Os pastores viam na eleição do militar uma chance de ocupar lugar de destaque no jogo político
No esteio eleitoral de Jair Bolsonaro na campanha, os
evangélicos foram dos mais empolgados e aguerridos. Pediram votos,
aparecem em transmissões ao vivo ao lado do candidato, divulgaram e
defenderam a pauta conservadora que embasou o discurso na disputa. O clã
Bolsonaro sabia da importância das igrejas evangélicas pelo peso dos
fiéis. Os pastores, por sua vez, viam na eleição do militar uma chance
de ocupar lugar de destaque no jogo político. Em outros pleitos,
governantes e candidatos já haviam se aproximado e cortejado a bancada
evangélica mas, desta vez, ela tinha peso de protagonista.
Passados quase quatro meses da atual gestão, a relação é
marcada por altos e baixos. Tanto que o peso numérico da Frente
Parlamentar Evangélica não se refletiu até aqui nos principais desafios
do governo na Câmara, como a reforma da Previdência.
São quase duzentos parlamentares que integram o grupo, mas a união
aparece mesmo quando os temas são ligados a costumes, como aborto ou a
“Escola Sem Partido”. Nos demais, o peso maior são das bancadas
partidárias e das demais ligações políticas de cada deputado.
“A bancada terá acesso ao próprio presidente Jair Bolsonaro, ao
governo por razões óbvias, já que o voto evangélico foi importante na
eleição e é importante para a avaliação positiva do governo. Mas a
relação mais próxima é a pauta de costumes, de valor, onde há uma
afinidade grande entre governo e esse grupo. Outras pautas, como
previdência, exigirão mais conversa, mais negociação. E pesa aí a
postura de cada parlamentar, podendo também haver sim conversa e
discussão sobre a participação na estruturação do governo”, disse o
cientista político Ricardo Ismael, da PUC-Rio.
Ele também destaca que no grupo não há um só comando. “Não se pode
dizer que é um bloco monolítico, que há uma liderança única. Há vários
líderes presentes, de várias igrejas evangélicas ali representadas. Eles
são um coro único em alguns temas, mas há divergências nos pleitos, nos
projetos.”
Polêmicas e afagos
Ao mesmo tempo em que o governo segurou a pauta de valores,
concentrando as forças nos assuntos econômicos, Bolsonaro afaga o grupo
religioso. A defesa da mudança da embaixada brasileira de Tel Aviv para
Jerusalém, por exemplo, visou aproximar o discurso de Brasília com o de
Washington de Donald Trump, e também agradar evangélicos, que apoiam
Israel porque vêem na existência do estado judaico a condição para o
retorno de Jesus.
O resultado até aqui não agradou totalmente nenhum lado. O novo local
da embaixada virou apenas a promessa de um escritório de negócios, e o
governo também teve de conter danos para não prejudicar as relações
comerciais com o mundo árabe, que não escondeu a insatisfação diante da
insistência do Brasil no assunto.
Também houve queixas veladas nos bastidores de evangélicos contra a
influência demasiada de Olavo de Carvalho, por exemplo, no Ministério da
Educação. Um dos políticos chegou a dizer que o linguajar do escritor
incomodava e dificultava o avanço de temas importantes para o grupo na
área.
Antes mesmo da posse de Jair Bolsonaro, houve rusgas dos
articuladores do governo com a bancada evangélica pela indicação de
representantes na nova administração. Nomes que chegaram a ser
apresentados após reunião do grupo para ocupar o primeiro e segundo
escalões não foram efetivados. Mas para o deputado Lincoln Portela, do
PR de Minas Gerais, a representatividade dos evangélicos nos postos
públicos hoje é grande.
“Como membro da Frente Parlamentar Evangélica, eu não tenho ouvido
nenhuma insatisfação com o governo. Pelo contrário. Nunca o grupo, na
minha avaliação, foi tão prestigiado. Nós temos vários secretários
nacionais, temos três ministros e um presidente que sempre tem ouvido os
parlamentares evangélicos e vão trabalhar juntos em vários temas
importantes às famílias e ao país, que é o que importa”, disse o
deputado.
Nos cargos de primeira linha na esplanada, o parlamentar se refere
aos ministros do Turismo, Marcelo Álvaro Antonio, da Casa Civil, Onix
Lorenzoni, e à ministra de Direitos Humanos, Damares Alves, ligados a
igrejas evangélicas. Este mês Damares levou ao Congresso um projeto de
lei que regulamenta o ensino domiciliar, um dos pleitos de religiosos
evangélicos e católicos.
Porém, as mesmas reclamações que se ouvem de partidos que querem
integrar o governo também são percebidas entre políticos religiosos que
apoiam Bolsonaro: de que eles não são recebidos como gostariam, de que
seus projetos não contam com apoio do Planalto como eles queriam, e que
falta protagonismo dos deputados que hoje do lado do governo.
“A articulação ainda é deficitária. Lógico que o governo só tem cem
dias, tem muito a evoluir, a aprimorar, mas a relação política deixa a
desejar”, queixa-se o deputado Sóstenes Cavalcante, do Democratas do Rio
de Janeiro.
Para ele, ainda não há uma relação mútua entre Legislativo e
Executivo. “Os parlamentares ainda têm dificuldade para serem recebidos
pelos ministros do governo. O bom diálogo, não aquele que envergonha,
aquele do toma lá dá cá, mas o diálogo republicano e produtivo é
necessário e hoje ainda é ruim. O Parlamento precisa ser tratado de
forma melhor pelo governo, para que a relação seja mais próxima”.
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Reportagem Por Raquel Miura - 25 de abril de 2019
Fonte: https://www.cartacapital.com.br/politica/evangelicos-tem-representatividade-mas-nao-protagonismo-no-governo/?utm_campaign=newsletter_rd_-_25042019&utm_medium=email&utm_source=RD+Station
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