É
a única jornalista portuguesa vaticanista, recebeu a sua credencial no
dia 1 de dezembro de 1989, precisamente o dia da visita histórica de
Gorbachev a João Paulo II. A dias de completar a centésima viagem a
acompanhar Papas, conta ao DN a viagem que tem sido a sua vida.
Quando
no dia 5 de maio entrar no voo papal que a levará até à Bulgária, Aura
Miguel, jornalista da Rádio Renascença, inicia nova etapa na sua vida: a
das cem viagens a bordo daquele avião. Começou há mais de 30 anos, já
conheceu três Papas, João Paulo II, Bento XVI e agora Francisco. E
assume que a sua agenda é a de quem comanda a barca da Igreja, que a sua
vida é programada em função desta missão, que é também uma inspiração.
Assume mesmo, e ao fim deste tempo, que é o que quer continuar a fazer,
até que a Rádio Renascença o queira e Deus também.
Por
isso, a seguir à centésima viagem partirá para a centésima primeira. Irá
à Roménia, depois a África e ao Japão. Não é teóloga, e beata também
não. Nasceu e cresceu no seio de uma família que aceitava o
cristianismo, mas que não era muito ativa na fé. Filha única, cedo
aprendeu a gostar de ler, de viajar e de apostar nas aventuras. Nunca se
casou nem teve filhos, mas porque nunca aconteceu. Na adolescência,
quando pensava no futuro, não era isto que se via a fazer.
O
gosto pelas viagens levou-a à ideia de seguir a carreira diplomática
para conhecer um país de quatro em quatro anos. Mas hoje, acredita, está
bem melhor. Conta com quatro livros publicados, dois sobre João Paulo
II, um sobre Bento XVI e o último sobre Francisco, no qual conta a
história da aventura que foi, quando lhe pediu uma entrevista a bordo do
voo que seguia de Roma para Colombo. Diz que só conseguiu este feito,
nunca ninguém em Portugal entrevistou um Papa, por ter uma tese: "Se não
pedir não tenho, se pedir tenho 50% de hipóteses, se tiver o não, tenho
de aguentar e não ficar com mau feitio."
Foi a tese que a levou
também um dia a pedir um autógrafo a João Paulo II, quando "não era
suposto pedir-se autógrafos, mas eu não sabia. E não podia ter sido mais
cómico". Conta: "Ele sentou-se ao pé de mim. Eu tinha uma
caneta de tinta permanente bastante usada, que lhe dei para a mão. Ele
abriu a encíclica, começa a escrever e diz-me em português correto: 'A
caneta não escreve.' Eu respondi: 'Santo Padre, escreve. Tem de virar o
aparo para a direita, porque já está viciada com o meu jeito de
escrever.' E ele assim fez. Depois, levei na cabeça de D. Albino Cleto
por lhe ter pedido o autógrafo."
Foi assim que ficou com
duas relíquias: "Uma caneta que nunca mais usei, por ter as impressões
digitais do Papa, agora Santo, e a encíclica autografada." Mas, a
verdade, é que tem uma terceira: "A minha bochecha é uma relíquia."
Depois de participar numa das situações mais avassaladoras destes anos,
ter escrito uma meditação para uma das estações da Via Sacra, em 2002, o
Papa João Paulo II fazia-me sempre uma festa na cara. Repetiu o gesto
várias vezes, a ponto de os colegas lhe dizerem a brincar que as
fotografias que mostrava eram num museu de cera, "eu é que chegava com a
cara à mão do Papa."
Para Aura, a vida que tem foi uma
chance conseguida em milhões. Por isso, sente que tem nas mãos a imensa
responsabilidade de contar cada viagem, cada experiência, cada frase ou
intervenção do Papa. Afinal, o jornalismo trouxe-lhe
entusiasmo, fascínio, profundidade e algo que desconhecia gostar: a
adrenalina. E foi entre entrevistas e diretos que Aura Miguel recebeu o
DN, nas novas instalações da Renascença. Naquela manhã, a conversa foi
sobre ela. De forma informal, entre risos, gargalhadas e interrupções,
deslizou até ao momento obrigatório de mais um direto.
Tens
61 anos és jornalista, especialista em assuntos religiosos,
vaticanista. Quando entraste nesta vida a tua família já era católica?
Diria
que minha família era tipicamente portuguesa, e quando digo isto é:
nada contra o cristianismo, com batismo, casamento e funeral na Igreja,
missa ao domingo, mas só as mulheres. O meu pai não era contra, mas não
ia e nem vai à missa ao domingo. Portanto, tive uma educação normal.
Nasceste e cresceste em Mem Martins. Como foi a tua infância?
Nasci
e cresci naquela zona saloia. Sou filha única. Sempre gostei de andar
na rua e nunca muito de brincar com bonecas. Era mais de aventuras. Fã
do livro OsCinco, deram-me um cão e chamei-lhe Tim. Também gostava dos Sete, mas era mais fã dos Cinco.
