*Por Benjamin Bathke
Lentidão, aliada à estabilidade, vence uma corrida –mas será que essa frase
também funciona no mundo da mídia digital, onde “ser o 1º” ainda é uma
prioridade para a maioria das publicações?
Um pacote de startups de “jornalismo lento” está tentando descobrir
isso. Com slogans como “Desacelere, seja sábio” e “Priorizamos o
conhecimento ao invés da velocidade”, esses canais digitais apostam em duas
tendências convergentes: uma necessidade crescente de mudar o que foi rotulado
de “consumo excessivo de conteúdo”, “sobrecarga de informação” e “notícia
tornaram-se barulhentas” em favor de aplicativos e conteúdo de notícias
mais “finito, gerenciável e digerível”; e a falha factual ou
percebida da mídia que é especialista em nos dizer o que acabou de acontecer,
mas precária em explicar como aconteceu.
Uma parcela substancial de consumidores de notícias “se
sente desgastada pela quantidade de notícias nos dias de hoje”, de acordo
com dados preliminares do relatório do Instituto de Mídia Digital da Reuters
de 2019. Existe até 1 termo abreviado para expressar o desejo cada vez
mais predominante de acabar com as intermináveis correntes de posts,
histórias e breaking news: JOMO, ou a “alegria de perder”.
Nascido da frustração com a qualidade do jornalismo da grande imprensa, o
jornalismo lento surgiu em 2011 com o lançamento da revista trimestral
britânica Delayed Gratification. Cerca de uma dúzia
de novas publicações e livros aderiram ao movimento mais
tarde, e com isso, a ascensão da tendência por 1 tipo mais lento de jornalismo
é evidente. Agora, a questão é: o jornalismo lento pode servir de
alternativa para o excesso de notícias –levando a evitá-las? E as startups de mídia podem capitalizar o
desencanto dos consumidores de notícias com uma oferta pela qual as pessoas
estão dispostas a pagar?
“DESACELERE, SEJA SÁBIO”
Uma das marcas do jornalismo lento é dar aos leitores uma chance realista de
consumir tudo antes que mais conteúdo seja divulgado. É por isso que os
membros do britânico Tortoise Media não recebem mais do que 5
artigos por dia em seu “newsfeed lento”, como a co-fundadora e
editora Katie
Vanneck-Smith o chama. Lançado em 14 de janeiro com 2.530 membros
fundadores, o Tortoise, com sede em Londres, está atualmente em fase
beta e planeja entrar em operação em abril.
“[Tortoise] é o antídoto para o feed de notícias infinito”, disse
Vanneck-Smith, que também é ex-presidente da bolsa de valores Dow Jones. “Nós
prometemos [aos nossos leitores] algo que se encaixa em suas rotinas, algo que
eles podem terminar de ler, isso é qualidade, atencioso e que eles podem fazer
parte”.
Vanneck-Smith co-fundou a Tortoise com James Harding,
ex-diretor da BBC News, e Matthew Barzun,
ex-embaixador dos EUA no Reino Unido. Durante a campanha Kickstarter,
que durou 1 mês no último outono americano, o trio arrecadou quase £ 550 mil
(aproximadamente US$ 692 mil), além de uma quantia não revelada de 1 grupo de 8
investidores privados -montante suficiente para “construir 1 modelo
sustentável para o jornalismo” durante 3 anos, segundo Vanneck-Smith.
Por £ 250 (US$ 315) por ano, os membros recebem uma edição digital diária
através do aplicativo Tortoise, por e-mail e em uma seção de membros no
site, todos às 11h, horário do Reino Unido (6h em Nova York), além da
participação em conferências editoriais chamados “ThinkIns” e acesso a
uma revista impressa trimestral com grandes reportagens enviada aos membros
pelo correio. Todo esse projeto se concentra em 5 grandes áreas:
tecnologia, finanças, recursos naturais, identidade e longevidade. Em uma
espécie de manifesto
da Tortoise, o co-fundador Harding descreveu esses tópicos como as “5
forças que estão mudando nossas vidas e direcionando as notícias”, e que a Tortoise
vai investigar essas forças com base em “seus impactos na dignidade”
e “se os líderes estão fazendo seu trabalho”.
Antes da Tortoise entrar em produção em abril, a equipe editorial
está testando diferentes ritmos e formatos de publicação, que até agora
incluíram as 5 peças originais da edição diária, 1 resumo das matérias que a
redação está produzindo, uma “foto do dia” e uma pequena charge.
A Tortoise atualmente tem 40 funcionários e mais de 5.000 membros
fundadores. Embora as taxas de filiação sejam a fonte dominante de renda,
segundo Vanneck-Smith, o modelo de negócios da Tortoise dependerá de 2
fluxos adicionais de receita: a pesquisa de dados (“Tortoise Intelligence”),
que é uma série de índices de longo prazo em colaboração com “marcas e
parceiros” e parcerias comerciais, com “até 10 marcas associadas a todos
os produtos e formatos do Tortoise”, como a instalação de ThinkIns exclusivos
no próprio site, semelhantes ao modelo TED Talks.
