sexta-feira, 23 de abril de 2010

Ricardo Amorim e os metrôs da China

DAVID COIMBRA*


Sabe quantos metrôs estão sendo construídos na China neste momento? Não estações de metrô, não linhas de metrô, mas sistemas inteiros, labirintos subterrâneos cavados sob cidades com mais de 5 milhões de habitantes, sabe quantos?

Oitenta.

Munido dessa informação, tente calcular quanto ferro os chineses terão de empregar em seus 80 novos sistemas de metrô. Toda uma Grande Muralha talvez pudesse ser erguida com esse ferro, não é mesmo?

Bem. Agora pense em quem vai fornecer o ferro para os chineses. Quem é o segundo maior produtor de ferro do mundo, abaixo, exatamente, da própria China?

É. O Brasil.

Tais informações, as colhi na palestra do Ricardo Amorim, proferida durante o feriado, no Plaza. Ricardo Amorim, você sabe, além de percuciente integrante da bancada do Manhattan Connection, foi um dos raros economistas a prever o estouro da crise mundial do ano passado.

Foi o que me levou ao Plaza. E não me decepcionei. A palestra foi recheada de conteúdo, valeu cada real da inscrição.

Ao apresentar dados como o número de metrôs em construção na China, Ricardo Amorim mostrou que, a partir da entrada dos chineses no comércio mundial, no ano 2000, o Brasil passou a crescer e não parou mais. Porque o Brasil tem o que os chineses querem: comida e matéria-prima, como o ferro das estruturas dos metrôs. Continuará crescendo enquanto os chineses estiverem consumindo, e isso vai durar largo tempo. Os índices do país também continuarão melhorando: mais emprego e, consequentemente, menos criminalidade; mais recursos para investir em infraestrutura; mais gente vivendo melhor; mais popularidade para o presidente. Tudo muito alvissareiro.

Houve apenas um setor que permaneceu intocado, na ampla análise do Ricardo Amorim: a educação básica. Ricardo Amorim não tocou no tema da educação básica porque neste tema ninguém toca por aqui. Há investimento em universidades e escolas técnicas, há investimento em usinas de energia, há investimento em pesquisa, tecnologia e transporte. Para as crianças, não há nada.

Lembro do velho Leonel Brizola na eleição de 1989. Repetia Brizola, com aquela sua fala cantada:

– As crianças... temos que salvar as crianças...

Vinte anos se passaram e, desde então, só ouvi um político falar nas crianças. Justamente um discípulo de Brizola, Cristovam Buarque. Quando ministro da Educação, Cristovam Buarque queria tratar do assunto com Lula. Não conseguia audiência. Reclamou:

– Presidente, só consigo falar com o senhor se calçar tênis e for jogar bola.

Lula rebateu:

– Se você não gosta de usar tênis, jogue descalço.

Buarque pediu demissão, candidatou-se a presidente e angariou fama de sujeito exótico, que só falava em educação. E assim tem sido. Você não ouve ninguém falar em educação básica, mas ouve o Ricardo Amorim e fica entusiasmado. O Brasil vai ganhar dinheiro com o pré-sal, o Brasil vai ganhar dinheiro vendendo a indianos e chineses, muita gente vai ganhar dinheiro no Brasil. Que bom. Haverá mais gente para dar esmola às crianças sujas debaixo dos semáforos do Brasil.
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* Jornalista. Escritor. Colunista da ZH
Fonte: ZH online, 23/04/2010

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