Eu própria imaginava brincadeiras, tinha uma lanterna, que não me
serviu de muito, a não ser para continuar a ler às escondidas de baixo
dos lençóis quando a minha mãe me mandava dormir e eu queria ler. Foi
sempre uma coisa de que gostei muito, agora não tenho tempo, mas, na
altura, talvez por não ter irmãos e haver muito tempo livre, devorava
tudo o que era livros de clubes. Cheguei a fundar um clube numa garagem
que tínhamos. Eram só quase rapazes, que também andavam de bicicleta
comigo, mas é claro: eu era a chefe, inventava palavras-passe para
entrarmos no clube, e por aí fora. Agora à distância, percebo que tudo
isto foi uma grande riqueza, que me serve de outro modo.
Então desde criança que gostaste da aventura, da curiosidade de viajar...
Sempre
tive um desejo enorme de conhecer. E isso fez que os meus pais, que
também gostavam de viajar, muito cedo me começaram a levar com eles. A
primeira vez que viajei de avião tinha 10 anos. Foi de Madrid para Palma
de Maiorca. Foi uma excitação, um avião com hélices. Depois, levaram-me
num cruzeiro, apanhei logo uma tempestade de mar. Mas ainda hoje gosto
imenso de barcos. Como fui habituada desde pequenina a viajar, e a
gostar sempre muito, talvez pela curiosidade, pelos cheiros, lembro-me
que entrava em Espanha e o cheiro era diferente. No mar, os cheiros
também são diferentes, o que sei é que todos estes ingredientes mais
tarde me levaram a desejar viajar, sempre, e para além das férias.
Foi isso que te levou a escolher o que querias?
Eu
tive uma infância muito calma e protegida em Mem Martins. Andei no
Colégio D. Afonso V, desde a 1-ª classe até ao 5.º ano de liceu, agora
9º ano. Apesar de gostar muito de Matemática, não queria seguir
Ciências. Ainda pensei seguir Matemática, mas como não gostava de tudo o
resto, nem de Física, nem de Ciências e de Química ainda menos, escolhi
outra área. Eu sabia bem o que não queria. Foi sempre mais fácil para
mim saber o que não queria.
E o que não querias?
Não
queria Ciências, não queria ser professora, não queria ficar fechada
num espaço toda a vida. Gostava muito de línguas, talvez pela faceta das
viagens, mas também pensava no que iria fazer só com as Línguas. Ser
tradutora-intérprete? Na altura, estava muito na moda, mas também não me
apetecia. Portanto, por exclusão de partes fui afunilando as escolhas e
acabei por optar por uma área que dava para História, Filosofia e
Direito, mas sempre paralelamente com as Línguas. Quando cheguei ao
final do secundário, fui para Direito. Tive uma experiência infeliz na
Faculdade de Direito de Lisboa, e depois fui para a Universidade
Católica.
Experiência infeliz porquê?
Entrei
em 1976, em pleno PREC [Processo Revolucionário em Curso]. Não havia
exames, havia muitas votações, era tudo um bocado balda e não gostei
mesmo.
Mas viveste a Revolução, lembras-te do 25 de Abril?
Sim.
Estava no Liceu da Amadora, como o colégio não tinha a área que eu
queria tive de ir para um liceu, o mais óbvio era Sintra, mas estava
cheio e mandaram-me para o da Amadora. Quando se deu o 25 de abril,
achei piada. Mas nas faculdades o tempo-auge do PREC não era pacificado.
Para mim foi uma experiência que me deixou bastante desiludida. Estava
na faculdade, o que queria era perceber o que era o Direito - se bem que
desde sempre tenha tido também a intuição de que não queria ser
advogada, e ser juiz também não, achava que não tinha muito jeito,
sentia que ia ficar presa ao aspeto da pessoa. E pensei logo que não era
capaz de ter o distanciamento objetivo que era necessário para exercer
magistratura.
Desististe da faculdade?
Fui
para a Católica. Tive de andar para trás, mas gostei muito. Todos os
bons professores estavam lá, tinham sido saneados das outras faculdades,
e tive a sorte de aprender com os velhos mestres do Direito, muitos
tinham sido ministros no Antigo Regime, como o Antunes Varela, o Castro
Mendes, que era maravilhoso, este também estava na Faculdade de Direito
de Lisboa, o Cavaleiro Ferreira em Direito Penal, o Freitas do Amaral, o
Ferrer Correia. Alguns até vinham de Coimbra, apesar de haver aquela
velha rivalidade entre Direito de Lisboa e o de Coimbra, mas, ali, na
Católica, todos se misturavam. Tive ainda o professor Borges de Macedo,
que foi assim o meu mestre e uma pessoa fundamental para mim. Com ele
percebi que o que gostava mesmo era de diplomacia. Ele dava História
Diplomática e, no último ano, tínhamos de escolher a área que queríamos:
Ciências Jurídicas ou Relações Internacionais. Eu, claro, fui para
Relações Internacionais, porque havia coisas de que não gostava no
Direito, como processos, prazos de tribunal, etc.
Então porquê o Direito?
