Joaquim Zailton Bueno Motta*
Costumamos indicar o amor como o mais importante valor humano, mas isso não sai da teoria.
Declaramos a necessidade de nos amar muito, de expandir a solidariedade, reforçar as boas amizades, auxiliar e ensinar os carentes, mas poucos praticam ações suficientes para isso.
Também apontamos para a demanda de qualificar o erotismo, interromper a banalização do sexo, combater preconceitos sexistas, mas aí também pouco efetuamos.
O discurso que teoriza o amor, mas não o exerce, simula pregações do marketing das religiões. Os pastores de má fé berram nos microfones das rádios e tevê, nos palcos dos templos, nos púlpitos das igrejas que “Deus é amor”, que “Deus é fiel”, arrebanhando féis, mas o nível precário e desqualificado do afeto permanece (quando não piora). Há denúncias frequentes na mídia sobre trapaças e lucro extraordinário dessas seitas, manipulação da fé de incautos, mas as repercussões não interrompem a impostura e a hipocrisia perversas.
Para sair do impasse, caberiam duas alternativas: a primeira, seguir um clero probo, de boa fé; a segunda, desenvolver um amor humano, independente de fé religiosa.
Escolher os sacerdotes confiáveis fica por conta do leitor. Alternar para um amor secularizado é um caminho que posso sugerir.
Um anarquista francês, Sébastien Faure, criado em família burguesa e conservadora, estudou em estabelecimento religioso. Os jesuítas do colégio detectaram nele inteligência e vocação para seguir o “caminho de Deus”. Aos 17 anos, entrou no noviciado. Foi noviço exemplar, até o pai adoecer e morrer. Voltando à vida laica para sustentar a família, foi questionando os referenciais religiosos e passou a combatê-los energicamente. No início do século passado, sentenciou: “O melhor testemunho de amor que Deus poderia oferecer às criaturas seria uma prova de sua inexistência”.
Realmente, isso facilitaria bem a nossa trajetória.
O homem precisa ampliar o espaço e o tempo do amor. Através desse modelo habitual que destaca as virtudes do amor divino, não temos conseguido algo realmente significativo. É essencial que trabalhemos as nossas dificuldades e perspectivas amorosas dentro do limite humano, nas fronteiras da realidade. Temos que melhorar o intercâmbio amoroso no contexto do nosso mundo. Insistir no padrão divino é nos condenar a um distanciamento insuperável.
O amor divinal é perfeito, teórica e praticamente indiscutível, não admite revisões ou acertos. O amor humano será eternamente imperfeito, sempre admitindo reflexões e consertos. Evitando o modo divino de amar, procuraremos em nós mesmos as causas e efeitos do amor parco, inexpressivo, do erotismo minguado, que temos trocado.
De modo geral, é fácil encontrar interação amorosa medíocre. Por outro lado, ainda que raros, há exemplos de amor humano dignificante, de esplendorosa nobreza espiritual. Se alguns seres humanos conseguem, por que outros não?
A minoria capaz pode dar mais uma demonstração de sua potencialidade amorosa: ensinar a maioria. Uma combinação de empenho racional com dedicação emocional, o equivalente de uma “inteligência amorosa” poderia nos auxiliar bastante. Concentrados em evoluir no amor humano, nós nos encorajaríamos a combater pontos perigosos e perversos do amor divino, como fez Mikhail Bakunin. Ele sugeriu que a existência de Deus implica necessariamente a escravidão de tudo abaixo dele. Assim, só haveria um meio de servir à liberdade humana: seria o de Deus deixar de existir!
No Diálogos Criativos, Domenico De Masi escreve: “para Frei Betto, Deus criou o homem por um ato de infinita bondade; segundo minha concepção, o homem inventou Deus por um esforço de infinita esperança”.
Amar a Deus tem sido tarefa contraditória e concorrente às chances de nos amar. O amor ao Ser Perfeito é desigual, ardiloso, implica uma desproporção de interesses que tende a satisfazer apenas o lado humano: uma pessoa precisa reivindicar muita coisa de Deus, mas nada tem a oferecer para Ele.
*Zailton Bueno Motta é psiquiatra e sexólogo
http://cpopular.cosmo.com.br/mostra_noticia.asp?noticia=1635059&area=2190&authent=4D89E6F8956222751BDE6AADF01AE7
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Correio Popular, 23/05/2009
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