sexta-feira, 18 de março de 2011

Água e tecnologia

ENTREVISTA

“Sem água, não há tecnologia que sustente a produtividade”

José Renato Bouças Farias, agronômo

Especialista em agrometeorologia, o agronômo gaúcho José Renato Bouças Farias tem uma convicção: num futuro breve, a água – ou melhor, a falta dela – será o elemento mais decisivo para a produtividade agrícola em todo o mundo. Palestrante ontem do Fórum Lavouras do Brasil, promovido pelo Canal Rural, Farias acredita que a tecnologia pode ajudar a enfrentar a escassez. Mas enquanto isso não acontece, é taxativo: é no manejo do solo que estão os fundamentos para uma boa colheita.

Zero Hora – Estamos diante da perspectiva de uma mudança climática de fato ou observamos apenas variações contextuais de temperatura?
José Renato Bouças Farias – Eu penso que estamos, sim, perto de uma mudança climática. Estrutural, de longo prazo e difícil de ser revertida. Temos uma elevada concentração de CO2 (gás carbônico) no planeta que, em teoria, seria favorável à fotossíntese. Mas como também provoca aumento de temperatura, o consumo de água vai subir. Dada a quantidade de água que temos hoje, esse consumo passará a ser restritivo. A água se tornará o elemento mais importante daqui para a frente para determinar produtividade.
ZH – Então, como enfrentar períodos frequentes de aquecimento e de escassez de água?
Farias – A melhor prática é a irrigação. Mas para a soja isso ainda é inviável, o país não está preparado para o alto custo de um sistema como esse. Então, temos de contar com a natureza. Um bom manejo do solo é fundamental para torná-lo um reservatório de água.
Na Embrapa, estamos trabalhando
com bastante ênfase em sistemas
de integração de lavoura, 
pecuária e floresta.
ZH – Nesse caso, quais as recomendações práticas?
Farias – Isso se obtém com o menor revolvimento possível do solo. Quanto mais preservar e melhorar a estrutura, melhor. Outra boa alternativa é a rotação de culturas. Com sistemas radiculares diferentes, é possível criar um mecanismo de tubos capilares no solo que limite a ascensão da água para a superfície devido à evaporação. Há algumas espécies bem indicadas a esse manejo, com raízes finas e profundas, como o capim braquiária, o milheto ou a ervilha guandu.

ZH – Reflorestamento é uma prática recomendável?
Farias – No passado se discutiu muito a questão do eucalipto e sua demanda de água, mas hoje se sabe que não ele consome tanto assim. A instalação de uma floresta permite um sequestro muito bom de carbono. Isso é desejável, mais notadamente em climas secos, como na região da Campanha, onde dificilmente vai se produzir uma cultura anual, estável. Na Embrapa, estamos trabalhando com bastante ênfase em sistemas de integração de lavoura, pecuária e floresta.

ZH – Há uma proporção recomendável para cada um?
Farias – Depende muito da região. Mas a floresta deve estar num espaço um pouco maior, que permita a produção de grãos ou outra cultura na propriedade. Nos intervalos da produção, pastagem e pecuária. Tem vantagens interessantes, como a sombra das árvores para os animais e a redução do vento.
REPORTAGEM POR FLÁVIO ILHA
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Fonte: ZH online, 18/03/2011

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