Foi
por exclusão de partes. Não queria História porque ia ficar fechada num
museu, não queria só línguas, porque não tinha pachorra para ensinar,
Filosofia achava que não dava para nada, portanto fui para Direito.
Depois gostei imenso do curso, pelo pensamento e pelo raciocínio que nos
incutia e ensinava. Lembro-me de que, já 1977-78, havia um professor,
Paulo Sendim, que nos avisava: "Meus senhores, tenham atenção. Estudem,
porque há muitos colegas vossos a guiar táxis porque estão
desempregados." Ele dizia sempre: "Lembrem-se de que a coisa fundamental
no Direito é perceber qual é a questão", para depois se resolver o
problema. E, curiosamente, este: a questão acaba por ser o essencial do
jornalismo, sobretudo na rádio, onde se tem pouquíssimo tempo, às vezes
um minuto, para sintetizar uma encíclica de 70 páginas.
Foi assim que passaste do Direito para o jornalismo?
Não, nem pensar. Eu estava armada em snob
e achava que os jornalistas eram uma classe, enfim, do estilo
"ponham-se no seu lugar que eu estou a estudar Direito, sou jurista". O
professor Borges de Macedo confirmou-me a minha preferência pelo
Internacional, gostei muito da cadeira que ele deu, e isso ajudou em
tudo à intuição de que o que queria mesmo era viajar. E, claro, juntar o
útil ao agradável era ter o curso de Direito com a vertente de Relações
Internacionais, ser diplomata e de quatro em quatro anos viajar e
conhecer outros países. Só pensava "vai ser o máximo". E decidi que
seria assim.
Mas não foi, o que te desviou?
No
fim das aulas fui ter com o professor Borges de Macedo e disse-lhe que
gostava muito de seguir a carreira diplomática. Ele tinha-me dado uma
boa nota e pedi-lhe ajuda para me candidatar. Ele disse logo que sim. Na
altura, as candidaturas para acesso ao corpo diplomático eram de três
em três anos e estavam fechadas. Só dali a um ano meio ou dois é que
haveria novo exame. E ele disse-me: "Quando faltar um ano venha ter
comigo, que a ajudo a estudar." Aquilo tinha 20 temas para estudo, mas
no exame só iria sair um. Pensei logo que ia ter uma grande ajuda e que
iria correr bem.
Não correu?
No último ano
de Direito houve situação. O capelão da Católica era o padre João
Seabra, que era amigo do Vítor Cunha Rego, que eu também conhecia. O
Vítor Cunha Rego estava a recuperar o jornal A Tarde, que quis
tornar numa espécie de semanário quotidiano, e foi à Católica perguntar
ao padre João Seabra se ele não quereria escrever uma coluna sobre
atualidade na Igreja. Ele disse que não tinha tempo. Mas o Vítor Cunha
Rego insistiu e perguntou-lhe se ele não tinha ninguém a quem pudesse
convidar. Na altura, eu já me empenhava na capelania e um dia ele
chama-me e diz-me: "Olha lá, tu não queres escrever para um jornal?" Eu
fiquei: "Eu? Escrever para um jornal?" Eu com a minha ideia sobre os
jornalistas, disse-lhe logo que não, era o que faltava. Ele insiste:
"Olha que seria uma coisa divertida, e eles pagam." E, aí,
eu...ehh...parei. Quando uma pessoa está a acabar um curso e de repente
tem esta hipótese fica a pensar. Mas disse-lhe que nem sequer sabia os
temas sobre os quais teria de escrever. Mas ele respondeu-me logo: "Eu
vou ajudando. Vais passando por cá, dou-te umas dicas, investigas e
depois escreves." E assim foi.
Entraste no jornalismo a escrever crónicas sobre religião...
Sim.
Todas as semanas tinha de escrever uma coluna, uma página A4, que saía à
segunda-feira. O padre João Seabra ajudou-me imenso, era ele que me
dizia: "Olha, amanhã assinala-se o Concílio do Vaticano II." Eu ficava
sem saber o que fazer... Meu Deus, Concílio. Ele percebia e dizia-me:
"Sim, vai lá investigar a sua importância." Eu ia e depois escrevia. Ou
então, sobre a semana de unidade dos cristãos. Sei lá, tantos temas...
Era uma coluna despretensiosa, no início as ideias não eram minhas,
porque era o padre João Seabra que mas dava, mas acabei por achar
divertido, e fazia uma figuraça. Estávamos no último ano da faculdade.
Comecei a escrever em 1982 - no ano em que João Paulo II veio cá, de
certo modo inaugurei esta crónica com a visita dele, nem eu imaginava
que viria a conhecê-lo. Depois, achei que fazer aquilo sozinha começava a
ser pesado. Tinha de estudar para os exames e comecei a escrever a
meias com uma amiga, colega de curso, hoje juiz, e assinávamos sempre as
duas: Aura Miguel e Ana Isabel Coelho, mas combinávamos entre nós quem
escrevia naquela semana.
E o exame para a diplomacia?
