segunda-feira, 18 de maio de 2009

Trabalho e castigo: algo comum

Deonísio da Silva *

Trabalho veio do latim tripalium (tri, três; palus, pau), instrumento de tortura composto de três estacas. Esta é também a origem do espanhol trabajo. O condenado era amarrado, quando não empalado numa delas e ficava ali até morrer. O étimo serviu de base à vinculação de trabalho e sofrimento, coerente com a condenação dos três personagens envolvidos no pecado original, cometido no Éden: a serpente, Eva e Adão.

Como se sabe, os três transgressores receberam penas diferenciadas: a serpente (leia-se Satanás) foi condenada a rastejar sobre a terra durante toda a sua existência. A mulher recebeu o castigo de se sentir atraída pelo marido (sim, isso foi dado como castigo), ser dominada por ele e sofrer nos partos. O homem foi punido de outro modo: ganhar o pão com o suor do rosto até que voltasse à terra de onde tinha sido tirado.

Como se vê, Jeová foi mesmo durão. Nada de férias, licença-prêmio, auxílio-maternidade, bolsa-família, vale-lenha, vale-transporte, aposentadoria! E muito menos possibilidade de recurso a outros tribunais. Se a condenação tivesse sido feita no Brasil, estaria no Supremo Tribunal Federal (STF), à espera de ser apreciado o recurso, mesmo não sendo matéria constitucional, pois a autoridade coatora tem foro privilegiado e somente ali pode ser julgada. A menos que seja um banqueiro, como sabemos, que daí, caso seja preso, será solto rapidinho.

A ideia do trabalho como sofrimento, porém, não estava presente na etimologia latina, vez que o verbo trabalhar era laborare; e trabalho, labor. Outro dia, um conhecido escritor me perguntou qual era a tradução latina de um lema que ele criou para si mesmo: “Rezo e faço o meu serviço”. Desconfio que, versado em latim, o romancista queria apenas uma certificação. Dei-lhe duas opções. A literal: Oro et laborem meum ago. E uma síntese: Oro et laboro. E lembrei-lhe que a regra de São Bento, homenageado no nome do papa atual, é ora et labora (reza e trabalha). Não fosse a consolidação da recomendação beneditina, não haveria a Europa, pois o Velho Continente adotou o binômio de rezar e trabalhar como filosofia de vida para todos, sem pensar em bolsa de nada para ninguém! Muito mais tarde é que surgiram as ordens mendicantes.

No italiano predominou a outra vertente latina, de que são amostras as palavras lavorare (trabalhar) e lavoro (trabalho). No francês travail, ao contrário, a vertente é a mesma do português. Mas para trabalhador a língua francesa preferiu ouvrier, do étimo latino operarius, do verbo operare, formado a partir de operis, genitivo de opus, obra, cujo plural é opera.

Em inglês, trabalho é work, e no alemão, werk, procedendo ambos do grego érgon, ação, presente no português em outras palavras, como em ergonomia e ergoterapia.

O Dia do Trabalho é comemorado em 1º de maio em quase todos os países industrializados. A data remonta a um episódio trágico, ocorrido em Chicago (EUA), entre os dias 1º e 4 de maio de 1866, quando a polícia matou diversos operários que protestavam por melhores condições de trabalho. Oito anarquistas foram presos e condenados à morte, um dos quais se suicidou e quatro foram enforcados. Três, porém, foram absolvidos.

A consciência americana e a opinião pública não suportariam celebrar o trabalho em data tão sinistra. Nos EUA, o Dia do Trabalho é comemorado, desde 1894, na primeira segunda-feira de setembro.

* doutor em letras pela Universidade de São Paulo (USP) e professor da Universidade Estácio de Sá. Seu livro mais recente é o romance 'Goethe e Barrabás' (Editora Novo Século)
21:10 - 17/05/2009 - Jornal do Brasil
http://jbonline.terra.com.br/pextra/2009/05/17/e17057042.asp

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