“Romancistas e psicólogos evocaram os diversos tipos humanos de silêncio. O silêncio é sempre um fenômeno cujo sentido se subordina à interpretação humana. Conforme os contextos, o silêncio pode ser de aprovação ou de contestação, de amizade ou de hostilidade, de amor ou de desespero, de cumplicidade ou de repreensão, de bondade ou de raiva, de temor ou de paz, de dúvida ou de consentimento. Médium polivalente, sujeito à interpretação, dissemos, cujo sentido pode ser claro, como quando os juízes abstêm-se de pronunciar-se sobre um último recurso de um candidato a uma função ou eleição política, apesar de já condenado pela justiça que, portanto, suprimiu de fato a presunção de inocência de todo suspeito. Infelizmente a impunidade sistemática dos grandes é pega pela nação. No entanto, como interpretar o silêncio da divindade? O crente procura responder, pelo menos para si mesmo. (...)
Em geral o silêncio faz bem e favorece a meditação e todo trabalho intelectual: respeitar o silêncio dos outros é lei de convivência em comunidade religiosa, norma habitual nas bibliotecas e nos lugares de culto, fora dos ritos oportunos. Os séculos anteriores eram mais atentos ao silêncio, espontaneamente, quando nossa época de civilização urbana exige regulamentação dos barulhos, geralmente prejudiciais, sobretudo de noite. Respeitar alguém é respeitar sua palavra e seu silêncio. Cada um permanece livre para interpretar os silêncios divinos.
As grande obras escritas ou faladas provém normalmente de certo silêncio interior do autor, ou do silêncio popular que se extravasa em ditos da sabedoria proverbial. É no silêncio que geralmente amadurecem decisões difíceis. A própria música, para não se reduzir ao grito, precisa de um contexto ou de uma aliança com o silêncio. O mesmo pode se surgerir quanto à poesia; ilustramos com algumas citações das Cartas a um jovem poeta de Rilke: “ Uma só coisa é necessária: a solidão, a grande solidão interior... Pare escrever preciso de um pouco de silêncio e afastamento... Aprende-se lentamente a reconhecer as raras coisas nas quais reside o eterno, a solidão do silêncio... Desfrutarei deste grande silêncio de cujo dom espero horas boas e cheias... Toda aprendizagem é tempo de clausura... a solidão e o recolhimento são importantes na tristeza, momento de tensão em que o futuro nos penetra, muito próximo da vida... As vocações se digerem na solidão, como as dores, até fazer parte de nossa substância...”
O místico é o crente que percebe o silêncio como mensageiro divino, cuja mensagem deve ser decifrada. As maiores religiões conhecem e praticam ritos de silêncio individual e/ou coletivo, que elas enchem com as próprias mensagens, possivelmente atribuídas a um transcendente, mas para as quais contribui o psiquismo inconsciente.
O silêncio de Deus pode também tomar a forma de noite angustiante do crente que se sente como esquecido pelo além, desorientado e, talvez, abandonado na desolação. Numerosos foram os escritos de reflexão mística que descreveram, notadamente a partir de casos singulares, as supostas etapas da elevação mística da alma para a união mais íntima com Deus: escritos de teologia negativa talvez, nos quais a evocação de noites da alma é clássica. Uma alternativa consiste em comentários aos Cântico dos cânticos.
Para crentes, Deus falou pelos profetas (cujo reconhecimento pode tardar, porque existem ainda hoje profetas do deserto); para os cristãos, o mais deles foi o próprio Jesus de Nazaré, encarnação do Verbo de Deus, o Pai permanecendo o grande Silencioso. O Espírito Santo foi enviado após a Ressurreição como o grande profeta silencioso que faz entender e expandir as mensagens do Salvador. Alma da Igreja, ele é recebido por todo batizado, não excluindo que ele seja acompanhado pelo carisma da inspiração. (...)
Nosso Deus é silencioso, porque, ao criar ao mundo, de algum modo ele se retrai, ele, o ser infinito que englobaria espontaneamente tudo o que existe. Tal encolhimento de quem era tudo (Em Sof, em hebraico) é o processo criativo que a Cabala luriâna chama Zimzum, “retirada” em hebraico, conceito adotado por diversos autores não-judeus. Autores seculares de nosso tempo preferem dispensar a divindade transcendente e juntar a sacralidade e a transcendência no ser humano, como centro da dignidade para a ética e de auto-conscientização progressiva do cosmos”.
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