Quando acabei o curso, em 1983, pensei em "ir à minha vida". Só que o Vítor Cunha Rego saiu do jornal A Tarde e foi fundar o jornal O Semanário e levou-me com ele. A minha amiga seguiu outro percurso. Fazia a mesma coisa, mas com outro nome. Só que o ritmo do Semanário era muito diferente. Enquanto para A Tarde
eu fazia a crónica em casa e ia lá levar, era um trabalho muito
individual, ali não. Eu ia à redação. Um dia estava lá e cruzei-me com o
diretor de informação da Rádio Renascença da altura, João Amaral, que
no corredor me pergunta se não quero ir trabalhar para a Renascença.
"Euuuuu?" Não queria acreditar, naquela altura a Rádio Renascença era o
António Sala e a Olga Cardoso, todas as manhãs, a acordar Portugal... E
disse-lhe mesmo, mas eu nem ouço a RR, do que gosto é de música
clássica.
Não te identificavas?
Disse-lhe
que não tinha nada que ver com a Renascença. E ele insistiu: "Venha
experimentar. Tenho lá uma redação com gente nova, alguns deles já
conhece." O que era verdade, mas disse-lhe que não tinha tempo, que
estava no Semanário. Ele explicou-me que precisava de uma
pessoa que falasse da atualidade da Igreja, com uma linguagem normal -
isto já naquela altura. Porque, normalmente, "quando se fala da Igreja
ou se é muito beato ou muito teólogo e ninguém percebe nada. E eu
preciso de uma pessoa que tenha outra linguagem".
Sentias-te uma coisa e outra, ou não?
Teóloga
não era de todo e nem queria ser, e beata também não. Portanto, achei
aquilo muito desafiante. Esta conversa foi para aí em 1985 e pensei:
"Vou experimentar, não perco nada." Pensei até, quando for embaixadora
posso sempre dizer que tive uma experiência na rádio [ri-se]. E
fui, mas ainda numa base superior, de jurista, de quem olha do alto do
seu pedestal do universo do Direito com ar displicente para a fauna dos
jornalistas. Entrei na redação da Renascença, na altura no Chiado, mas
já tudo muito velho, e a onda era o máximo. As pessoas que lá estavam
eram normais e divertidas, havia uns mais velhos, com muita experiência,
mas muita gente nova, que o João Amaral estava a levar para lá. Na
altura, encontrei um colega de curso, um ano abaixo do meu, e que hoje é
administrador da RR, o José Luís Ramos Pinheiro, e foi ele quem me
ensinou literalmente a fazer notícias de rádio.
A escrita de jornal para a rádio é muito diferente, não é?
Eu
vinha de uma escrita de um semanário, de uma escrita do Direito, e
quando chego à rádio o José Luís diz-me: "Sabes que na rádio a escrita
tem uma técnica diferente, cada ideia é uma frase, não pode haver uma
frase grande, não se pode pôr nunca o gerúndio, tem de se ir direito ao
assunto, tem de ser tudo desbastado a não ser a questão fundamental. E o
ideal para uma notícia é ter menos de um minuto." Eu fiquei: uau! Para
mim, aquilo era um grande desafio. Ele deu-me como treino preparar o
boletim meteorológico. Escrevi e fui corrigida, porque estava errado.
Portanto, pensei, isto de facto é uma grande aventura, porque o curso de
Direito não serve para escrever bem uma notícia sobre o tempo.
Foi isso que te agarrou ao jornalismo?
Fiquei
logo fascinada. Depois percebi que para a notícia ficar enriquecida era
preciso som, que a descrição através de um som, mesmo que fosse curto,
era mil vezes mais forte do que uma palavra. O que também achei
fascinante. Era um universo completamente novo. E descobri um outro
aspeto que não sabia que gostava: a adrenalina da rádio, que é ao
minuto.
Recordas-te do primeiro serviço que tiveste de fazer?
Há
uma coisa que recordo perfeitamente. Foi quando, nesta fase, me
mandaram para o aeroporto esperar o ministro dos Negócios Estrangeiros,
na altura era o Jaime Gama, cheguei lá e eram todos jornalistas mais
sabidos do que eu. Só estendi o microfone e vim-me embora [ri-se].
E o primeiro serviço na área da religião?
Primeiro
tive esta escola do que era fazer rádio, foi uma espécie de estágio.
Mas depois começaram a mandar-me para Fátima, quando nem sequer havia
autoestrada nem havia o hábito de aparecerem jornalistas para saberem o
que os bispos estavam a pensar e a decidir. Era uma aventura, agarrar
numa Renault 4, que eram os carros que a RR tinha, e ir até Fátima. Era
quase um dia, meio dia de viagem claramente. Lembro-me de que a quando
apareci lá, o impacto criado foi de cortar à faca.
Porquê?
A
Conferência Episcopal estava toda reunida. Na altura, a esmagadora
maioria dos bispos usava batinam e aparece uma leiga, uma jovem, que ia
de calças, era a única pessoa que estava de calças naquela sala, e
queria saber o que eles estavam a fazer. Foi muito duro.
Era por seres mulher ou por ser uma nova forma de fazer jornalismo?
