Ken Robinson, 69 anos, é um
fenômeno na internet e você talvez nunca tenha ouvido falar dele. Em
2006, o consultor e escritor inglês proferiu aquela que se tornaria a
conferência mais assistida da história na série TED - palestras de no
máximo 18 minutos estreladas por profissionais de diversas áreas, com
"ideias que valem a pena ser disseminadas", como diz o slogan do
projeto. Sua cifra é incrível: Do Schools Kill Creativity? ("As escolas
matam a criatividade?") - em que o autor, instigante e divertido,
convida o público a refletir sobre o desestimulante sistema educacional e
o desperdício de talentos - já teve mais de 56 milhões de
visualizações. O livro Escolas Criativas - A Revolução que Está
Transformando a Educação foi lançado recentemente no Brasil. Radicado
nos Estados Unidos há 18 anos, Robinson vive em Los Angeles, na
Califórnia, e conversou com ZH por telefone.
COMO O SENHOR DEFINE CRIATIVIDADE?
Eu a defino de modo muito particular, como o processo
de se ter ideias originais que têm valor. Acredito que a criatividade
não é um poder isolado, mas que ajuda a definir o que é ser humano.
Somos a espécie mais criativa que já habitou a Terra, até onde sabemos. É
importante dizer que criatividade é diferente de imaginação.
Criatividade é colocar a sua imaginação a trabalhar, fazer as coisas
acontecerem, criar novos objetos, novas ideias, novas teorias, novos
designs. Acho que a criatividade é a imaginação aplicada.
MAIS DE UMA DÉCADA ATRÁS, O SENHOR APRESENTOU AQUELA
QUE SERIA A PALESTRA MAIS ASSISTIDA NA HISTÓRIA DO TED: AS ESCOLAS MATAM
A CRIATIVIDADE?. O QUE PENSA HOJE SOBRE O QUE FOI DITO NAQUELA ÉPOCA?
Sim, é a palestra mais popular da história do TED.
Sempre acho interessante que muitas pessoas dizem que é a palestra mais
vista do TED em todos os tempos, mas o TED não tem mais do que 30 anos
(risos).
HOJE EM DIA 30 ANOS É MUITO TEMPO...
Sim, mas muito tempo transcorreu antes do TED. Essa
palestra foi assistida online mais de 56 milhões de vezes e reproduzida
em eventos como cursos, workshops, conferências, com audiências maiores,
então o número de pessoas que a viu é muito superior a 56 milhões, em
160 países. Para mim, a razão pela qual ela se tornou tão popular - ela é
divertida, mas tem muita coisa divertida na internet - é porque as
pessoas reconhecem que o que digo é fundamentalmente verdade. As
crianças, todos nós, nascemos com capacidades que a escola não consegue
cultivar de maneira apropriada. Não acho que eu diria as mesmas coisas,
mas meu livro aprimora o que disse na palestra. E é também a minha
maneira de tentar responder ao que me perguntam: o que devemos fazer a
respeito disso? Não é só teoria, estou falando sobre o que funciona
melhor em educação. O que conquistamos em nossas vidas têm tudo a ver
com o nosso passado. Toda criança nasce com um determinado conjunto de
capacidades. Trazemos impressões de nossos ancestrais. Nenhuma criança
vem ao mundo como uma folha em branco em que não há nada escrito.
MUITOS ESPECIALISTAS USAM EXATAMENTE ESSA EXPRESSÃO DA FOLHA EM BRANCO AO FALAR DAS CRIANÇAS.
Sim, mas isso está errado. Qualquer pai ou mãe de
criança sabe disso. É ridículo falar uma coisa dessas. Fisicamente,
lembramos nossos pais, talvez nossos irmãos. Essa semelhança não é
apenas superficial, externa. Nós carregamos a herança genética de nossos
ancestrais. Existe uma relação muito dinâmica entre quais são nossas
capacidades e as oportunidades que temos em nossas vidas para
desenvolvê-las. Sou muito parecido com meus pais e meus irmãos, mas
vivemos em épocas diferentes e tivemos experiências diferentes, com
acesso a tecnologias distintas. Vivemos em culturas diferentes agora.
