DOCA
PRESENÇA DIGITAL/DIVULGAÇÃO/JC
Filósofo acredita que falhas de diálogo e gestão do governo pode
inviabilizá-lo até o ponto de cair
Bruna
Suptitz
O filósofo Luiz Felipe Pondé aponta que falhas de diálogo e de gestão
nos três primeiros meses do governo de Jair Bolsonaro (PSL) pode inviabilizá-lo
até o ponto de cair. "Mesmo que ele não caia com o impeachment, ele cai,
porque vai ter que ser neutralizado de alguma forma", projeta. Um dos
indicativos é a relação difícil com o Congresso Nacional, o que provocou a
ameaça, por parte de alguns congressistas, de que desengavetariam a proposta de
reforma da previdência do ex-presidente Michel Temer (MDB), ao invés de votar o
texto apresentado por Bolsonaro e defendido pelo ministro da Economia, Paulo
Guedes.
O filósofo provoca, se referindo ao presidente como "uma espécie de
moleque revoltado e nostálgico", e lembra que a vitória de Bolsonaro se
deu na busca de uma alternativa à hegemonia petista. Contudo, mas aponta que,
caso o presidente não mude a narrativa oficial, "corre o risco de ele
devolver o Brasil para as mãos da esquerda na próxima eleição".
Pondé participou do seminário O Brasil que saiu das urnas, promovido
pelo diretório estadual do MDB, no qual avaliou o as mídias sociais, a partir
da eleição de 2018, como "o quinto poder". Mas sustenta que o combate
às fake news depende do trabalho dos jornalistas, de "investigar e propor
às pessoas a ideia de que vale a pena pagar para ter uma informação
melhor".
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, o filósofo afirma que, embora
Bolsonaro tenha se valido da comunicação digital para vencer a eleição, espera
que o presidente mude a sua relação com as redes. "A ideia de que ele pode
governar como pensa, falando direto com a população, vai criar uma desorganização
enorme".
Jornal do
Comércio - O senhor afirmou, antes da eleição, que, independentemente de quem
ganhasse, a vencedora seria a rede social. Mantém esse entendimento?
Luiz Felipe Pondé - Claro! Quem ganhou, em grande parte, foram as redes
sociais. Se não fosse pelas redes sociais, seria muito difícil falar com a
direita hoje no Brasil, porque ela não tinha nem como se articular, não tinha
mídia, nem a academia, nem centros culturais. E especificamente o Bolsoanro
dominou muito bem a sua equipe de mídias sociais.
"Eu espero que tenha (mudança). Para o bem do Brasil
e para o bem
dele. Não dá para governar por mídias sociais.
Ele acha que o (Donald) Trump
(presidente dos
Estados Unidos) está indo bem, mas
o Trump já perdeu a casa."
JC - É
possível observar a influência das mídias na eleição do Bolsonaro?
Pondé - Ainda estamos vendo o impacto que as mídias sociais têm,
derrubando ministros, influenciando na eleição para o Senado. A discussão agora
é como vai evoluir a influência das mídias sociais na política, e não se ela
tem influência na política.
JC - Pode
se dizer que o grupo do Bolsonaro e aqueles mais à direita conseguiram
identificar antes dos outros como usar as redes sociais a seu favor?
Pondé - Claro. E, se ampliar o espectro da direita para incluir, por
exemplo, os jovens liberais como o MBL (Movimento Brasil Livre) - que
trabalharam com as mídias sociais para derrubar a Dilma -, percebemos que a
influência já começou a se formar nas manifestações de 2013. A própria direita
vem se articulando fora do espectro Bolsonaro já há algum tempo.
JC - Como
a relação que Bolsonaro criou com os seus eleitores através da rede vai se
manter? Pode ter mudança?
Pondé - Eu espero que tenha (mudança). Para o bem do Brasil e para o bem
dele. Não dá para governar por mídias sociais. Ele acha que o (Donald) Trump
(presidente dos Estados Unidos) está indo bem, mas o Trump já perdeu a casa. As
mídias sociais são claras como ferramentas de marketing político e de outros
tipos de marketing, mas a ideia de que ele pode governar como pensa, falando
direto com a população, vai criar uma desorganização enorme na atividade
representativa da política na democracia. A minha expectativa é que ele e o seu
grupo tomem juízo e parem de querer governar por mídias sociais.
"...o Bolsonaro torna a administração
dele
sem nenhuma privacidade institucional, o que
pode complicar bastante."
JC - Esse
não é o cenário que se observado no momento. O senhor identifica risco da
relação por essa forma de uso das redes?