Ficaram
enervados. Não estavam habituados a ter alguém que queria saber o que
estavam a fazer e a decidir. Poucos me dirigiram a palavra. O arcebispo
de Braga, D. Eurico Dias Nogueira, passava por mim como se eu fosse
transparente, nem me olhava. Mas houve dois, que eu sublinho e que é de
justiça prestar-lhes uma homenagem, um morreu há pouco tempo, e ficou
muito meu amigo, era D. Maurílio de Gouveia. O outro era o D. Serafim,
secretário da Conferência Episcopal, bispo emérito de Fátima, que veio
ter comigo a perguntar o que eu fazia ali e o que queria. Ficaram tão
enervados que foram lá dentro perguntar o que podiam dizer e o que não
podiam. A certa altura a minha presença era tão tensa que D. Serafim
teve a coragem de me vir perguntar, de forma muito paternalista: "Já
lanchou?" "Não, ainda nem comi." E levou-me para a sala onde estavam
todos os bispos a lanchar. Poucos me dirigiram a palavra, mas
gradualmente passou a haver este hábito de a rádio me enviar para Fátima
sempre que havia Conferência Episcopal.
Foi aí que ganhaste o nome de coscuvilheira...
Foi
um bispo muito querido, que parecia um avozinho, e tinha sido
missionário em Moçambique, D. José Garcia, que vestia sempre batina
branca, à velha tradição de missionário, que falou nisso. Tinha umas
barbas brancas lindas que chegavam até meio do peito, esse era mais
livre e aproximou-se logo de mim. Na altura, eu já achava que ele era
velhote, mas ainda viveu vários anos. E sempre que me via por ali, dizia
sempre, "olha a nossa coscuvilheira" [ri-se]. De facto, um
jornalista por vocação quer saber tudo, então, ele chamava-me
afetivamente "a nossa coscuvilheira". Ainda hoje há quem se se lembre
desta expressão. E foi assim que comecei.
Quando entraste no jornalismo abandonaste logo a ideia da diplomacia?
Entrei
no jornalismo e estava muito tranquila, até porque faltava um tempo
para o exame no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Quando faltava um
ano comecei a angustiar-me, estava a gostar tanto do que fazia na rádio
que entrei um bocadinho em crise. Tinha o coração dividido. Uma coisa
era a ideia que eu tinha sobre o que queria ser, sobre o que estava
planeado e a combinação que tinha com o professor Borges de Macedo,
outra era a realidade, e essa era uma experiência giríssima. Todos os
dias dava comigo a pensar: "O que será que acontece hoje?" E comecei a
pensar, vou fazer o exame, se entrar, o que acontece? Comecei logo a
imaginar o que viria daí para a frente. "Se entro e me mandam para
Bruxelas? Na altura estava a ser preparada a adesão à CEE. Fiquei
horrorizada só de pensar na possibilidade de ter de ficar mergulhada num
gabinete em Bruxelas, rodeada de dossiês quando não tinha achado muita
piada à cadeira de Direito Comunitário na faculdade. Eu queria ser
diplomata, mas queria era ONU e aventuras. Comecei a ficar em crise... A
razoabilidade era ir para a diplomacia.
A decisão foi difícil?
Fui
aconselhar-me com o meu grande mestre Borges de Macedo. Pedi-lhe um
momento. Ele era uma pessoa muito autoritária, era amado e odiado, era
muito exigente e nunca mostrava muito os dentes, mas eu gostava imenso
dele. Lembro-me de que ele marcou esse momento comigo no intervalo de
umas aulas e que me recebeu de pé, assim um bocadinho distante de mim:
"Então, diga lá." E eu disse: "Bem, senhor professor sabe que está a
chegar a altura do exame de admissão. Estou a trabalhar na Rádio
Renascença e estou a gostar muito..." Ele interrompe: "Pare." Eu só
pensei, meu Deus que me vai ralhar por estar a dizer isto. "Disse que
gosta de lá estar? Então se gosta fique." Isto foi fundamental para mim,
virou-me a agulha.
Ficaste aliviada...
Fiquei
aliviadíssima. Isto aconteceu em 1985 e, nesta altura, ele já tinha
esta visão: "A comunicação social tem um potencial tão grande que pode
fazer muito bem ou muito mal à sociedade. A menina fique lá mais uns
tempos. Se vir que não gosta, no próximo exame venha ter comigo outra
vez." Eu saí de lá contentíssima, libertou-me daquela ideia. Fui direita
à rádio falar com o diretor João Amaral e disse-lhe que ia ficar. Ele
responde "ótimo". E desabafei: "Já não vou é viajar tanto como eu
gostaria." Eu achava mesmo que só a diplomacia é que me iria permitir
viajar, e assim só o poderia fazer nas férias. E ele disse-me: "Não
pense nisso, olhe que às vezes surgem coisas giras para os jornalistas.
Fico contente." A partir daqui decidi ir fazer um curso de pós-gradação
sobre comunicação social na Católica para reforçar a minha formação
Os teus pais como reagiram?
