quarta-feira, 13 de maio de 2009

Só um Deus relativista pode nos salvar.

Gianni Vattimo*
Transformar a afirmação de Heidegger na entrevista ao Spiegel fazendo-o dizer que "só um Deus (relativista) pode nos salvar agora" não é só um provocador jogo de palavras. Heidegger mesmo, se tivesse podido fazer a experiência das ruínas que o fundamentalismo religioso – verdadeiro ou pretensioso que seja – está produzindo no nosso mundo, talvez estaria de acordo. Para mitigar o caráter escandaloso da afirmação, podemos transformar o "relativista" em "quenótico" (que se abaixa e se humilha por amor a nós): um Deus mais explicitamente conforme a imagem que podemos ter dele, hoje, como cristãos.

Também o "agora" na afirmação de Heidegger nos parece essencial. Um Deus relativista, ou quenótico, é aquele que "se dá" a nós, hoje, neste ponto da história da salvação e, por isso, também neste ponto da história da Igreja, da católica e das cristãs, no mundo da globalização realizada. Devemos destacar a ligação com o hoje porque, tanto para nós quanto para Heidegger, o Deus que pode nos salvar não é uma entidade metafísica dada objetivamente como sempre igual, que só devemos "redescobrir", em uma espécie de meditação cartesiana que deveria nos mostrar a sua indubitável "existência".

Hoje, podemos nos colocar o problema de Deus só neste momento específico da história da salvação, isto é, em relação a como a Igreja e o cristianismo se dão na nossa experiência cotidiana. Ora, a experiência cotidiana que fazemos da história da salvação tem a ver com o fundamentalismo. Não apenas com o dos chamados terroristas islâmicos, mas sobretudo com o fundamentalismo que, também como reação à luta de libertação dos povos ex-coloniais, se afirma sempre mais na mesma religião ocidental. Frente à afirmação crescente de fenômenos de secularização, a Igreja, não só na Itália, avança em pretensões de reconhecimento da própria autoridade sempre mais urgentes, e isso em nome do fato de que teria sido confiado a ela, pela mesma revelação cristã, a tarefa de defender a autêntica "natureza" do homem e das instituições civis.

Não é exagerado dizer – independentemente de quantas "atualizações" houve sobre esse tema – que a Igreja ainda está presa ao processo de Galileu. É verdade que não busca mais ler na Bíblia a descrição do cosmos e as leis do movimentos dos astros, mas ela ainda fala atualmente de uma "antropologia bíblica", à qual as leis civis deveriam se conformar para não trair a "natureza" do homem. Aqui surgem as lutas contra o divórcio, o aborto, as uniões homossexuais, e depois a desconfiança com relação a toda manipulação genética, mesmo que só com objetivo terapêutico. E hoje as razões de quem abandona o cristianismo estão sempre mais ligadas à pretensão eclesiástica de conhecer a "verdadeira" natureza do mundo, do homem, da sociedade.

A essa pretensão, liga-se o sempre renovado debate sobre criacionismo e anticriacionismo, que é um tema análogo ao do processo contra Galileu, já que se trata sempre da vontade de afirmar que o Deus de Jesus é o autor do mundo material e, portanto, a fonte das leis que o regulam, uma espécie de supremo relojoeiro que, entre outras coisas, sempre necessita de uma teodiceia, porque não apenas não deveria poder fazer milagres, mas sobretudo deveria nos explicar por que permite tantos males no mundo.

Desse ponto de vista, as reflexões da teologia judaica depois de Auschwitz deveriam ensinar alguma coisa aos teólogos cristãos: não só que Deus não pode ser onipotente e bom ao mesmo tempo, mas também e sobretudo que talvez não podemos pensá-lo como o demiurgo platônico, como o produtor do mundo material e, por isso, responsável supremo do seu (às vezes péssimo) funcionamento.

Falar de um Deus "quenótico", ou "relativista", significa se dar conta de que a época da Bíblia como depósito de "saber" verdadeiro porque garantido pela autoridade divina é totalmente passada. E que isso não é um mal ao qual é preciso adaptar-se à espera de poder combatê-lo mais decisivamente, mas faz parte da própria história da salvação. É a encarnação entendida como quenose, que se realiza hoje de modo mais pleno, enquanto a doutrina perde tantos elementos de superstição que a caracterizaram no passado, distante e recente. E a superstição mais grave e perigosa consiste em crer que a fé é "conhecimento" objetivo, sobretudo de Deus, e depois das leis do "criado", do qual devem derivar todas as normas da vida individual e coletiva.
Vista sob essa luz, a quenose, que é o próprio sentido do cristianismo, significa que a salvação consiste sobretudo em romper a identidade entre Deus e a ordem do mundo real.
Definitivamente, em distinguir Deus do ser (o da metafísica grega), entendido como objetividade, racionalidade necessária, fundamento. Um Deus "diferente" do ser metafísico não pode mais ser o Deus da verdade definitiva e absoluta que não admite nenhuma diversidade doutrinal.

Por isso, podemos chamá-lo de um Deus "relativista". Um Deus "fraco", se quisermos, que não revela a nossa fraqueza para se afirmar (contra as expectativas racionais, com o mistério a que devemos nos submeter, com a disciplina eclesiástica que devemos aceitar), por sua vez, como luminoso, onipotente, soberano, tremendo, segundo os traços próprios do personagem (ameaçador e consolador) da religiosidade natural-metafísica.

É à experiência de um Deus diferente desse que os cristãos são chamados, no mundo da explícita multiplicidade das culturas, ao qual não se pode mais contrapor, violando o preceito da caridade, a pretensão de pensar o divino como absoluto e como "verdade".
*Vattimo, filósofo, professor da Universidade de Turim e conhecido como o mentor do "pensamento fraco"
*Texto postado no IHU/Unisinos, 13/05/2009.
O artigo foi publicado no jornal LA STAMPA, 11-05/2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto

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