ALBERTINA DUARTE TAKIUTI*
Há dois anos, identificamos nos atendimentos realizados na Casa do Adolescente de Pinheiros, na Capital, uma situação que pode ser considerada precursora da utilização das chamadas pulseiras do sexo. À época eram conhecidas como “pulseiras do semáforo”, usadas em festas de adolescentes.
Funcionava assim: se a jovem estivesse usando pulseira vermelha, é porque não queria conversa. Já a pulseira verde era a senha de que a menina estava a fim de um relacionamento. No melhor estilo “cala a boca e beija logo”.
Em geral, as meninas não têm coragem em tocar no assunto. Quando muito, falam na terceira pessoa. Um pouco mais de conversa, de questionamentos, e não raro as jovens desabam no choro, envergonhadas de já terem usado um “crachá”, não por vontade pura e simples, mas pela antiga e conhecida necessidade de ser aceita no grupo.
Adolescentes são inseguros pela própria fase que vivem. É a fase das experimentações, compreensível por um lado, preocupante por outro. Mas todos os adultos que estão lendo este artigo já vivenciaram essa situação, em maior ou menor grau.
No campo do sexo, a curiosidade aguçada e os hormônios em ebulição, aliada às aflições e inseguranças inerentes à idade compõem uma fórmula complexa que pode gerar os mais diversos tipos de comportamento, inclusive os de risco.
Trata-se da nova ditadura do sexo. Uma grande violência, traduzida pela codificação da mulher por meio de uma pulseira. E mais uma vez a mulher vira objeto, fica em posição vulnerável, enfraquecida diante do triunfo do machismo. Se hoje o sexo surge cada vez mais cedo, a obrigatoriedade da relação sexual coloca novamente a mulher em desvantagem diante dos homens.
O raciocínio é simples: na adolescência os homens também têm inseguranças. Os meninos sentem medo de fracassar, de não conquistar o sexo oposto, de serem rejeitados. É óbvio que uma pulseira no braço da menina, que lhe dê sinais claros, é um elemento facilitador. Ele não apenas se fortalece como pode, depois, culpar a adolescente se algo acontecer. Afinal, “foi ela quem provocou”. Antes a desculpa era da minissaia, do decote. Agora é da pulseira.
Se a pulseira é um código, as consequências de seu uso podem deixar marcas indeléveis no corpo e na alma: gravidez indesejada, doenças sexualmente transmissíveis, traumas por abusos sexuais sofridos.
Proibir, simplesmente, a utilização das tais pulseiras me parece uma solução extremamente rasa. Na esfera pública, o caminho novamente passa pelo aprofundamento de políticas de educação, assistência social e saúde, que deem poder de voz às adolescentes e que trabalhem as inseguranças, emoções e medos.
Esta é a filosofia que adotamos e que procuramos aprimorar nos atendimentos das Casas do Adolescente espalhadas pelo Estado de São Paulo e que, nos últimos 10 anos, permitiram expressiva redução do número de casos de gravidez na adolescência entre as paulistas de 10 a 19 anos de idade.
Segundo último balanço da Secretaria de Estado da Saúde com base nos dados da Fundação Seade, entre 1998 e 2008 houve redução de 36,2% no número de adolescentes grávidas em São Paulo. Foram 94.461 jovens grávidas no ano retrasado, contra 148.018 casos em 1998, resultado de um conjunto de ações, que inclui a necessária disseminação da informação sobre a importância do sexo seguro, distribuição gratuita de preservativos e anticoncepcionais, além do trabalho que lida com as aflições e inseguranças juvenis.
Em casa ou na escola, tudo o que as adolescentes não precisam é se sentir oprimidas. Estabelecer regras e impor certos limites é fundamental, mas elas necessitam igualmente de carinho e, principalmente, de espaço para falar o que sentem. É desta forma que as pulseiras voltarão a significar apenas um adorno em vez de um carimbo de mulher-objeto.
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*Albertina Duarte Takiuti, ginecologista e obstetra, é coordenadora do programa de Saúde do Adolescente da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.
Fonte: Correio Popular online, 16/04/2010
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