A
minha mãe, como qualquer mãe, aceitou tudo muito pacificamente. O meu
pai ficou bastante zangado comigo. Levou para aí um ano a engolir a
minha decisão, porque a sua filha deveria seguir um futuro de
embaixadora e não ficar a trabalhar numa rádio. No auge da sua irritação
até chegou a dizer que eu era uma fundamentalista e que estar na rádio
era como ter ido trabalhar para O Avante. Agora, está muito
mais pacificado. Passado um ano desta minha decisão, sou chamada à
gerência da Renascença, e só pensei: "O que é que eu fiz de errado? Meu
Deus, o que é que me vai acontecer?" Fui chamada ao elemento do conselho
de administração da parte de informação que era o Dr. Luís Torgal
Ferreira, advogado, irmão do bispo Januário, que me manda sentar e
diz-me: "Francamente, Aura Miguel, você só cá está há um ano" - ele
parou, e eu só pensei no que me iria acontecer - "e já vai à Índia".
Fiquei felicíssima. E desde então começou a minha aventura.
Foi a primeira grande viagem em trabalho?
Fui
à Índia não por causa do Papa, mas para participar num congresso de
imprensa católica, D. Maurílio de Gouveia tinha perguntado à Renascença
se não poderia mandar um jornalista para fazer a cobertura. E lá fui,
mas o meu batismo como jornalista do Papa foi no regresso dessa viagem.
Aterrámos em Roma e fui fazer a cobertura do famoso encontro
inter-religioso pela paz que João Paulo II fez, em Assis, com 12 das
principais religiões do mundo. Foi uma coisa inesquecível da minha vida.
Trouxe tudo o que podia, fotografias, recortes, para a minha memória.
Isto foi em outubro de 1986. No ano seguinte, em junho, o diretor João
Amaral liga-me e pergunta-me se tinha o passaporte em ordem. O meu
coração deu logo um salto.
Para onde ias desta vez?
Iam
mandar-me à Polónia por causa da visita do Papa. Ainda era a Polónia de
Jaruzelski, um regime bastante intenso, mas nas ruas as multidões
estavam com o Papa. Havia o Solidariedade de Lech Walesa...Era tudo
muito intenso, foi assim que comecei a acompanhar o Papa.
Nessa altura, já eras crente ou o teu percurso pelo lado da fé foi-se intensificando por aquilo que estavas a fazer?
Sem
dúvida. No contexto da família, ninguém era contra o cristianismo, mas
também não eram muito ativos. Em miúda, também um pouco pela minha
vontade de aventuras e curiosidade, inscrevi-me num grupo de jovens na
paróquia, inscrevi-me sem dizer nada aos meus pais e eles ralharam
comigo. Mas o começar nesta aventura de seguir o Papa foi o que me fez
crescer como adulta na fé. O Papa João Paulo II foi absolutamente
fundamental para consolidar a experiência que já tinha. Fiz 51 viagens
com ele, conheci-o pessoalmente. Mas, depois, esta fé foi ainda mais
confirmada com Bento XVI, que dedicou o seu pontificado às razões da fé,
e que poucos o entenderam, mas que para mim foi assim uma espécie de
selo da experiência que eu já trazia.
Neste teu percurso nunca pensaste em namorar, casar, ter filhos? Nunca fez parte da tua vida?
Fez, mas nunca aconteceu. Não foi uma decisão, foram as circunstâncias.
Pertences a alguma congregação?
Não,
de todo. Pertenço a um movimento católico com pessoas casadas e não
casadas, Comunhão e Libertação, que também surgiu no contexto das minhas
viagens sucessivas a Roma, e que se pode definir como uma realidade de
igreja que ajuda a viver as motivações racionais da adesão à fé no
quotidiano.
Como é que olhas para cada um dos Papas?
A
primeira coisa que acho fascinante é que são três homens completamente
diferentes, na maneira de ser, na origem, nos contextos, e com o mesmo
cargo. E à luz da fé vejo que, para cada época, Deus escolhe um homem.
Chama-o, como chamou Pedro de entre os apóstolos, se calhar nem era o
mais óbvio, porque o traiu, mas chamou-o porque ele era capaz de amar
mais. Pedro ganhou pela medida do seu amor, e eu gosto de olhar para os
Papas neste contexto. João Paulo II veio do Leste, de um contexto de
guerra fria, novo, supervigoroso. Foi eleito com 58 anos, introduziu um
dinamismo e um estilo, que muitos não se lembram, mas que é agora também
o estilo de Francisco. Foi ele que começou por furar o protocolo,
praticava esqui, mandou construir uma piscina. Uma vez um cardeal que eu
conheci foi recebido pelo Papa à beira da piscina, no Castelo Gandolfo.
O cardeal, que era amigo de João Paulo II, contava que quando bateu à
porta o monsenhor lhe perguntou: "Eminência trouxe o fato de banho?" Era
um homem espetacular, profundo e de olhar penetrante, sabemos agora que
era um olhar de santo. Percebia-se que aquele olhar tinha lá alguma
coisa mais.
E Bento XVI?
