domingo, 24 de maio de 2009

Se tempo é dinheiro, estamos ficando duros

Carlos Eduardo Novaes*


Meu Deus! Mal terminei o café da manhã do último Réveillon e já estou a caminho das festas juninas. Logo estaremos dando de cara com Papai Noel na televisão. O tempo voa – em supersônicos – nesta era da globalização. Lembro que na minha época de colégio uma semana custava quase um mês para passar. Hoje a impressão é a de que a semana se vai em três dias (isso quando não há um feriado no meio!).

É certo que continuamos consumindo os mesmos minutos que nossos avós para despertar, lavar o rosto, fazer xixi, escovar os dentes, mas daí para frente tudo se desdobra em um alucinante ritmo de discoteca. Enquanto meu avô tomava sua média com pão e manteiga de manhã espiando as nuvens pela janela ("Será que saio de galochas e levo o guarda-chuva?") e batia a porta de casa – sem trancas nem ferrolhos – para pegar seu bonde, eu, sem tempo para olhar o céu, me mando para os congestionamentos enfiando o paletó e, não raro, no trabalho percebo que estou com uma meia azul e outra branca.

Meu avô, com certeza, experimentou a sensação de ter vivido muito mais do que seu neto pós-moderno. Curtiu sua existência sem pressa e, desse modo, mais atento e sensível à passagem do tempo. Aposto que alguns dias lhe pareciam intermináveis. Hoje, 24 horas atravessam nossos relógios feito um cometa. Tangidos por compromissos e obrigações sem fim, seguimos desatentos ao tempo e somos sempre surpreendidos quando a mulher nos informa que o filho mais velho vai fazer 38 anos (e ainda mora com os pais!).

Nossa existência está cada vez mais fora de nós – se é que me entendem – reduzida a uma espécie de motorzinho de popa que nos mantém em constante movimento. Os dias transformaram-se em uma gincana e a vida, em uma agenda.

Mas se o tempo é apenas uma convenção – e os antigos calendários estão aí para provar – por que não mudamos as regras do jogo? Em 1583 o papa Gregório XIII reuniu alguns astrônomos católicos para reformar o calendário juliano – que vinha da Roma de Julio César (101 a.C. - 44 a.C.) – e criar um novo tempo. Era uma época em que mais dias, menos dias não faziam falta e o papa então estabeleceu que, depois da quinta-feira 4 de outubro viria a sexta-feira 15 de outubro. De uma penada sumiu com 11 dias – imaginem isso hoje! – e instituiu o calendário gregoriano que vigora até nossos dias.

Agora me responda: como é que uma divisão do tempo feita há mais de 400 anos pode continuar servindo ao homem e ao mundo contemporâneos?

Pelas minhas contas atualmente precisamos de, no mínimo, 32 horas diárias – o Unibanco já chegou a 30 – para tocarmos a vida com alguma folga, em velocidade cruzeiro. É angustiante pensar que permanecemos cativos de um calendário da época em que o Brasil era pouco mais do que um terreno baldio.

Se fomos capazes de inventar o avião, o despachante, o álcool combustível; se conseguimos reduzir a inflação, pagar os juros da dívida e descobrir as mazelas do Senado, por que não acrescentamos às reformas do país a do calendário? Não importa que os demais países continuem se orientando por essa velharia gregoriana (Lula não é o cara?). Na época da decisão do papa Gregório, muitas nações não católicas também custaram a aceitar o novo calendário. A Inglaterra só o adotou no século 19, a China em 1912, a Turquia em 1927 e nem por isso o mundo deixou de girar.

A frase final é obvia, mas nem por isso menos verdadeira: já é tempo de mudar o tempo.

*Escritor

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