Pondé - Todo o risco do mundo. Ele pensa que está na varando da casa
dele comendo churrasco, falando com os amigos. Teve a história daquele vídeo
horroroso que ele postou sobre o carnaval e que é um exemplo paradigmático do
que ele faz, mesmo quando não é necessariamente para as mídias sociais, pois as
coisas que ele fala também impactam. Quer dizer, o Bolsonaro torna a administração
dele sem nenhuma privacidade institucional, o que pode complicar bastante.
JC - Com
os casos destes três primeiros meses de governo, o senhor identifica o quanto
isso pode prejudicar o trabalho dele e a imagem do país?
Pondé - É. Prejudicá-lo enquanto presidente. Veja os frangalhos que está
a relação dele com a Câmara. O que isso significa em termos de aprovação da
reforma da previdência; o contínuo choque entre o grupo de compõe a
administração Bolsonaro e o grupo de expectativa liberal; já o Dólar sobre e a
Bolsa cai; a expectativa de crescimento econômico diminui; a desautorização do
(ministro da Justiça e Segurança Pública Sérgio) Moro por conta da pressão das
mídias sociais contrárias à indicação da Ilona Szabó (cientista política
indicada para o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária,
posteriormente exonerada)... Isso tudo são indicativos muito claros de que a
forma como eles tem usado as mídias sociais tem complicando o cotidiano
institucional do governo.
JC - Tem
possibilidade de mudança nesse rumo?
Pondé - Ainda é cedo para dizer. Mas é um cedo que já está quase ficando
tarde. Eles parecem, até agora, continuarem impermeáveis, o que vai provar que
são de fato incompetentes. O governo Bolsonaro e o clã dele até agora não demonstraram
que sabem governar. O que eu acho que vai acontecer é que, se ele não se mexer,
ele vai cair.
JC - Vê a
possibilidade de o presidente cair?
Pondé - Mesmo que ele não caia com o impeachment, ele cai, porque vai
ter que ser neutralizado de alguma forma. Se a Câmara resolver aprovar a
previdência do Temer, é uma forma de dizer para o Bolsonaro "se você
quiser nos ignorar, nós vamos ignorar você". Isso vai ser muito ruim para
o país. E se a vitória do Bolsonaro representou uma expectativa de mudar a narrativa
do país com relação à hegemonia do PT, corre o risco de ele devolver o Brasil
para as mãos da esquerda na próxima eleição.
JC -
Acredita que tem campo para isso? A esquerda está sabendo lidar com o papel de
oposição?
Pondé - A esquerda não precisa fazer oposição. Quem está fazendo
oposição ao governo Bolsonaro é a inapetência deles em governar o país. Então a
esquerda não precisa fazer, mas está ainda desarticulada, inclusive porque
ficou a vida inteira na mão do (ex-presidente Luiz Inácio) Lula (da Silva, PT).
Mas se, por exemplo, o Ciro (Gomes, PDT) conseguir se articular de alguma
forma, tem chão até 2022. Mas em 2019, se o Bolsonaro não tomar juízo e parar
de governar como se fosse uma espécie de moleque revoltado e nostálgico, ele
pode criar uma situação bastante difícil dentro da representatividade do
governo. E essa atitude da Câmara, querendo aprovar a previdência do Temer, é
um indicativo de que eles podem transformar o Bolsonaro em uma Rainha da
Inglaterra.
JC - No
seminário, o senhor citou o termo 'quinto poder' em referência às mídias
sociais. Como definir e identificar isso na prática?
Pondé - Identificar, primeiro, a convergência entre a imprensa, as
mídias em geral e as próprias mídias sociais. Não existe a imprensa e as mídia
em geral sem as mídias sociais. É verdade que as mídias sociais dependem do
trabalho profissional e da credibilidade que as grandes marcas de imprensa têm.
Não é que as mídias sociais correm soltas, também pesa sobre elas a pecha de
ser completamente sem nenhum critério, o que diminui um pouco o impacto que têm
entre as pessoas mais bem informadas. Mas o quinto poder que me refiro das
mídias sociais é o poder de um enxame, e basta ver como funciona um para
perceber esse poder, seja no grau de capilarização, de acessibilidade, de
impacto e de influência.
JC - Tem
exemplo disso?