Bento XVI veio num
tempo já com muita poeira levantada. E com a sua inteligência lúcida
tentou deixar-nos uma série de alertas, que agora estamos a verificar.
Era um homem intelectual, que nada tinha que ver com o antecessor,
odiava desporto, gostava era de tocar piano e de passar férias,
pasme-se, a escrever livros de teologia. Acho que Deus entendeu que,
naquela altura, era necessário um homem que deixasse todo o material
escrito que ele deixou e que ainda está por aprofundar e valorizar. Acho
que Bento XVI é de uma dimensão, assim como São Tomás de Aquino, mas ao
mesmo tempo muito humilde, o que também não é costume encontrarmos. Os
que são muito inteligentes são vaidosos, não era o caso.
E Francisco?
Ele
é o Papa que olha para a Europa do lado de fora e nos vê em decadência,
que é como estamos, tipo meninos mimados que têm tudo, uma vida ótima,
aburguesados e que se esquecem de Deus. Vivem como se Deus não
existisse, só se lembram dele quando as coisas correm mal, às vezes, nem
isso. É um homem muito afetivo, que nós europeus também não somos.
Mas se tivesses de definir cada um, como o farias?
Com
toda a injustiça que isto possa implicar, costumo olhar para eles da
seguinte forma: João Paulo II como o Papa da Esperança, veio com todo o
vigor e inventou a Jornada Mundial da Juventude. Bento XVI como o Papa
da Fé, porque é o das razões da fé, o do alargamento do horizonte da
razão, para se poder verdadeiramente entender o mistério da fé. E
Francisco como o Papa da Caridade. Isto agora dá, mas se vier um quarto
Papa e eu o conhecer não sei como será.
Vais para a centésima viagem, que significado tem para ti?
Essa
pergunta é praticamente impossível de responder. Antes de mais sinto
que o que estas viagens me trazem é uma grande riqueza humana, quer no
privilégio que é conhecer pessoalmente o Papa, e já vou no terceiro,
como no da grande responsabilidade que é comunicar o mais possível esta
experiência a quem mo pede. Em primeiro lugar, comunicar através da
Renascença para todo o universo do grupo, mas depois também para os
outros, acontece-me imenso pedirem que participe em conferências,
encontros... Eu nunca consigo dizer que não, considero que é mesmo um
dever que tenho, porque é uma chance de milhões estar onde estou. Ou
seja, viajar na barca de Pedro, que é o avião, neste momento.
Mas voltando ao significado que isto tem para ti...
Quando
se gosta muito do que se faz nem se dá pelo passar do tempo. De
repente, faço isto há 32 anos e dou comigo a celebrar a centésima
viagem. Não sei explicar isto de outra maneira senão como uma enorme
gratidão a Deus, antes de mais, e à luz da fé, e como uma enorme
gratidão à Renascença, porque o que faço é uma opção editorial que fica
muito cara - a Rádio paga muito caro por um bilhete num voo papal. Mas
estas viagens deram-me uma outra riqueza, pela qual também tenho imensa
gratidão, é que assim tenho viajado e conhecido muitos mais países do
que se fosse diplomata, e de certeza que tem sido muito mais
interessante. Assim, não tenho de estar estar a aguentar as questões
políticas ou ter de estar com disfarces e artificialidades. Isto é muito
mais divertido. À luz da fé, há a imagem do cem por um, quem dá o que
tem por uma boa razão, Cristo compensa-o cem vezes mais. Acho que foi
isso que me aconteceu.
E peripécias, nunca te aconteceram?
Imensas.
Há uma que até está documentada com fotografia. Um dia furei, furei,
furei para entrevistar o Papa João Paulo II, numa visita que fez a uma
exposição, organizada pela Conferência Episcopal, em Roma, sobre os
cinco séculos de evangelização e encontro de culturas. Fecharam a
exposição para o Papa entrar e eu estava lá dentro, mas já sabia como é
que as coisas funcionavam e que não se podia ir até ao Papa, sem mais
nem menos. Mas decidi ir ter com o secretário dele, monsenhor Stanislaw,
e pedi-lhe para fazer só uma pergunta ao Papa "para ver se ele gostou
da exposição". Ele responde-me que não sabia de nada, que descodificado
quer dizer: "Avança, vê lá se consegues." Avancei para o círculo
seguinte, mais estreito, onde estava o chefe da Casa Pontefícia, que não
me deixou passar. Eu respondi: "Falei com o monsenhor Stanislaw e ele
disse que sim." Cometi uma pequena mentira, mas ele olhou para monsenhor
Stanislaw, que lhe deve ter feito um olhar de 'vá lá, deixa-a avançar'.
Fui em direção ao Papa, os seguranças pessoais puseram-me o braço à
frente, mas o Papa disse: "Pode ser." Peguei no gravador e no microfone,
que ainda eram daqueles com ponteiros que mexiam com a voz, felicíssima
por ir ter um exclusivo, faço-lhe a pergunta, ele começa a falar e
quando olho para os ponteiros, vejo que estavam parados e que não estava
a gravar. Com o pânico não ouvi nada do que ele respondeu. Não podia
dizer: "Santo Padre, desculpe, vou ver o que se passa com o gravador."
