sábado, 16 de maio de 2009

"O Brasil é um grande crematório de cérebros e florestas"

Cristovam Buarque
Idealizador da Vigília pela Amazônia, realizada no Senado na última quarta-feira, o senador Cristovam Buarque (PDT/DF) concedeu uma entrevista exclusiva ao Amazonia.org.br, em que fala sobre a necessidade da implantação no Brasil de uma educação que conscientize as pessoas sobre a importância de se manter a floresta em pé.
Também ex-ministro da Educação, durante o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Buarque falou sobre o problema do analfabetismo no país, de suas propostas para a valorização da cultura indígena e a melhoria do sistema educacional, com respeito à diversidade e inclusão de noções sobre meio ambiente.


No seu modo de ver, a educação na Amazônia representa um contexto peculiar?
Cristovam Buarque - A Amazônia é um caso especifico do ponto de vista do conteúdo, do estilo, do comportamento, da arquitetura, dos prédios. Nesse sentido, cada lugar tem uma situação específica. Agora, o que não é específico, e sim universal é: toda criança na escola e todo professor bem preparado. Você pode diferenciar em que área ele é preparado, mas não pode abrir mão de que ele seja preparado.
Todo professor deve ser bem remunerado e dedicado, os equipamentos disponíveis devem ser iguais, seja na Amazônia, em São Paulo, nos Estados Unidos, na Europa, ou na Coréia. Os equipamentos pedagógicos têm que ser do mesmo tipo. Há alguns anos era lousa e papel, agora é computador e televisão. Temos que federalizar a educação de maneira que aquilo que deva ser igual para todos seja igual, respeitando-se a liberdade pedagógica.

Diante da diversidade de povos presentes na Amazônia, o senhor acredita serem necessários métodos de educação específicos para cada uma dessas populações?
CB - No que se refere à língua sim. A educação tem que ser na língua nativa do aluno. No que se refere à Geografia, por exemplo, todos têm que ter a Geografia do mundo igualmente. Mas, o estudante da Amazônia tem que aprender a Geografia local, que é diferente da Geografia do Centro-oeste. A Matemática ensinada deve ser a mesma, a Física também.
Não é porque um aluno é do campo que não deve estudar História do mundo, Filosofia, Sociologia, Biologia. Agora, além disso, tem o seu contexto local que deve combinar, por exemplo, o aprendizado do campo. A escola do campo deve ensinar agricultura, enquanto não é preciso se ensinar isso ao aluno da cidade. Mas, não pode a qualidade de ensino ser menor e deixar de ensinar aquilo que for fundamental e universal.

Como ex-ministro da Educação, que ações o senhor julga serem necessárias à melhoria da educação indígena no Brasil?
CB - Primeiro, acho necessário o ensino da língua indígena. O aluno tem que aprender na sua língua. Também, além de estudar a Historia universal, o aluno deve estudar a Historia do seu povo. Deve-se ensinar na escola desse aluno, também, a arte do seu povo. E não só isso. É preciso dar a cultura universal e a local. Isso vale para o indígena e também ao morador de São Paulo.

Que projetos para a educação indígena são hoje discutidos pelo Senado?
CB - Eu tenho um projeto de lei que não é voltado especificamente para a educação indígena, mas para a cultura indígena. O projeto obriga o ensino da língua indígena no Brasil inteiro para todos que quiserem aprendê-la, sem, porém, que isso seja obrigatório. Quem quiser, deve poder aprender a língua indígena. É, inclusive, uma maneira de manter as línguas indígenas vivas. Se não elas irão morrer.
Estou, além disso, constituindo para a criação de uma frente parlamentar de apoio aos povos indígenas para defender os interesses dos povos indígenas. Por exemplo, durante a disputa com os arrozeiros- o senador se refere ao conflito entre indígenas e plantadores de arroz pela posse da terra indígena de Raposa Serra do Sol (RR)-, não havia uma bancada indígena no Senado e na Câmara. Havia apenas as bancadas da educação, da saúde, dos evangélicos, dos católicos. Mas, não havia uma bancada dos povos indígenas.

O senhor tem algum projeto para a preservação da Amazônia, aliando educação e meio ambiente?
CB - Tenho a ideia da criação do Dia Nacional das Florestas Brasileiras, que será o dia em que todas as escolas refletiriam sobre a importância das florestas. Basta aprovar essa lei para que as escolas passem a fazer debates, exposições e passem filmes, que despertem a reflexão sobre esse assunto.
Não há outra saída para a redução do desmatamento de forma definitiva que não seja a educação, a não ser que as pessoas comecem a sentir que as árvores são entes vivos. E isso é a educação que pode fazer, ou a religião. Não tem outro jeito. Não adianta só uma lei proibindo, tem que haver uma mudança de mentalidade. E quem muda a mentalidade é a escola.

Como o senhor vê a situação do analfabetismo na Amazônia hoje?
CB - O analfabetismo na região é equivalente ao do Nordeste, o que é uma tragédia. O número de analfabetos na Amazônia e no Nordeste está equivalente ao de muitos países da África, alguns dos piores do continente. E isso é uma vergonha nacional.
Duas vergonhas são: as queimadas da Amazônia e as queimadas de cérebros. O Brasil é um grande crematório de cérebros e florestas. É um desperdício de inteligência, sendo que inteligência não é uma coisa espontânea. As crianças nascem com os cérebros iguais uns aos das outras. O cérebro biologicamente é espontâneo, mas do ponto de vista do seu potencial não é espontâneo, ele é fruto da educação. Nós jogamos fora os recursos brasileiros abandonando a escola. A cada minuto são seis campos de futebol queimados na Amazônia. E a cada minuto são 60 crianças jogadas fora da escola.
A minha proposta é erradicar o analfabetismo pagando por alfabetizado. Então, quem tem mais analfabetos vai receber mais dinheiro. Mas, vai receber mais dinheiro quando erradicar o analfabetismo. Eu sou contra dar dinheiro para programas de alfabetização. Sou a favor de dar dinheiro para erradicar o analfabetismo. E isso é pagar por resultado.

O que senhor pensa sobre o resultado da Pesquisa Nacional de Amostras de Domicílios (PNAD), de 2007, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que aponta para a recente queda do ritmo de redução do analfabetismo no Brasil?
CB - Penso que, nesse ritmo, iremos levar uns 80 ou 90 anos para erradicar o analfabetismo no país. Porque nós não fechamos a torneirinha que produz analfabetos, que é a escola primária. Além disso, alfabetizamos numa velocidade muito lenta. O governo Lula não tem a preocupação de erradicar o analfabetismo, mas apenas de ir alfabetizando, sem urgência, nem prazos para resolver. Desse jeito, não vai conseguir erradicar o analfabetismo, a não ser em muitos anos. Só conseguiremos fazer isso depois do Paraguai, da Bolívia, da Colômbia e do Peru.
*Cristovam Buarque - Senador (PDT/DF) Educador, ex- ministro da Educação
Entrevista é de Fabíola Munhoz e publicada por Amazonia.org.br, 15/05/2009.

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