Pondé - Pesquisas sobre o comportamento de eleitores, que tem crescido
muito nos Estados Unidos de 2005 para cá, mostra que a maior parte não se
informa, não se importa e não tem tempo para a política. Aquilo que chega até
eles pelas mídias sociais influência muito o voto, porque se tem um grau de
escolha raso. Existe uma teoria chamada racional ignorant, o ignorante
racional, que faz com que o eleitor comum decida racionalmente não se interessar
por política porque a influência dele individualmente na política é zero. As
mídias sociais atendem exatamente a esse tipo de situação. Ao olhar para o
Brexit (movimento de separação do Reino Unido da União Europeia), para grupos
que vêm crescendo na Europa, para o barulho que foi a Primavera Árabe (onda de
protestos realizados a partir de 2010 em países do Oriente Médio), o golpe que
aconteceu na Turquia e a retomada de poder do (presidente Recep Tayyip)
Erdogan, o que aconteceu com (a eleição de) Trump, e aqui no Brasil - estes
exemplos têm todos os indícios da força que as mídias sociais têm hoje, não só
em política, mas também em marketing, em comportamento, em relacionamento, em
interação entre vida privada e vida no trabalho. É um ciclo de transformação
que a gente ainda está aprendendo a saber como funciona.
JC -
Mídias não existem sozinha, mas parte do conteúdo divulgado não passa pelo
filtro do jornalismo, o que leva à disseminação de notícias falsas. Como o
senhor enxerga o papel da imprensa neste cenário?
Pondé - O papel da imprensa é, por um lado, enxugar gelo, ficar
continuamente combatendo o lado negativo e de baixa credibilidade que as mídias
sociais têm. E ao mesmo tempo, o trabalho que a imprensa sempre teve, que é
garimpar e investigar o que é verdade e o que não é, o que é difícil hoje
também, porque o modelo de negócio da imprensa está em crise. Existem
iniciativas com o Nexo, em São Paulo, que é um jornal que vive só de assinatura
e está tentando escapar da dependência da publicidade. Nas ferramentas digitais
a tendência das pessoas é ler de forma mais rápida e menos atenta do que a
leitura no jornal impresso. Então o papel da imprensa é fazer o que ela está
fazendo, investigar e propor às pessoas a ideia de que vale a pena pagar para
ter uma informação melhor. Mas o alcance disso continua sendo no máximo médio,
porque a outra metade da população, no mínimo, não está interessada em
diferenciar fake news e não fake news. As pessoas tendem a gostar de postar
fake news se for a favor do que elas pensam. O papel da imprensa é o papel de
uma polícia que combate o crime. Nunca vai acabar, mas ainda assim continua
combatendo.
JC - O
senhor identifica tendência de que as fake news permaneçam?
Pondé - Não dá para saber o que vai acontecer, a tendência retórica e a
mentira existem desde a democracia ateniense. Isso está intrínseco na noção de
um regime que depende da quantidade, do número de pessoas que concordam com uma
ideia. Ainda temos que ver como vai ficar a influência da inteligência
artificial, da multiplicação por bots, para dizer exatamente como serão os
próximos 10 anos e o impacto que as mídias sociais têm na política. Não dá para
fazer profecia.
JC -
Muito do que tem sido praticado pelo presidente e por pessoas próximas tem sido
desmentidas por eles mesmos e vêm à tona por conta do trabalho da imprensa, que
ele critica por meio das redes sociais. O senhor acredita que ele pode cair em
descrédito com eleitores?
Pondé - Já está caindo. O Bolsonaro tinha entre 17% e 18% dos seus fiéis
eleitores, e ganhou a eleição por conta do sentimento antipetista, do cansaço
da política de intervenção e do tamanho do estado, e do papo da crise
econômica, de as pessoas estarem sem dinheiro. Se não melhorar a situação
econômica - e claro que não é ele que melhora, mas as pessoas tendem a associar
a uma figura, e ele não está ajudando... Então, já está caindo. Se não mudar a
rota, Bolsonaro vai virar a Rainha da Inglaterra em seis meses.
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Perfil Luiz Felipe Pondé tem 59 anos e é natural de Recife, capital de
Pernambuco. De origem judaica, é filósofo e escritor. Iniciou a graduação em
Medicina pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), mas não concluiu. É
graduado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (USP), onde também fez
doutorado em parceria com a Université Paris VIII, em Saint-Denis, na França.
Recebeu o título de pós-doutor pela Universidade de Tel Aviv, de Israel.
Atualmente, é professor de Filosofia da Fundação Armando Alvares Penteado
(Faap) e de Ciências da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP). Tem mais de 15 livros publicados, entre os quais: Filosofia do
cotidiano (2019); A era do ressentimento: uma agenda para o contemporâneo
(2014); Guia politicamente incorreto da Filosofia (2012); Contra um mundo
melhor: ensaios do afeto (2010); e O homem insuficiente: comentários de
psicologia pascaliana (2001). É colunista do jornal Folha de S.Paulo e
comentarista da TV Cultura. - Jornal do Comércio
(https://www.jornaldocomercio.com/_conteudo/politica/2019/04/678109-para-ponde-falhas-do-governo-podem-beneficiar-a-esquerda.html)
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