O 2º pilar da essência de jornalismo lento da Tortoise –além de
abordar a questão das “notícias tornaram-se barulhentas”– é superar o que
seus fundadores chamam de “lacuna de poder”, dando aos seus membros 1
assento real na mesa durante seus eventos ao vivo. “[O ThinkIns] é 1
sistema de escuta organizada para obter experiências e perspectivas dos membros
em nosso processo de operação e ter 1 ponto de vista mais apurado”, disse
Vanneck-Smith. Até agora, a Tortoise organizou cerca de 50 ThinkIns
dentro e fora da sua redação, com públicos que variam de 35 a 90 pessoas,
abordando tópicos como migração, impostos e energia nuclear.
Embora a promessa de “desacelerar e ser sábio” esteja no centro da
proposta da Tortoise e talvez seja o maior incentivo para os membros
fundadores (fornecer uma solução para “notícias tornaram-se barulhentas”),
ela é apenas uma peça do quebra-cabeça, especialmente quando se trata da
lentidão, disse Vanneck-Smith.
“Você pode construir 1 programa de assinaturas brilhante ou 1 negócio de
parceria com o jornalismo lento como centro disso”, afirmou ela, citando
publicações semanais britânicas como The Economist e The Week. “O
que acabará por fazê-los ficar é a qualidade e o impacto do seu jornalismo”.
Mas pode haver algumas desvantagens na abordagem, como a inevitável
limitação do tamanho do público ao cobrar uma assinatura para uma produção
minimalista de conteúdo. Vanneck-Smith disse que o número de pessoas que
leem as histórias de Tortoise é 10 vezes maior do que o tamanho de sua
base de membros, graças a membros e editores que compartilham artigos via links
de afiliados. “Mas isso também impulsiona a adesão”, acrescentou ela.
PRIORIZANDO O CONHECIMENTO SOBRE A VELOCIDADE
A “velocidade” editorial do jornal digital Zetland, com sede em Copenhague,
na Dinamarca, é ainda mais lenta do que a produção diária do Tortoise:
apenas duas notas, em média, na caixa de entrada dos membros, às 5 da manhã,
horário dinamarquês, todos os dias da semana. Na Zetland, dar aos
leitores uma chance realista de completar todo o seu conteúdo diário é chamado
de “recurso finalizável”. Dessa forma, os membros “não sentem o
desejo de voltar constantemente ao site da Zetland para obter novos conteúdos”,
afirmou a co-fundadora e editora-chefe Lea Korsgaard.
“O principal problema que leva as pessoas a serem atraídas pela Zetland é
o sentimento de ser bombardeado com notícias e ter dificuldade em encontrar 1
jornalismo sólido e profundo que valha a pena”, disse Korsgaard. “Você
não pode terminar 1 feed de notícias inteiro, mas você pode terminar o da
Zetland, e isso é muito bom”. Similar ao Tortoise, 35% dos
assinantes da Zetland afirmam que o “número gerenciável de artigos” é
a principal, ou uma das principais, razões para se tornar 1 membro.
Prometer ajudar os membros a entender melhor o mundo em que vivem e para
onde se dirigem são outra característica central do jornalismo lento, e a Zetland
não é uma exceção: suas histórias visam corrigir “desinformações que parecem
estar se espalhando”, destacando “manchetes superestimadas” ou
retornando a tópicos que “dominaram as notícias, mas depois desapareceram”.
“O trabalho dos jornalistas é analisar e sintetizar informações que estão
por aí, e não mover informações de A para B o mais rápido possível”, disse
Korsgaard. Não é de surpreender que, talvez, o lema da Zetland seja
“priorizamos o conhecimento acima da velocidade”.
Por 129 coroas suecas (US$ 19,65) por mês ou 1.288 coroas suecas (US$ 196)
por ano, os membros recebem cerca de duas reportagens detalhadas sobre
política, sociedade e/ou cultura todos os dias da semana, além de 1 boletim
informativo sobre as manchetes mais importantes do dia, há ainda 1 podcast de
notícias, que mergulha nas notícias mais importante do dia.
Embora a Zetland ainda não seja lucrativa, ela já tem aproximadamente
10.000 assinantes. Também levantou uma quantia não revelada de “sete
dígitos” desde o seu lançamento em 2012, incluindo quase US$ 83 mil de uma
campanha de financiamento coletivo. A Zetland espera quebrar essa marca
este ano, segundo o co-fundador e CEO, Jakob Moll.