Mas a relação entre natureza e estímulo é muito importante, e a educação
é uma grande influência naquilo que as pessoas se tornam. Meu argumento
é o de que nosso atual sistema de educação não foi feito para trabalhar
as habilidades e os talentos das crianças ou para ajudá-las a conseguir
construir seu caminho no mundo em que vivemos hoje. Enfrentamos enormes
desafios, da população massiva à proliferação de tecnologias, passando
por problemas climáticos e de sustentabilidade, e também enfrentamos
problemas culturais e econômicos muito importantes. Nossas crianças
estão vivendo em uma época turbulenta e imprevisível. O tipo de educação
que recebem determina se terão sucesso no futuro como espécie. Quero
que nossos sistemas de educação sejam mais ricos e focados em talentos e
também repensar as escolas para tornar isso possível.
O SENHOR ARGUMENTA QUE TODAS AS CRIANÇAS TÊM TALENTOS
INCRÍVEIS, QUE SÃO DESPERDIÇADOS, E QUE PRECISAMOS REPENSAR OS
PRINCÍPIOS BÁSICOS SOBRE OS QUAIS ESTAMOS EDUCANDO-AS. COMO DEVEMOS
FAZER ISSO?
Nós estamos fazendo. Há escolas maravilhosas, ótimos
educadores, grandes exemplos de como colocar isso em prática. Sempre
digo: "Não fui inventado no TED. Tenho trabalhado com educação há
bastante tempo". Sei que pareço muito jovem, mas não sou (risos). Estou
envolvido com educação há cerca de 50 anos. Viajo pelo mundo, trabalho
junto a governos para criar estratégias nacionais - foi por isso que fui
convidado a participar do TED, a propósito. E não fui o primeiro. Na
história da educação, há muitos pioneiros com uma abordagem mais
humanista e holística do tema. O problema é colocar isso em um cenário
mais amplo. Um dos maiores problemas atuais é que, há cerca de 20 anos
ou mais, a educação se tornou uma questão política em muitos países.
Políticos de todos os matizes colocaram o foco em padronização e
avaliação, construindo a ideia da educação como um processo industrial,
no qual você pode elevar a qualidade testando as pessoas de tempos em
tempos. Isso se tornou uma indústria multibilionária. Muito do esforço é
centrado em colocar os alunos na universidade para obterem seus
diplomas e, de muitas maneiras, isso tem se mostrado um fracasso
completo. Percebemos isso na falta de engajamento dos estudantes, nos
problemas culturais que não são notados. Nossos problemas educacionais
estão se tornando econômicos, como no caso do desemprego. Não estou
dizendo que o papel da educação é apenas econômico. Há propósitos
culturais e sociais na educação. E há também os econômicos - uma das
razões pelas quais trabalhamos para melhorá-la é porque queremos que os
alunos deixem a escola preparados para serem economicamente produtivos.
Os sistemas atuais foram desenvolvidos, em grande parte, em muitos
países, no século 19, para atender às demandas da Revolução Industrial.
Vivemos em um mundo diferente agora e precisamos repensar esses
princípios. Por exemplo, na Revolução Industrial, nós precisávamos de
uma pequena força de trabalho profissional e uma grande força de
trabalho manual. E já foi compreendido, há muito tempo, que mais e mais
pessoas vão contribuir economicamente para tirar o seu sustento não com o
cansaço de seus corpos, mas com a criatividade de suas mentes. Temos
que cultivar esses talentos. Por razões econômicas, entre outras. Esse
tópico está se tornando ainda mais urgente, como veremos, na próxima
geração, com o alcance da inteligência artificial, quando máquinas
inteligentes assumirão centenas de milhões de empregos hoje ocupados por
pessoas. Esse é um grande problema econômico que temos de enfrentar.
DE QUE MANEIRA?
Uma das formas é nos perguntando: o que nos torna
genuinamente humanos? Que poderes deveríamos estar exercitando e
desenvolvendo? Um deles é a curiosidade. Seres humanos são
maravilhosamente curiosos. Uma das diferenciações que estabeleço no
livro é entre aprendizagem, educação e escola. As crianças adoram
aprender. Aprender é adquirir novas ferramentas. Tenho uma netinha que
está prestes a completar um ano que, como toda criança, nasceu com um
apetite voraz para aprender sobre o mundo ao redor dela. Ninguém ensina
as crianças a falar, é muito complicado, elas simplesmente aprendem
porque querem e podem. O conceito de educação é mais organizado no
universo da aprendizagem. Os maiores exemplos que temos são a escola
primária e o Ensino Médio, sistemas criados pelos governos e pelos quais
somos obrigados a passar. Muitas crianças amam aprender e têm problemas
com educação. Nós temos que repensar a escola, e não repensar as
crianças. As comunidades se beneficiarão disso.
