sexta-feira, 30 de abril de 2010

Com o criador, a criatura

Plínio de Campos Whitaker*


Oportuno, no 1 de maio, Dia do Trabalho, refletir sobre o pensamento de Rui Barbosa, quando afirma que também ao homem é dado criar, com o trabalho, a obra da criação. Não é impertinente ler, nas palavras do Águia de Haia, tese de que cabe ao ser humano a paradoxal incumbência de recriar a própria natureza, imprimindo nela retoques finais, sempre portadores da sensibilidade e engenho humanos.

Conforme está na Escritura sacra, a vocação ao trabalho nasce com o homem: “Crescei, multiplicai-vos, enchei a terra e dominai-a” (Gn 1, 28) e, nessas condições, não há como ignorar suas transcendentes dimensões.

O trabalho realizado sob as mais variadas circunstâncias, desde aqueles que requerem equipamentos e trajes sofisticados àqueles cujos executantes, manuseando instrumentos primitivos, protegem-se com rudes vestimentas, insere-se entre as atividades humanas essenciais. Existe em nós congênita necessidade de produzir algo, a que Plínio Moço (Epistulae 3. 7) referiu como aquilo com que marcamos passagem pela vida, já que, diz ele, “os deuses não nos concedem viver longo tempo...”. Aproveitamo-nos da perspicácia da inteligência, da habilidade das mãos para concretizar tão nobre ideal, o que, de modo algum, pode se confundir com o imediatismo doentio, filho menor das doutrinas orientadoras do capitalismo mundial, o “fazer dinheiro”.

Não nos dedicamos ao trabalho com o apenas objetivo de amontoar bens, como não nos atrai imergir em suor amargo preciosos anos de vida, tão somente para que pessoas — a nós próprios, quem sabe — ou organizações se locupletem. Antes, sentimo-nos gratificados quando, por meio de uma atividade produtiva, contribuímos ao desenvolvimento de virtudes humanas. Trabalhando, enriquecemo-nos e tornamos mais rica a sociedade que nos acolhe. Não é sem motivo, aliás, o empenho com que instituições científicas têm insistido no sucesso da laborterapia, já presente na Antiguidade e, hoje, ferramenta eficazmente utilizada na recuperação de toxicômanos e na ressocialização de presos, entre outras aplicações.

Embora os índices de desemprego no País sejam às vezes decrescentes, há ainda muita gente bem qualificada profissionalmente e que aguarda oportunidade no mercado de trabalho. É que interesses mesquinhos cegam empresários, fazendo-os vis manipuladores da energia do trabalho, capazes de preferir lucratividade fácil dos próprios recursos, mas improdutiva, à produtividade saudável do investimento industrial. Quando não, mesmo reconhecendo-se o mérito de se abrir o mundo profissional aos recém-formados, é desleal sistemática preferência por jovens, camuflando estratégia iníqua para reduzir, ao máximo, despesas com mão-de-obra.

Quando encarado em perspectivas sadias, tanto por patrões quanto por empregados — para usar distinção tradicional — o trabalho de cada dia deixa de gerar desentendimentos que têm impedido o progresso dos povos; bem compreendido, é fator de crescimento da pessoa e da sociedade, fonte da paz, somente possível no mundo sempre melhor — de cuja criação todos somos convidados a participar !
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*Plínio de Campos Whitaker é professor aposentado da PUC-Campinas
Fonte: Correio Popular online, 30/04/2010

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