Angelo Scola*
"O homem descobre a si mesmo
por meio da sua experiência,
mas esta não é capaz de oferecer
a resposta ao enigma que ele é em si mesmo [...].
Só no anúncio da Revelação [...]
a interrogação sobre o homem encontra
a sua resposta".
"Partimos da observação de que, na crise de velhas ordens e seguranças, a atitude de fundo dos monges era o 'quaerere Deum' – colocar-se em busca de Deus (...)".
"Quaerere Deum" e anúncio; encontro entre a liberdade infinita de Deus e a liberdade finita do homem: apesar de ter feito referência à vida monacal, o discurso de Bento XVI localiza os dois pólos ao redor dos quais se desenvolve o dinamismo de toda a vida racionalmente entendida. Isso se refere à capacidade constitutiva do homem de se colocar em busca do significado da existência e, ao mesmo tempo, afirma que as graves perguntas antropológicas, sociais e cosmológicas que são colocadas hoje de forma inédita encontram no "Deus que fala" o "caminho" para uma fecunda busca de resposta.
Para Bento XVI, a necessidade de repropor o tema da busca de Deus não nasce somente do dever da fé de dar razão de si mesma (1Pe 3, 15), mas se impõe também por causa da poderosa irrupção do conúbio ciência-tecnologia na cena pública, que, diferentemente do que ocorria nos séculos XIX e XX, não oblitera mais as perguntas fundamentais da e sobre a vida, mas se candidata a lhes fornecer uma resposta como única instância legítima para fazer isso.
Assistimos assim à formação de um novo sujeito coletivo e tecnocrático que, subrrepticiamente, se substitui ao sujeito humano, deixando-lhe, ao mesmo tempo, a impressão de poder resolver o enigma representado por ele mesmo. Diante dos incríveis resultados da tecnociência que parecem oferecer a possibilidade de responder a toda a extensão do desejo do homem e da sua inexaurível demanda de verdade, ainda é possível reafirmar o valor e a dignidade da pessoa? Ou devemos nos resignar a definir o homem como puro "experimento de si mesmo", segundo a definição de Jongen*?
"A atual ausência de Deus é silenciosamente abordada pela pergunta relativa a Ele": a afirmação do Papa constitui uma primeira resposta à urgente interrogação. Apesar de sepultadas sob a espessa capa dos vetos impostos pelo sujeito tecnocrático, as perguntas que, desde sempre, movem o coração do homem acabam sempre florescendo novamente. No impacto com a realidade e pelo fato de agir nela, a pessoa é incessantemente provocada a descobrir os seus traços constitutivos. Essa experiência implica sempre o reconhecimento da insuperável polaridade da estrutura originária da pessoa, que não pode prescindir da relação constitutiva entre o eu e o real: mesmo na angústia da cultura contemporânea, não existe, no fundo, possibilidade de separar a inevitável comparação entre o eu e o real, real que permanentemente oferece ao eu a sua presença evasiva para que a hospede na mente e no coração.
Essa constatação simples fica evidente já a partir da modalidade com a qual a criança é "jogada no mundo". Ela se encontra, de fato, independentemente da sua vontade, inserida em uma trama de relações (com os pais, os irmãos, os avós) que a constituem. Para aprender a dizer "Eu", a criança sempre deverá aprender a dizer "mamãe". O caráter da unidade-dual é inseparável da estrutura originária da pessoa e se expressa por meio daquelas que Balthasar definiu como as polaridades constitutivas da antropologia: alma-corpo, homem-mulher e pessoa-comunidade / indivíduo-sociedade.
Essa dimensão irredutível da natureza humana tem, pois, um conteúdo universal que, além das especificidades das diversas culturas, civilizações e religiões, tece a trama da vida de todo homem ao articular incessantemente afetos, trabalho e repouso. Por meio dessas três dimensões da sua existência, o homem inevitavelmente age e entra em relação com a realidade. Mas, ao mesmo tempo, nenhuma delas exaure a sua experiência.
A densa rede de circunstâncias e relações, nas quais todo homem está inserido, é um indicador que sempre reenvia a outro. Isso significa que o homem descobre a si mesmo por meio da sua experiência, mas esta não é capaz de oferecer a resposta ao enigma que ele é em si mesmo. O seu desejo é infinito, mas a sua capacidade de responder-lhe é finita. Eis porque só no anúncio da Revelação, que torna sempre aceitável o "quaerere Deum" – do qual partiu, no rastro do discurso de Bento XVI, a nossa reflexão – a interrogação sobre o homem encontra a sua resposta.
*Marc Jongen, filósofo alemão, professor de Filosofia na Staatliche Hochschule für Gestaltung, em Karlsruhe, na Alemanha
*Angelo Scola, cardeal italiano, patriarca de Veneza, em artigo para o jornal La Repubblica, 14-05-2009, reflete sobre o "quaerere Deum", o gesto de se colocar em busca de Deus, A tradução é de Moisés Sbardelotto para o IHU/unisinos em 15/05/2009
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