André Gonçalves Fernandes*
Recentemente, li uma carta de uma jovem italiana, chamada Francesca, de 21 anos, universitária brilhante, filha de pais muito ricos, escrita antes de cometer suicídio no interior de um banheiro público de uma estação de trem romana. O trecho que mais me impressionou foi aquele que se dirigia diretamente aos pais, dizendo: “Vocês deram-me não só o necessário, como também o supérfluo; mas não souberam dar-me o indispensável. Por isso, estou-me tirando a vida”.
Algum tempo depois, descobriu-se que o indispensável que Francesca mencionava em sua trágica carta estava sublinhado em um livro de Kierkegaard, primeiro filósofo existencialista: “o indispensável é o Absoluto”.
O sentimento de vácuo existencial que atingiu Francesca manifesta-se por três efeitos muito comuns: depressão, dependência e agressão. Uma depressão que leva ao suicídio; uma dependência química, substitutiva da felicidade e do amor não localizados no vácuo existencial; uma agressividade, válvula de escape da tristeza e da desmotivação, que torna a delinquência juvenil um fenômeno novo e preocupante.
Hoje, as ciências desenvolvem-se num ritmo alucinante. O aprendizado fica defasado numa velocidade muito maior do que há algumas décadas. Nunca o homem soube tanto de si mesmo como na atualidade e, no fundo, nunca soube menos em tudo o que se refere a sua definição e ao sentido último de sua existência. A psicologia, a psicopatologia, a caracteriologia, a teoria da personalidade, o estudo do genoma produziram um inventário da totalidade funcional humana, incomparável com outras épocas da ciência.
Contudo, parece que ainda não se ultrapassaram as portas do conhecimento que se merece saber: o sentido e o valor da existência do homem. Penso que tal esquizofrenia intelectual abala os alicerces da atualidade, pois o fundamento sobre o qual o homem deve edificar o saber oscila, ameaçado por dentro.
Este vácuo existencial, segundo Viktor Frankl, sucessor de Freud na cátedra de Psicopatologia da Universidade de Viena, é causado pela ausência de Deus na consciência pessoal. Aliás, é muito significativo que, na condição de diretor do pavilhão de mulheres suicidas do hospital psiquiátrico de Viena, ele tenha obtido seu doutorado com a obra O Deus inconsciente, em que ele demonstra que a procura do sentido supremo da vida está na procura do transcendente.
Sem prejuízo de outras inúmeras variáveis igualmente complexas, a ausência de Deus gera a falta de sentido da vida que, por sua vez, cria um ambiente de vácuo existencial, o qual se dissemina pela depressão, dependência e agressividade.
Não se deve julgar que a presença ou ausência do elemento divino resume-se a uma mera questão teológica, acantonada, pelo notório preconceito clerical reinante, à margem dos problemas vitais que nos afligem (como a violência gratuita e o consumo crescente de drogas ilícitas). Muito pelo contrário, tal elemento está na medula destes problemas.(...)
O fato atribuído a Francesca sucede diariamente com milhares de jovens que buscam ardentemente a felicidade e, sem o saber, correm na direção contrária do lugar onde ela reside. No âmago, inconscientemente, queimam em desejos de grandes ideais, mas a vida só oferece um banquete de frivolidades, banalidades e mediocridades.
Por que tais fatos se repetem hoje à saciedade? Por que o homem atual está tão indefeso diante da decepção e se mostra tão vulnerável às frustrações da vida diária? Porque “absolutiza” o relativo, o transitório, e diviniza o humano. E, quando o humano divinizado ou o relativo “absolutizado” desintegram-se, como as cinzas de um prédio demolido, o homem vê a si mesmo como que suspenso no ar, sem qualquer ponto de apoio e sente a vertigem da existência.
Quantas vezes o homem — desde Platão a Bergson — perguntou onde estaria o sentido último que conduz a vida humana? Tal constatação exprime a urgência da descoberta do fundamento da existência humana e, ao mesmo tempo, testemunha a profundidade da razão humana, pois nelas a inteligência e a vontade do homem são demandadas a procurar livremente a solução capaz de oferecer um pleno sentido à vida.
Este interrogativo constitui a expressão mais elevada da natureza humana e, logo, sua resposta mede a profundidade do empenho na própria existência. Quando a causa última das coisas é investigada a fundo em busca de uma resposta derradeira e exauriente, então a razão humana alcança seu cume e abre-se ao transcendente, expressão mais elevada da pessoa humana. Em suma, o “indispensável” que a jovem Francesca procurava incessantemente.
*André Gonçalves Fernandes é juiz de Direito da 2ª Vara Cível da Comarca de Sumaréhttp://www.cpopular.com.br/mostra_noticia.asp?noticia=1632571&area=2190&authent=6A89E6726DEAA2521BDEE055789AC0 - Postado no site do Correio Popular, 07/05/2009
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