domingo, 10 de maio de 2009

"Não dou a mínima para a inteligência"

Howard Gardner
Para o psicólogo americano,
o que vale é o que você faz de relevante
com suas habilidades mentais

Howard Gardner sacudiu o conceito de genialidade com a proposta de que existem vários tipos de inteligência, além daquela medida pelos testes de Q.I. Seu primeiro livro de impacto, publicado em 1983, propunha sete tipos de habilidade mental, que incluíam dotes artísticos, habilidades esportivas e até capacidade emocional. Mas Gardner vem incluindo outras categorias de mentes brilhantes, como explica a seguir.


ÉPOCA – O que todos os tipos de inteligência têm em comum?
Howard Gardner – Uma categoria de inteligência pode ser parcialmente destruída ou mantida em isolamento por certas lesões cerebrais. Ou se expressar de maneira excepcional em um indivíduo prodígio. Essa inteligência comporta operações-chave. Por exemplo, a sensibilidade em relação a tons é uma das chaves da inteligência musical. A capacidade de imitar um movimento é a chave da inteligência corporal. Além disso, um tipo de inteligência progride ao longo do amadurecimento da pessoa. E podemos relacionar sua existência à evolução da espécie. Enfim, experiências na área da psicologia podem colocá-la em evidência, certos testes podem medi-la e podemos também mostrar que ela tem uma tendência natural a encarnar em sistemas simbólicos, como linguagem, notas musicais ou matemática.

ÉPOCA – Cada um tem a própria combinação de inteligências. Isso seria como uma impressão digital?
Gardner – Nós nascemos com todas as inteligências. Depois, elas evoluem de forma mais ou menos pronunciada ao longo do desenvolvimento, formando nosso perfil de inteligência único. Assim, poderíamos falar de uma impressão cognitiva, mas essa é a única semelhança com a impressão digital. Se a impressão digital é imutável, o perfil cognitivo é modificável ao longo da vida. Ele é forjado pela hereditariedade, mas também pela experiência. Sabemos que os motoristas de táxi de Londres têm um hipocampo mais desenvolvido porque memorizam o mapa da cidade. Ou que os pianistas virtuosos têm desenvolvida a zona do córtex motor correspondente aos dedos mais importantes. Modificar nosso perfil poderá significar modificar nossas conexões neurais. Mas isso ainda precisa ser verificado.

ÉPOCA – Quem se opõe a sua teoria?
Gardner – Os psicomotricistas, pois eles adorariam ter um teste simples para avaliar um perfil de inteligência. Mas isso não é possível. Um exemplo: se eu quiser testar sua inteligência interpessoal, precisaria prender você em um recinto onde se encontram mais pessoas que discordam entre si e observar sua capacidade de fazer com que dialoguem. Você não pode fazer isso respondendo sim ou não em um teste psicológico porque, nesse caso, não estaria testando aquela inteligência diretamente, e sim sua compreensão da linguagem.

ÉPOCA – O senhor não elaborou um teste?
Gardner – Para avaliar as inteligências múltiplas, precisam ser criados instrumentos que examinem a inteligência por meio de ações. A inteligência espacial pode ser avaliada pedindo-se a um indivíduo que se locomova em um território que não lhe é familiar. A cinestesia seria medida pedindo-lhe que aprenda e execute uma dança. Nós desenvolvemos ambientes de avaliação em diferentes centros para crianças de 5 a 6 anos. Mas, sinceramente, não sou a favor de testes para medir a inteligência. Porque eu não dou a mínima para a inteligência das pessoas. O que vale é se elas podem fazer coisas que nossa cultura valoriza. De que adianta você saber que tem Q.I. de 90 (abaixo da média), ou 110 (acima), ou mesmo se você pode chegar a 120 (brilhante) com algum treino se, no fim das contas, não fizer nada relevante na vida?

ÉPOCA – Quantas inteligências nós temos?
Gardner – A lista está crescendo. Fizemos uma pesquisa extensa. Examinamos o desenvolvimento das habilidades na criança comum e na superdotada. Depois, a alteração da capacidade cognitiva quando havia lesões cerebrais. Também comparamos crianças prodígios e as autistas com habilidades extraordinárias para algumas tarefas, como decorar nomes ou fazer contas. Concluímos que possuímos vários tipos de habilidades distintas, sendo que apenas duas são valorizadas: a linguística e a lógica matemática. Em 1983, descrevemos sete formas de inteligência que reuni em meu livro sob o nome de teoria das inteligências múltiplas. Recentemente, adicionei uma oitava, a inteligência naturalista (leia sobre ela em epoca.com.br). É a habilidade de classificar, discriminar, reconhecer e usar seus conhecimentos no meio ambiente natural, como fazem caçadores, pescadores, zoólogos e até chefs de cozinha. Agora estamos pensando na inteligência existencial. Seria a propensão de colocar grandes questões filosóficas, tais como “por que morremos?”.
*Psicólogo americano da Universidade Harvard, de 66 anos, ficou conhecido pela teoria das inteligências múltiplas.
Copyright ELENA SENDER/Science et avenir. Revista EPOCA, on-line, 08/05/2009
http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI72146-15224,00.html

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