Ele falou, tenho uma fotografia, mas não tinha o exclusivo, não tinha o
som. Foi a comissária da exposição, Natália Correia Guedes, que ouviu
tudo o que o Papa disse e me brifou, para eu fazer uma peça...
Uns Papas são mais fáceis do que outros no relacionamento com os jornalistas?
São
todos afáveis, mas João Paulo II era espetacular. Foi ele que
introduziu no falar com os jornalistas a bordo do avião. Tudo começou
quando, uma vez, ia no avião um jornalista americano, que se vira para o
Papa e lhe pergunta: "Santo Padre, quando vai à América?" Isto foi um
escândalo, com monsenhores a rasgar as vestes [ri-se]. Mas o
Papa vira-se na maior e responde: "Não sei, mas espero que brevemente."
Mas o ser mais fácil ou não tem que ver com o carácter de cada um, João
Paulo II sentia-se lindamente com os jornalistas, até tinha mesmo
necessidade de falar connosco, mas Bento XVI já era muito tímido e muito
retraído. Era intelectualmente brilhante, mas não era do estilo de
conviver socialmente. Agora, Francisco, ainda é mais próximo, ele ainda é
mais hiperativo do que o nosso Presidente da República. Mas foi
motivada por esta atitude que um dia lhe pedi uma entrevista a bordo do
avião. Estávamos mais de 70 jornalistas a bordo, da CNN, BBC, Reuters,
do Le Figaro, etc., e o Papa vinha na nossa direção. "Eu quero
uma entrevista com o Papa, vou pedir." Pedi e correu bem. A aventura
toda passou-se a bordo do avião, numa viagem de Roma para Colombo, e
acho que isso só foi possível por ele ser tão próximo das pessoas, dos
jornalistas, e ser tão paternal, no fundo.
Tens alguma viagem que tenha sido mais marcante?
Esta
marcou-me claramente, mas há outras viagens histórico-políticas
impressionantes. Por exemplo, a viagem de João Paulo II a Cuba, dois
carismáticos lado a lado, João Paulo II e Fidel Castro. Sabe-se que foi
dificílima de negociar, mas absolutamente inesquecível.
É difícil separar o trabalho das emoções?
Sim.
É impossível separar. Não sou nada partidária desta neutralidade. É
possível honestidade perante as coisas, contas o bom e o mau. Não deixo
de ser quem sou a contar as coisas, nisso sou muito transparente, às
vezes até de mais. Na última viagem que João Paulo II fez a Fátima,
entregou um anel a Nossa Senhora, eu estava em direto e comecei a
chorar, não consegui conter-me e continuar, em boa hora fui interrompida
pelo padre Stilwell, também em direto, mas a partir de Lisboa, que
recuperou a emissão.
Sentes que o que fazes também é uma forma diferente de as mulheres estarem na Igreja?
Acho
que sim. Primeiro, foi esta coisa com a Conferência Episcopal, onde me
olhavam de soslaio. Nem pensar, esta coscuvilheira? Depois, quando
cheguei ao universo do jornalismo do Vaticano, as mulheres também eram
pouquíssimas. Comecei em 1986-87, mas só subi a bordo para o avião papal
porque era preciso acreditação permanente, e eles são muito exigentes,
em 1990. Nesse voo, havia só umas quatro ou cinco mulheres, agora já não
é assim. Mas nunca me aconteceu ter sido preterida por coisa alguma.
Numa das viagens cheguei a ser convidada a integrar o séquito - ou seja,
o grupo de staff do Papa. Foi com João Paulo II numa viagem à
Venezuela. Era a única mulher no grupo. Mas acho que desde que comecei
houve uma evolução, e sinto-me contente por isso.
E a partir da centésima viagem?
Vou
para a centésima primeira passados quinze dias. A minha agenda é a do
Papa. E o Papa tem uma agenda impressionante neste ano. Depois da
Bulgária e da Macedónia, vou logo para a Roménia. E são viagens muito
desgastantes, trabalhamos que nem uns cães. E, no regresso, que antes
era para descansar, o Papa faz agora a conferência com os jornalistas,
e, às vezes, temos de trabalhar toda a noite. Depois, é Moçambique,
Madagáscar e Maurícia e, em novembro, Japão, e para esta há a
expectativa, se fará uma escala na China. Enquanto esta for a opção da
Renascença, a minha especialidade é acompanhar as atividades do Papa e
da Santa Sé, até Deus querer.
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Reportagem Por Ana Mafalda Inácio
Fonte: https://www.dn.pt/edicao-do-dia/21-abr-2019/interior/aura-miguel-a-primeira-vez-que-fui-a-fatima-era-a-unica-de-calcas-na-sala-dos-bispos--10814044.html?utm_term=Ataque+aos+%22irmaos+cristaos%22.+Radicais+islamicos+sob+suspeita+no+Sri+Lanka&utm_campaign=Editorial&utm_source=e-goi&utm_medium=email 21/04/2019
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