Cada artigo também é publicado em formato de áudio, com uma breve nota
pessoal do autor sobre qual o significado da reportagem antes de começar a
contá-la. A Zetland, que atualmente tem 25 editorores, também
publica uma versão em áudio do boletim diário que agrega ainda as reportagens
de outras organizações de mídia, impulsionadas pelas solicitações dos membros. Como a Tortoise,
a Zetland também organiza eventos ao vivo,
e ambos têm 1 design elegante e livre de anúncios, sem hiperlinks ou
notificações.
O Nieman Lab já escreveu sobre a frequência com que a organização
tenta solicitar comentários de membros, como quando sugeriram 1 nome para o
nosso boletim informativo (“Helikopter” ficou no topo), pois “são
nossos leitores e seus membros que devem ter a última palavra
quanto ao processo de produção de 1 conteúdo”, como
disse Korsgaard.
Ao contrário de Vanneck-Smith, da Tortoise, Moll vê 1 “desafio
que vem com tradeoffs” na produção minimalista do Zetland. “Publicar
tão poucas histórias nos deixa vulneráveis, mesmo que isso nos impulsione a
tomar decisões melhores sobre o que reportar e como”, disse o
jornalista. “As notas individuais precisam ser quase universalmente
relevantes e de alta qualidade para que nossa promessa editorial funcione”.
“Há eventos e fenômenos importantes que simplesmente não cobrimos,
porque decidimos nos concentrar em outras coisas”, explicou ele, acrescentando que os membros “usam outras fontes de
notícias” também. Além disso, o mercado da Zetland é minúsculo
comparado com o da Tortoise: menos de 6 milhões de pessoas em todo o
mundo falam dinamarquês.
TENTANDO SE ENCAIXAR NO DIA DE 1 LEITOR
Não são apenas novas publicações que estão tentando ajudar seus leitores
a eliminar o ruído. O New York Times, por exemplo, lançou no ano passado o “Your Feed”, que
permite aos usuários seguirem tópicos e jornalistas. “Entrevista após
entrevista, os usuários discutiram como se sentem sobrecarregados e querem
soluções para navegar em 1 ciclo de notícias sem parar”, escreveu a
designer de produtos, Norel
Hassan, em agosto passado. Em experiências anteriores com
mensagens, “os leitores disseram que estavam muito presos às suas caixas de
entrada do e-mail, e isso fez com que eles sentissem que estavam cumprindo uma
lista de tarefas, em vez de alcançar seus interesses de uma maneira agradável”.
“Há aqui 1 caso de negócio para se encaixar no dia de 1 leitor”, disse Kika
Gilbert , colega de Hassan. “Somos basicamente 1 negócio de
assinatura. Quanto mais nossos leitores se sentirem conectados e quiserem
passar mais tempo conosco, maior a probabilidade de eles se inscreverem”.
Gilbert e sua equipe impulsionaram várias atualizações desde o lançamento,
incluindo a adição de mais canais (são 70 no momento). Eles também
começaram a testar notificações automáticas para que “os leitores saibam
quando as histórias de que gostam são publicadas”, disse Gilbert. O Times,
que publica cerca de 250 textos por dia, registrou US$ 709 milhões em receita digital a partir
de 3 milhões de assinaturas digitais no ano passado.
Algumas outras publicações de notícias lentas e baseadas nos hábitos de
leitura do público: o alemão Krautreporter, a
suíça Republik, a
italiana Il Salto, a
finlandesa Long Play e
a holandesa Correspondent. Essa
última, possivelmente a mais conhecida publicação de jornalismo lento,
arrecadou mais de US$ 2,6 milhões por meio de quase 46.000 pessoas no final do
ano passado. Foi por meio de uma campanha de financiamento coletivo, criada
como o propósito de tornar o site 1 “antídoto para o noticiário cotidiano”
para leitores de língua inglesa (e não, não foi por meio de Nova York) com “pelo menos uma nova matéria todos
os dias”.
Enquanto o minimalismo é certamente a abordagem mais próxima do
jornalismo lento, ele é também parte do “tempo bem gasto” do movimento,
que não só critica a “corrida sem sentido para a nossa atenção finita” e
a “obsessão por design” das mídias sociais, mas ainda promove uma
desintoxicação digital e outras práticas para proteger nossas mentes. Até
mesmo gigantes da tecnologia começaram a atender a essa demanda crescente
oferecendo recursos de “bem-estar digital” como o Screen Time da
Apple.
À medida que aumenta o número de pessoas conscientes e preocupadas com
as consequências negativas da tecnologia e do consumo de mídias sociais em
nossa saúde mental, os relacionamentos e a sociedade continuam a crescer, assim
como o número de possíveis membros pagantes de veículos de jornalismo lento.
PODEM A LENTIDÃO E A ESTABILIZAÇÃO VENCER A CORRIDA?
