Essa não é toda a verdade sobre esses autores. Sim, eles, especialmente Kipling, estão identificados com o imperialismo britânico. Não há dúvida sobre isso. Conrad trabalhava para companhias britânicas, mas, no caso específico dele, No Coração das Trevas é um grande romance, uma grande crítica ao imperialismo ocidental, uma crítica política. Esse tipo de julgamento político evita, na maioria das vezes, descobrir boa e real literatura. Nunca me indignei com Conrad. Posso me indignar com o que as companhias britânicas fizeram na Índia, mas não sou crítico de Conrad. Em países como Brasil, Turquia, Irã ou China, temos de nos dedicar mais a criticar nosso próprio país, nossa própria cultura, em vez de culpar os imperialistas malvados.

ZH – Se o senhor estivesse em Harvard hoje, e a sua frente houvesse uma turma de graduandos sedentos de conselhos sobre como ler e por onde começar, o que lhes diria? Qual deve ser o ponto de partida?
Pamuk – Tenham interesse por literatura se isso os faz felizes. Organizem suas vidas de forma que a literatura lhes dê prazer continuamente. Também tentem encontrar uma forma, uma voz adequada para o que querem dizer. Escrevam sobre as coisas que vocês conhecem melhor. Nunca pensem: “O que vivi no meu canto do mundo, minha vizinhança, minha rua, minha mãe, meu irmão, isso não é interessante”. Eles são interessantes. Sempre que vocês pensarem que ninguém vai prestar atenção, prestem vocês atenção. Leiam muitos livros, aprendam muito com eles, mas não pensem que o seu canto do mundo não seja interessante. E talvez, por último, não prestem atenção aos conselhos de um velho autor. (Risos.)
"Talvez eu seja uma pessoa mais superficial
do que Beckett, porque não considerei (o Nobel)
um desastre. Fiquei feliz como
 uma criança."
ZH – A Turquia tem sido vista, há alguns séculos, como um fator modernizador no mundo islâmico. Nestes tempos de Primavera Árabe, seu país pode ser considerado um exemplo para países como Tunísia e Egito?
Pamuk – A Turquia só viveu a democracia nos tempos otomanos. Depois da proclamação da república, houve longos períodos de governo militar, e depois de 1950 começou a desenvolver a sua democracia. Experiências de partidos conservadores, religiosos, seculares e modernizantes e suas lutas fazem a história da política turca e sua cultura. A definição da identidade e da cultura turcas é um conflito entre o Islã e o desejo de fazer parte da civilização ocidental e europeia. Se você apenas olhar para a posição geográfica da Turquia, entre a Ásia e a Europa, isso também prova que, por outro lado... (Pausa.) Deixe-me colocar de outra forma. Em todos esses aspectos, a Turquia tem uma imensa experiência. Em O Castelo Branco (Companhia das Letras, 2007), O Livro Negro (2008), Meu Nome É Vermelho (2004) e mesmo em Neve (2006) escrevi sobre esses aspectos e problemas. Mas, por outro lado, presumir ou posar como modelo, como um paradigma, tem um aspecto arrogante. Há muitos escritores turcos bem intencionados e comentaristas internacionais dizendo que a Turquia é um modelo, mas não acredito nesse tipo de atitude intimidadora e superior. A Turquia deveria se ocupar mais de seus problemas internos em vez de querer servir de modelo.

ZH – Por muito tempo, a Turquia fez campanha para ser aceita como membro da União Europeia, e o senhor sempre apoiou essa pretensão. A candidatura à ainda vale a pena?
Pamuk – Por volta de 2006 e 2007, os nacionalistas e conservadores da Turquia e da União Europeia resistiam à ideia de a primeira se juntar à segunda. O ingresso da Turquia não é mais uma grande questão, até porque a Europa está cheia de problemas internos. Isso tudo pode desaparecer, e a União Europeia pode se desintegrar. Isso é o que está em jogo agora. E a economia turca está indo bem. No momento, a relação entre Turquia e União Europeia está arquivada.

ZH – O senhor foi processado por denunciar o genocídio armênio pelo Império Turco Otomano na I Guerra Mundial. Qual é a importância dessa questão na Turquia hoje?
Pamuk – É pequena, e definitivamente uma questão de liberdade de expressão. Deveríamos ser capazes de abordar esses temas sem ter medo de ir para a prisão e sem ter medo das campanhas que as pessoas possam fazer contra você. É uma questão, essencialmente, de liberdade de expressão e de saber a verdade sobre o passado. Mas, principalmente, de liberdade de expressão.

ZH – O Oriente Médio tem dois Prêmios Nobel de Literatura: Naguib Mahfouz e o senhor. Existe algum ponto de contato entre as obras de vocês?
Pamuk – Infelizmente, não. Nós dois, e outros escritores também, nos aproximamos da literatura europeia como modelo. Ele vem de uma geração anterior, seus modelos são, talvez, Zola e Balzac. Meus modelos são mais modernos, como Borges e mesmo Proust. Como escritores, procuramos mais influência no Ocidente do que entre nós mesmos. É esse o caso, não apenas em países islâmicos. A maior parte dos escritores islâmicos ainda está procurando modelos no Ocidente, e a comunicação entre culturas deveria ser mais forte.

ZH – Conta-se que Samuel Beckett teria dito, ao saber que recebera o Prêmio Nobel de Literatura: “Que desastre”. Qual foi a sua reação ao ser informado de que era o ganhador em 2006? De que forma o Nobel mudou sua vida?
Pamuk – Talvez eu seja uma pessoa mais superficial do que Beckett, já que não considerei um desastre. (Risos.) Fiquei muito feliz, como uma criança. “Isso não mudaria minha vida”, eu me disse. Talvez porque eu quisesse continuar escrevendo. No final, três meses e meio depois, voltei a escrever. Aproveitei a vida mais intensamente, todos me congratularam durante três ou quatro meses, e depois minha vida voltou ao normal, mas percebi que não era mais minha vida antiga: eu tinha mais fama, mais leitores e mais responsabilidade. A parte ruim sobre o Nobel, se é que você quer me ouvir dizer algo sobre isso, é que ele me levou a um estado socialmente mais responsável. Apesar de eu ser um tipo de escritor que fica feliz como uma criança, infelizmente tenho de ser diplomático. E não sou esse tipo de pessoa.
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REPORTAGEM POR LUIZ ANTÔNIO ARAUJO
luiz.araujo@zerohora.com.br
FONTE: ZH/CULTURA on line, 03/12/2011

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