Juremir Machado da Silva*
Ministro quer internar contrários à reforma da Previdência
Como todo grande pensador, Freud pode servir a muitas causas.
Se Nietzsche foi a contradição em pessoa, Freud encarnou uma coerência
excessiva. Para quem se agarra à palavra liberdade como a um mastro
cultural ou um farol, Freud pode ser uma ducha desagradável. Em “O
Mal-estar na civilização”, ele sacou uma bela e contundente fórmula: “A
liberdade do indivíduo não constitui um dom da civilização”. Liberdade
total equivale à ausência de civilização. O ministro Paulo Guedes
sente-se totalmente livre para tentar aprisionar os aposentados na
dificuldade. Afirmou na Câmara dos Deputados que seria o caso de
internar quem é contra a reforma da Previdência. Não seria mais adequado
internar quem é a favor de aposentadoria por capitalização, algo que
não existe um qualquer país desenvolvido com respeito pela dignidade das
pessoas na velhice?
A norma é civilizatória. O Estado, como guardião da regra e
consagração da sociedade organizada por meio dos seus representantes
eleitos regularmente, é superação da barbárie no seu nível mais elevado.
Freud foi claro. Escrevia com relativa eficiência. Segundo ele, a
liberdade “foi maior antes da existência de qualquer civilização, muito
embora, é verdade, naquele então não possuísse, na maior parte, valor,
já que dificilmente o indivíduo se achava em posição de defendê-la”.
Tudo pode se inverter. O Estado pode se tornar bárbaro e opressor. Sem
ele, porém, a barbárie é certa.
Civilização, mostrou Freud, implica redução da liberdade: “O
desenvolvimento da civilização impõe restrições a ela, e a justiça exige
que ninguém fuja a essas restrições. O que se faz sentir numa
comunidade humana como desejo de liberdade pode ser sua revolta contra
alguma injustiça existente, e desse modo esse desejo pode mostrar-se
favorável a um maior desenvolvimento da civilização; pode permanecer
compatível com a civilização”. Vivemos às voltas com a luta entre
liberdade e igualdade e civilização e liberdade. A liberdade de se
defender de armas na mão é uma confissão de fracasso da civilização.
Resta definir os critérios de qualquer restrição.
Voltou-se a vender uma ilusão sem futuro: uma civilização sem
Estado. Ou com um Estado reduzido paradoxalmente a repressor de
comportamentos que nem sempre causam danos a terceiros. Nem todo
comportamento é admissível. Cada sociedade se dota de tabus que demarcam
a linha maior entre o válido e o inválido. O tabu é uma forma
emblemática de enfatizar o limite. Em 1997, depois de um massacre numa
escola no começo de 1996, o Reino Unido endureceu as regras de acesso a
armas. A restrição foi ampliada recentemente. Resultado: um dos mais
baixos índices mundiais de assassinato por arma de fogo. A equação
simples e tem a elegância de uma fórmula de Einstein: reduzir a
desigualdade ao aceitável e proibir armas.
A Nova Zelândia revisou a sua legislação leniente com armas depois do
recente massacre em duas mesquitas. O Brasil ainda quer fazer o caminho
inverso. Pensa salvar alunos armando professores. É uma ideia estúpida
saída da mente do incontrolável Donald Trump e repudiada até no belicoso
país das armas livres. Freud explica? Talvez: “É impossível fugir à
impressão de que as pessoas comumente empregam falsos padrões de
avaliação – isto é, de que buscam poder, sucesso e riqueza para elas
mesmas e os admiram nos outros, subestimando tudo aquilo que
verdadeiramente tem valor na vida”. Paulo Guedes apresenta-se como o
moderno civilizador que introduz a barbárie pela porta da frente. Ao
opor previdência, como passado, a educação, como futuro, promove a
chantagem e os adjetivos à condição de argumentos. Como se a
aposentadoria fosse um roubo.
Por que Guedes virou articulador político do governo? Porque os
políticos não querem abraçar a mais inglória das causas: destruir a
aposentadoria dos seus eleitores.
Um deputado lacrou ao perguntar a Paulo Guedes: "Se a capitalização é tão boa, por que os militares ficarão fora dela?"
Só Freud explica Paulo Guedes. Deve ser quando fala de perversidade.
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* Escritor. Jornalista. Prof. Universitário.
Fonte: https://www.correiodopovo.com.br/blogs/juremirmachado/freud-paulo-guedes-e-a-liberdade-1.330768 04/04/2019
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