“Neste momento, há uma oportunidade [para o jornalismo] de construir
produtos que estão ajudando profundamente as pessoas, e que as pessoas paguem
por esses produtos”, disse Max Stossel, 1
ativista, cineasta e poeta norte-americano. “Quando você não tem uma
rolagem infinita e não tenta constantemente atrair mais atenção, você libera as
pessoas e reduz a quantidade de estresse que elas sentem em 1 ambiente, porque
esse ambiente não quer muito mais deles. Você sente que seus objetivos
estão mais alinhados com o que você está usando, porque é como: ‘OK, é por isso
que vim aqui. Agora está feito, vou para o próximo ‘”.
Stossel, que atualmente trabalha para o Centro para Tecnologia Humana no
Vale do Silício -uma força motriz por trás do movimento “tempo bem gasto” –diz
que publicações como a Zetland, com modelos de negócios focados em
membros e respeito pelo tempo dos leitores, não são promovem apenas o bem-estar
mental das audiências; Ele acha que a abordagem deles também poderia dar
uma vantagem sobre os concorrentes que lutam por assinaturas, bem como aqueles
que confiam nas manchetes de cliques e na receita de anúncios para fazer
contornar as despesas.
Com isso em mente, podem Tortoise, Zetland e outras
publicações saltarem no trem devagar e vencer a corrida com a sua abordagem sem
pressa, mas constante? À primeira vista, é claro, muito disso dependerá da
capacidade de cada empresa de atrair e reter membros suficientes, sendo
diferente e boa o suficiente para justificar seu preço. Mas depois de uma
inspeção mais detalhada, há alguns pontos em comum que parecem ter funcionado
para as duas: a) uma produção “gerenciável”; b) 1 jornalismo
significativo e de qualidade que ajuda os membros a entenderem o sentido do
mundo, c) envolvendo membros de alguma forma, especialmente editorialmente, d)
concentrando-se na adesão e no jornalismo ao vivo, e) financiamento coletivo,
principalmente para construir uma base de membros leais ávidos por desempenhar
1 papel ativo.
Outra questão-chave é se as pessoas podem resistir ao “medo de perder
alguma coisa” induzido pelas mídias sociais e se manter, a longo prazo,
como membro de organizações de jornalismo lento? Afinal, as pessoas podem
dizer que querem escapar das constantes perturbações e distrações, mas na
prática elas podem se sentir atraídas pelo “agora” e pela natureza aditiva
do conteúdo mais imediato. Eu, por exemplo, sinto como se fosse muito
dependente de obter informações de uma dieta diversificada, incluindo mídias
sociais, podcasts, rádio e boletins informativos, para poder focar em uma ou
poucas publicações como fontes de notícias.
Se o modelo de afiliação do jornalismo lento pode superar a falta de
vontade persistente da maioria das pessoas em pagar por qualquer notícia
on-line é também 1 ponto de interrogação. No Reino Unido, por exemplo,
apenas 3% das pessoas pagaram por uma assinatura de notícias
em 2016, de acordo com o relatório do Instituto de mídia digital da Reuters
de 2017 (a média entre todas as nações era de 11%.) A lealdade, ou “rigidez”,
também poderia ser 1 desafio. Um estudo de 2017 de usuários de
computadores no Reino Unido, por exemplo, mostrou que pouquíssimas marcas grandes locais tinham o tipo de
lealdade necessária para impulsionar assinaturas, entre elas a BBC, o Guardian
e o Times of London, o que “dificulta a cobrança pelo conteúdo”. Ao
contrário de grandes e pequenas mídias tradicionais, que estão cada vez mais
tentando mudar de anúncios para assinaturas, o modelo de afiliação está
contando com os assinantes como o start financeiro, o que pode facilitar a
construção de uma base de membros leais em vez que para pequenos ganhos.
No que diz respeito ao movimento do jornalismo lento, talvez a questão
mais importante seja: quantos dos milhões que “se sentem desgastados pela
quantidade de notícias” as publicações lentas podem transformar em membros
pagantes.
Mas não importa se o jornalismo lento é uma revolução rápida em
formação, ou se a Tortoise, a Zetland e seus semelhantes
continuarem sendo publicações de nicho, o jornalismo lento provavelmente não
irá a lugar nenhum –pelo menos não rapidamente.
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*Benjamin Bathke é
1 jornalista empreendedor especializado em inovações de mídia e startups.
Atualmente, trabalha para o jornal alemão Deutsche Welle, que também tem
parceria com o Poder360.
__Leia a tradução do artigo do Nieman Lab .O texto foi traduzido por Ighor Nóbrega (link). Leia o texto original em inglês (link).
Fonte: https://www.poder360.com.br/nieman/cresce-o-jornalismo-lento-desacelere-leia-com-calma/
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