sábado, 20 de abril de 2019

Uma crônica e um poema sobre a Notre-Dame

Juremir Machado da Silva*


Léia Neves e Tom Wayne sentem o incêndio da Catedral de Paris

NOTRE DAME, MON AMOUR

Léia Neves

Cresci aprendendo a amar  Notre Dame de Paris. Minha mãe, uma apaixonada pela cidade, nos contava sobre a construção da catedral, a paixão de Quasímodo por Esmeralda, as danças da cigana no átrio, o pátio dos milagres, as gárgulas que a protegiam dos ataques dos demônios.
Dentre todas  as histórias, Quasímodo entre os sinos, espiando a cigana dançar, em adoração platônica e o resgate de um resistente, no verão de 1944, pelas gárgulas guardiãs sempre me tocaram de forma especial.
A primeira vez em que subi aos sinos eu vi; sim, eu vi Quasímodo caminhando nas torres, acariciando as cordas, espreitando a amada Esmeralda.
Ainda arregalo os olhos ao lembrar da mãe contando a lenda do resistente prestes a ser fuzilado.
 Era verão de 1944, os aliados às portas de Paris, Paris em colère. Um jovem partisan fora preso e os boches o levaram, vendado, para ser assassinado em frente a Notre Dame. Dizem que, ajoelhado, clamou por Nossa Senhora : Notre Dame,  prie pour nous, pauvres péuchers. O pelotão ouviu um uivo, uma sombra projetou-se sobre o átrio. As gárgulas, em voo rasante, resgataram o prisioneiro sob o olhar dos carrascos.
Onde estavam as protetoras quando iniciou o incêndio?
Haviam sido retiradas para os trabalhos de restauro.
Mas não a deixaram de todo abandonada.
Muitos dos que se juntaram para rezar e pedir à padroeira que salvasse o templo amado contam que viram, logo que desabou a flecha, um revoar de enormes  pássaros assustadores em direção ao incêndio. Atravessaram as chamas e se postaram em frente à grande rosácea e ao órgão principal. Por isso sobreviveram às chamas.

Notre Dame de Paris  ressurgirás das cinzas, como as gárgulas, todos os que te amam hão de te reerguer.

*
A Catedral de Paris
 
Tom Wayne

O fogo abraçou ardente as vigas secas de Notre Dame,
la flèche em brasa mergulhou incandescente
não sem antes despencarem seus três tristes sinos.
Com suas bocas de feras, as gárgulas regurgitam
vapores d’agua por suas goelas de ferro fervente.

Inúteis as gotas salgadas do fundo da alma do povo
paralisado nas alamedas e calçadas da Île de La Cité.
No memorioso Sena, bateaux mouches estão imóveis
sob a névoa das cinzas da Catedral em chamas.
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* Jornalista. Sociólogo. Prof. Universitário.
Fonte:  https://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/uma-cr%C3%B4nica-e-um-poema-sobre-a-notre-dame-1.333966 20/04/2019

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