ALÉM DA CURIOSIDADE, O QUE MAIS DEVE SER ESTIMULADO?
A criatividade. Salientamos muito as diferenças entre
nós e as outras formas de vida no planeta e agora estamos pagando um
preço muito alto por isso. A natureza está dando o troco por conta de
nosso comportamento. Claro que somos diferentes em muitos aspectos.
Outras criaturas não estão agora ao telefone, como eu e você,
conversando sobre educação. Nós vivemos em um mundo de ideias, de
tecnologia. Não vivemos no mundo que encontramos, nós o mudamos. Vivemos
sob determinadas perspectivas, com valores e crenças. Essas são
criações humanas, artefatos naturais. Temos a habilidade de entender e
comunicar nossas ideias e fazer coisas como consequência. A história da
humanidade é composta de diferentes visões de mundo, diferentes
tecnologias, é um processo constante e agitado de mudança. A
criatividade é uma característica profunda da consciência humana.
Acredito que um dos grandes problemas que temos agora é que criamos
circunstâncias que estão impedindo nossa sobrevivência. Olhe para a
maneira como estamos destruindo nosso hábitat, como estamos poluindo a
atmosfera. Uma terceira capacidade típica e evidente dos humanos é a
compaixão. Temos de trabalhar essa capacidade na educação para
enfrentarmos desafios comuns e entendermos os pontos de vista de outras
pessoas. A quarta capacidade seria a colaboração. Todas as conquistas
dos seres humanos vieram por meio da ação coletiva. Em qual cidade você
vive?
PORTO ALEGRE, NO SUL DO BRASIL.
Ah, sim. Já estive em São Paulo. Nossas cidades são
densos tecidos de sistemas interconectados. O fato de estarmos falando
ao telefone agora só é possível graças a milhões de inovações de pessoas
em diferentes partes do mundo. Temos essa capacidade de colaboração. Um
dos melhores exemplos em que consigo pensar agora é a Wikipedia. Amo o
fato de a Wikipedia envolver nesse desafio centenas de milhares de
pessoas ao redor do mundo, de todas as idades, etnias, orientações de
gênero e culturas. São apenas humanos se unindo para organizar o que
sabemos até agora. É maravilhoso. Mas o que quero dizer é que nossos
sistemas educacionais, com ênfase em avaliações e seguindo para
padronizações, não facilitam a curiosidade, não cultivam a criatividade.
Eles não se interessam pelos sentimentos da criança, que é onde cresce a
compaixão, não focam na colaboração e enfatizam a competição. A
competição tem um papel em nossas vidas, mas a colaboração é mais
importante. A boa notícia é que há gente fazendo isso.
O QUE SERIA UMA ESCOLA CRIATIVA HOJE EM DIA?
Não há uma única maneira de se definir isso. Há
diferentes elementos compondo uma escola. Meu ponto de partida é: a
escola é uma comunidade de aprendizes. Uma boa escola é aquela em que os
alunos aprendem juntos e uns com os outros. O papel do professor,
apesar de ser óbvio dizer isso, é ajudar os alunos a aprender. Uma ótima
escola é focada nessa relação. Sempre pensei no ensino como uma forma
de arte. Grandes professores, com grandes técnicas e habilidades, têm
sucesso ao excitar a imaginação e despertar o apetite pela aprendizagem
nos estudantes. Às vezes eles explicam, às vezes eles perguntam, às
vezes eles organizam os alunos para trabalhar em grupos. Uma grande
escola tem professores dispostos a rever seus métodos de trabalho. Uma
ótima escola tem ótimas relações entre professores e alunos. Também é
muito importante o currículo escolar. Na maior parte dos sistemas,
existe uma hierarquia nas escolas, com linguagens, matemática e ciências
no topo, e artes embaixo. Para mim, dança é tão importante quanto
matemática. Acredito nisso, estou falando sério. Dança é uma parte
fundamental da educação social. Deve haver um equilíbrio no currículo
entre as artes, as ciências, as humanidades e a educação física. Em
nossas vidas, todas as disciplinas interagem umas com as outras. Uma
grande escola vê as conexões entre as disciplinas. Por que algumas das
escolas de maior sucesso trabalham baseadas em projetos práticos e não
no estudo clássico? Não sou contra a avaliação, sou contra formas
inadequadas de avaliação. É claro que temos que ter a oportunidade de
verificar como os alunos estão se saindo, o que está funcionando. mas há
muitas maneiras melhores de se fazer isso do que com grandes provas
padronizadas.
