Cristian Klein
A eleição de Lula como um dos líderes mais influentes do mundo, pela revista americana Time, publicada ontem, é mais uma demonstração de como o prestígio do presidente conseguiu ultrapassar as fronteiras. No refluxo da onda Obama, Lula virou o queridinho no cenário internacional: foi eleito o Homem do Ano em 2009 pela revista francesa Le Monde e pelo jornal espanhol El País; considerado o “político mais popular do mundo”, pela Newsweek; premiado como Estadista Global, pelo Fórum Econômico Mundial, de Davos, entre outros títulos e homenagens recentes. O próprio presidente americano Barack Obama, ao perceber que o frisson em torno de sua figura já não era o mesmo, reconheceu a influência de Lula ao chamá-lo de “o cara”.
Mas o que faz Lula ter tanto moral mundo afora? Afinal, nada garante que a alta popularidade interna se converta também em prestígio externo, ainda mais a do presidente de um país fora do circuito das nações mais desenvolvidas. A primeira razão, ao que parece, tem a ver com o que já foi mencionado acima: o fim da onda Obama. O cenário internacional, do mesmo modo que o de cada país individualmente, precisa de um ator em evidência, para onde todos voltam sua atenção, criando uma imagem de herói ou vilão. Presidentes dos Estados Unidos são ocupantes naturais desse posto. Durante oito anos, George W. Bush foi o protagonista neste palco, como um vilão militarista, que despertou o antiamericanismo por todo canto. O que Bush representou de ruim, Obama simbolizou de bom. Veio como seu antagonista. Mas falar bem de um político, durante tanto tempo, é muito mais difícil do que falar mal. Houve um cansaço, pela superexposição de Obama durante a campanha e pelo inevitável confronto com a realidade. Na complicada arte de governar – ainda mais em meio à maior crise econômica desde 1929 – Obama perdeu popularidade e apoio até entre correligionários de seu partido.
A segunda razão, ligada à anterior, tem a ver com um certo desencanto e desconfiança em relação à própria hegemonia americana. A grave crise financeira, que se espalhou pelo mundo e ainda traz repercussões para a economia de muitos países, teve origem nos Estados Unidos. Foi uma crise que implicou na crítica contra os postulados do mercado livre, da desregulação, do capital sem amarras, que o sistema americano representa tão bem. A América deixou de ser modelo. Assim como o mundo desenvolvido, tomado pelos efeitos da crise. Para onde as atenções se voltaram? Para um país onde o impacto da crise econômica não se sentia tão fortemente e para seu presidente, que soube aproveitar o momento para bater no sistema financeiro e se fazer de consciência crítica internacional. “A crise foi causada por comportamentos irracionais de gente branca de olhos azuis, que antes pareciam saber de tudo, e, agora, demonstram não saber de nada”, disparou Lula, em março do ano passado, ao lado do primeiro-ministro britânico, Gordon Brown. Lula tornou-se influente apesar de (ou justamente por) seu discurso divergente ao da comunidade internacional. Sua defesa do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, quando todos o recriminam, leva Lula para o centro de um debate mundial. É a voz dissonante, mas moderada. O comportamento estranho, incômodo não é rechaçado. Pelo contrário, encontra respaldo. E aí entra a terceira razão para que o presidente se eleve como uma figura respeitável, em vez de inconveniente: sua trajetória.
A biografia de Lula, o operário pobre que virou presidente da República, é por demais improvável, interessante e emblemática do potencial de um indivíduo (o selfmade man) e, ao mesmo tempo, da força da democracia, da classe trabalhadora, da sociedade etc. O perfil da Time escrito pelo cineasta Michael Moore é um exemplo desse encantamento pela biografia de Lula. O diretor não escreve uma linha sobre a influência do presidente no cenário internacional, equivoca-se ao mencionar o programa Fome Zero, no lugar do Bolsa Família, mas baseia quase todo o seu texto no simbolismo do personagem. A história de Lula representaria uma resposta aos ricos e à sua insensibilidade social e uma lição aos Estados Unidos, que ironicamente estariam caminhando para o Terceiro Mundo, enquanto o Brasil tenta alcançar o Primeiro. Quem diria que o Lula-lá, daqui, fosse viajar tão longe.
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Fonte: Jornal do Brasil online, 29/04/2010
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