quarta-feira, 13 de maio de 2009

A arte de recusar um

MARTHA MEDEIROS*

Não há como negar que um livro com este título, A Arte de Recusar um Original, chama a atenção. Ainda mais se você faz parte do meio literário e conhece bem o monstro chamado “Não” que acompanha o início de carreira de todo escritor.
O livro traz um apanhado de cartas fictícias escritas por editores que fecham as portas para um estreante. Cada editor com seu estilo: tem o agressivo, o conciso, o paranoico, o maternal, o sarcástico, o psicanalítico... O problema do livro é que ele começa engraçado, mas a piada logo se esgota e a leitura fica enfadonha, até porque algumas cartas são constrangedoramente simplórias. De qualquer forma, é uma boa ideia editorial e o autor, Camilien Roy, não é estreante, então não deve ter tido dificuldade em publicar essa obra.
Eu já tive a fantasia de trabalhar em uma editora para promover a carreira de talentos desconhecidos, mas, hoje, nem que me pagassem. Mesmo não sendo uma profissional desse ramo, recebo uma quantidade considerável de textos para avaliar, e é um transtorno. Claro que fico honrada por me julgarem capaz de dar um empurrãozinho, mas é um transtorno, e explico por quê:
1) eu não posso fazer nada pelos textos bons que chegam, a não ser incentivar a pessoa a continuar escrevendo;
2) eu não tenho coragem de dizer “desista” para a maioria de textos ruins que recebo, e acabo enrolando;
3) eu posso muito bem estar enganada quando penso que um texto é ruim – não esqueçamos que Em Busca do Tempo Perdido, de Marcel Proust, foi recusado várias vezes, só para dar um exemplo entre tantos talentos que não foram inicialmente reconhecidos;
4) eu já escrevi textos fracos e estou aqui, não estou?
Meu editor não vai me perdoar, mas vou entregá-lo assim mesmo: meus primeiros poemas, lá nos distantes anos 80, coloquei à disposição da gaúcha L&PM. Os versos ficaram mofando numa gaveta por mais de um ano, até que me foram devolvidos – o que já é uma vitória, poderiam ter sido incinerados. Aí resolvi mostrá-los para uma editora de São Paulo, a maior do país na época, e acabei sendo lançada pela mesma coleção que publicava Paulo Leminski, Ana Cristina Cesar, Chacal, Cacaso e Caio Fernando Abreu. Foi só então que a L&PM me piscou o olho, estendeu a mão e hoje temos uma parceria de mais de 20 anos, com 11 livros meus no seu catálogo. Mas, no início, o monstro do “não” fez as honras da casa. Normal.
Hoje, além dos blogs que servem como meio de divulgação, existe uma coisa bacanésima chamada oficinas de literatura, onde o candidato a escritor exercita seu dom (caso o tenha) e recebe dicas preciosas de autores como Assis Brasil, Charles Kiefer, Cintia Moscovich e Fabricio Carpinejar, entre outros. É um início muito mais seguro do que ficar enviando original para editoras que talvez nem tenham tempo para ler seu trabalho ou então para colunistas que não entendem nada de nada, e podem acabar cometendo o deslize de não reconhecer que você, vá saber, pode vir a ser um Proust.

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