O QUE PODE SER FEITO EM PAÍSES DE BAIXA E MÉDIA RENDA
COMO O BRASIL, ONDE OS PROFESSORES SÃO MAL REMUNERADOS? AS MELHORES
CABEÇAS NÃO SÃO ATRAÍDAS PARA UMA CARREIRA NA DOCÊNCIA. É UM PROBLEMA
CRÔNICO.
Um dos melhores sistemas de educação do mundo é o da
Finlândia. Quarenta anos atrás, aquele sistema educacional não era tão
amplamente aplaudido, mas, 20 anos depois, transformou-se em um modelo
para o qual o mundo olha para poder aprender. Mudança e aprimoramento
representam um processo de longo prazo. Não existe conserto rápido. Ir
de onde estamos agora para onde queremos estar levará o tempo de uma
geração. Em segundo lugar, o coração de tudo isso são os professores.
Entender o que precisamos e o desafio que temos são o primeiro passo.
Professores não se sentem respeitados e reconhecidos em muitos lugares,
além de perceberem os recursos indo para outras áreas. Há maneiras para
se ajudar os professores. Não há dúvida de que eles precisam ser pagos
de acordo com seu papel profissional e suas responsabilidades, mas
também temos tecnologias disponíveis agora que vão facilitar seu
aprimoramento. Acho que a chave para a mudança é fazer com que os
professores reconheçam as oportunidades de mudança a curto prazo. Há
redes de professores que se interconectam ao redor do mundo. Outro fator
importante é que o Brasil é um país muito grande. É preciso entender
que a educação é uma questão local, as mudanças têm de acontecer no
nível local. Encorajar os governos locais a desenvolver projetos capazes
de promover mudança é um importante próximo passo.
ENTÃO UM PAÍS TÃO GRANDE QUANTO O NOSSO NÃO DEVERIA TER UM SISTEMA PADRÃO PARA TODO O SEU TERRITÓRIO.
A educação é local. É pessoal. É sobre esta criança,
esta família, esta comunidade. Funciona melhor quando reconhecemos isso.
Toda escola é uma comunidade, e toda escola está em uma comunidade. As
pessoas brilham mais facilmente sob certas condições. O que diversos
países têm tentado fazer ao longo dos últimos 25 anos é tentar tomar o
controle a partir do topo: dizer às pessoas o que elas devem fazer e
puni-las se não o fizerem. Não tem funcionado, é desmoralizante,
desagregador e não vai funcionar. As melhores mudanças acontecem quando
as pessoas são empoderadas, em nível local, para trabalhar, de maneira
adequada, com os estudantes e as famílias da comunidade.
QUAL TEM SIDO A INTERFERÊNCIA DA INTERNET NO
DESENVOLVIMENTO DAS CRIANÇAS? ALGO MUITO DIFERENTE E INTRIGANTE PARECE
ESTAR EM CURSO.
Não há dúvida. No momento, estou à frente de uma
iniciativa global sobre a importância de as crianças brincarem. Pessoas
da minha geração e de gerações posteriores costumavam passar horas na
rua brincando, correndo, inventando brincadeiras, formando times,
mudando regras, subindo em árvores. Não é trivialidade, não é algo
desnecessário. Fizemos um levantamento mundial e descobrimos que, hoje
em dia, as crianças passam muito menos de uma hora brincando na rua. Em
prisões de alta segurança, os presos podem ficar duas horas por dia na
rua. As crianças estão passando menos tempo na rua do que os detentos.
Há razões para isso: uma delas é o medo que sentem os pais. Outras são a
falta de espaços para brincar, a pressão da escola e a internet. Ao
ingressarem na Educação Infantil, elas já passaram o equivalente a um
ano de suas vidas na internet. É surpreendente! Os efeitos psicológicos
disso são frequentemente muito negativos e destrutivos, como o
cyberbullying. O Facebook, por exemplo, faz as pessoas se sentirem mal
ao compararem suas vidas com as vidas das outras. Isso tem levado à
depressão, à insegurança, à automutilação e ao nível alarmante de
suicídios entre jovens. Os pais devem reconhecer as potenciais
características prejudiciais das redes sociais.
---------------Reportagem Por LARISSA ROSO
Fonte: https://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=f43921ed50d956d06ef86ea0d855f69a 06/04/2019
Imagem da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário