quinta-feira, 22 de abril de 2010

Lucio Costa


Ronaldo Costa Fernandes*



São de rodas teus sonhos?
Há eixos e tesouras na utopia?
De que material é feito o desejo?
Existe forma no escape, na fuga,
na evasão das avenidas?
Os aviões com sua turbo-hélice obsedante.
A cidade redonda sem círculo que a encerre.
Tuas ruas futuras foram construídas com a argamassa
mais líquida: o humor do homem.
Teus desenhos pressupõem o homem ideal
que traço algum, humano ou divino,
ousou riscar no papel ou na vida.
Terias primeiro , velho Deus do desenho,
de refazer o barro e, em vez do sopro,
dar-lhes traços que o façam
menos silhueta.

A cidade tem a volúpia do centro,
o redemoinho de cimento,
o desejo calçado de engolir-se
em sua rota traçada para fugir de si
cada vez que mais se encolhe.
A cidade é enorme roda-gigante,
feita na barroca voluta de eixos desfeitos
e tesouras e asas e quadras
que se enroscam no gabarito
do homem estonteado e central.
Esta cidade é cêntrica,
e suas bordas repetem o centro,
como uma pedra lançada n’água,
e, embora tudo me tonteie
e engula em sua voracidade de vórtice,
sinto-me sempre prestes
à periferia dos nervos,
à margem da vida,
à borda urbana.

No papel, as cidades
são plausíveis como uma maçã.
Aqui há maresias e marés
na memória escafandrista da secura
de agosto.

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*Ronaldo Costa Fernandes ganhou o Prêmio Casas de las Américas com o romance O Morto Solidário, traduzido e publicado em Havana, Cuba, pela mesma Casa de las Américas e, no Brasil, pela editora Revan. Ganhou, entre outros, os prêmios de Revelação de Autor da APCA e o Guimarães Rosa. Na área do ensaio, publicou em 1996, pela editora Sette Letras, o livro O Narrador do romance, prêmio Austreségilo de Athayde, da UBE-RJ. No final de 97, ainda publica o romance Concerto para flauta e martelo, pela editora Revan, finalista do prêmio Jabuti-98. No ano de 1998, edita Terratreme, poesia, livro que recebeu o Prêmio Bolsa de Literatura, pela Fundação Cultural do DF. Durante nove anos dirigiu o Centro de Estudos Brasileiros da Embaixada do Brasil em Caracas. De volta ao Brasil, em 1995, foi Coordenador da Funarte de Brasília até o início de 2003. É Doutor em Literatura pela UnB. Seus últimos livros de poesia são: Terratreme (1998), Andarilho (2000) e Eterno Passageiro (2004)
Por Conceição Freitas
Fonte: Correio Braziliense online, 22/04/2010

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