Torquato*
Há diferença entre pontos de vista de PT e PSDB sobre a maneira de governar o país? À primeira vista, imagina-se uma distância oceânica entre ambos. Ledo engano. São mais próximos do que aparentam. A acusação de Rousseff de que o governo “neoliberal”, comandado por FHC, mantinha um Estado “omisso” é um chamamento à base partidária que carece de motivação para enfrentar nova batalha. O PT não faz (nem fará) a “revolução socialista”, tão apregoada nas cartilhas doutrinárias, não somente porque a promessa encalhou na história, mas por participar da vida de um país cuja índole abomina modelos de viés autoritário. Na década de 80, Darcy Ribeiro, senador e antropólogo, chegou até a pintar o conceito com a tinta verde-amarela, oferecendo a Leonel Brizola um “socialismo moreno” como doutrina do PDT. O achado linguístico foi esquecido.
Já a recente insinuação de Fernando Henrique sobre o “autoritarismo burocrático com poder econômico-financeiro” ou, noutros termos, “o DNA do autoritarismo popular, que vai minando o espírito da democracia constitucional”, carga jogada sobre o governo Lula, denuncia o excessivo domínio petista sobre os fundos de pensão, enxergando nas castas partidárias que manobram grandes recursos ameaça ao Estado. A crítica tem fundamento.
As gramáticas escritas por tucanos e petistas, expurgados os exageros, descrevem abordagens semelhantes na forma de conceber o papel do Estado e a administração do governo. As duas siglas conservam parentesco. Mais ainda: a estrada em que correm seus trens tem o nome de social-democracia. Em 1989, o tucanato delineou seu primeiro traçado com o documento “Os desafios do Brasil e o PSDB”, em que pôs, lado a lado, densa pauta definindo o papel do Estado na condução de programas econômicos e sociais. O PT, fundado em 1980, repudiou, no primeiro momento, a social-democracia, considerando-a inepta para vencer o “capitalismo imperialista”. Passou bom tempo, mesmo após a queda do Muro de Berlim, cultivando a velha utopia, até aceitar, não sem resistências internas, a realidade. O mundo deu uma guinada ideológica, integrando escopos do reformismo democrático, do realismo econômico e dos avanços do capitalismo. Sob esse pano de fundo, o PT produziu, em junho de 2002, a “Carta ao povo brasileiro”, peça-chave para a vitória de Lula, pavimentando, assim, sua entrada no território da social-democracia.
O que significam tais reconfigurações de padrões? Nada mais que a implantação de um modelo de gestão responsável e eficaz, comprometido com crescimento, preservação da estabilidade macroeconômica e atendimento às demandas sociais. Esse é o eixo que a social-democracia vem tentando aprofundar em seu berço, o continente europeu, e que por essas bandas é visto com simpatia tanto pelo PSDB quanto pelo PT.
Portanto, a distância oceânica que ambos procuram demonstrar é a mesma entre o olho esquerdo e o olho direito. Ambos habitam a mesma cara.
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*Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político.
Fonte: Correio Popular online, 16/04/2010
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