sexta-feira, 18 de março de 2011

Dani Rodrik - Entrevista

Entrevista: Dani Rodrik, um dos acadêmicos mais respeitados 
no debate sobre a globalização, diz que a liberalização de capitais e
a pressão por mais abertura comercial 
foram longe demais.

"Está na hora de recuar"

Leandra Peres | Para o Valor, de Washington
18/03/2011
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O economista Dani Rodrik: muitasvezes um passo atrás no protecionismo 
"fortalece o sistema em vez de enfraquecê-lo"
 
O economista Dani Rodrik é, literalmente, uma criatura da política de substituição de importações. Em tom de brincadeira, ele costuma contar que foi o dinheiro da fábrica de canetas de seu pai, protegida pelo governo turco, que bancou as mensalidades na Universidade de Harvard. A Turquia abriu o seu mercado, mas a família ainda vende canetas. Só que agora fabricadas na China. Já Rodrik tornou-se um dos acadêmicos mais ouvidos - e respeitados - no debate sobre a globalização.
Crítico mordaz da hiperglobalização, Rodrik faz um ataque direto ao modelo econômico dos anos 1990 em seu livro recém-lançado nos EUA, "The Globalization Paradox: Democracy and the Future of the World Economy", sem data para publicação no Brasil. O autor diz que a liberalização de capitais e a pressão por mais abertura comercial foram longe demais. Está na hora de recuar.
Mas não se engane: Rodrik não quer o fim da globalização. Quer só uma versão mais leve e temperada com políticas que permitam aos governos nacionais estimular setores-chave e reestruturar suas economias. Se para isso for preciso reerguer algumas barreiras ou conceder subsídios, que seja. Para ele, essa será a única maneira de convencer a China a abandonar sua moeda desvalorizada e resolver o que ele considera o "maior risco" para a economia mundial atualmente.
Na entrevista que concedeu ao Valor, o professor de economia política internacional de Harvard também falou sobre o Brasil. De como o país deveria crescer 7% ao ano, mas parece ter "reduzido suas ambições" e considera 5% ao ano um sucesso. Sobre a necessidade de aumentar a poupança interna e investimentos e de como o primeiro passo seria uma política fiscal mais apertada. Abaixo, os principais trechos da conversa:
Valor: O presidente Barak Obama deve insistir na retomada da Rodada Doha em sua visita ao Brasil? Mais abertura comercial ajudará na recuperação da economia mundial?
Dani Rodrik: Não considero Doha uma prioridade. Na minha opinião, o risco mais sério para a economia mundial é a falta de coordenação macroeconômica e como lidar com os fluxos de capital que isso gera. Se não houver uma solução, isso poderá ter repercussões bastante negativas na forma de aumento do protecionismo nos Estados Unidos e outros países ocidentais.
Valor: O que deve ser feito para lidar com os desequilíbrios causados pela política monetária expansionista dos EUA e o yuan desvalorizado?
Rodrik: É importante haver avanços rápidos na direção de um sistema multilateral de supervisão de desequilíbrios externos. Os princípios seriam dados pelo G-20 e o trabalho mais técnico poderia ser feito pelo FMI. Minha proposta é que o Fundo tenha mais autoridade e poder de supervisão. Em compensação, a OMC teria que ser enfraquecida.

Obama (foto) deve trabalhar para melhorar coordenação macroeconômica: 
"Se não houver solução, isso poderá ter repercussões negativas na forma de 
aumento do protecionismo nos EUA", 
diz autor
 
Valor: O que significa enfraquecer a OMC?
Rodrik: A evolução das regras da OMC teve como efeito colateral indesejado fazer com que a China use moeda desvalorizada para sustentar o crescimento econômico. Então, se quisermos a cooperação dos chineses, será preciso dar espaço à China para que o país continue a se reestruturar por meio de políticas que atualmente a OMC não permite. Se quisermos mais disciplina nas políticas macroeconômicas, será preciso ter menos disciplina nas políticas micro.
Valor: O senhor se refere a políticas como subsídios e barreiras comerciais?
Rodrik: Acho que o acordo de subsídios da OMC é excessivamente rígido. Seria necessário abrir exceções, que não seriam exclusivas para a China, mas aplicadas também a países de renda média como o Brasil, por exemplo.
Valor: Mas isso não seria uma volta do protecionismo?
Rodrik: Muitas vezes um passo atrás fortalece o sistema ao invés de enfraquecê-lo. O risco de uma recaída protecionista é muito maior se continuarmos na direção em que estamos, se não entendermos que os países precisam de espaço para políticas internas. Se permitimos que países adotem políticas comerciais que entendem ser melhores para si, no agregado, teremos uma economia mundial relativamente saudável e aberta.
Valor: Em seu mais recente livro, o senhor critica o modelo de globalização dos anos 90. A globalização é ruim?
Rodrik: Depois da Segunda Guerra Mundial, o sucesso da economia mundial se apoiou num equilíbrio entre liberalização, comércio e finanças globais, mas também na garantia de espaço suficiente para que os governos nacionais adotassem medidas de estabilização, proteção social, políticas industriais e de reestruturação econômica. No começo dos anos 80, se iniciou o que chamo hiperglobalização. Um modelo em que a redução de barreiras comerciais e a liberalização de fluxos de capitais se tornou quase um fim em si mesmo e o papel das políticas governamentais passou a ser definido quase que unicamente sob a perspectiva do que era necessário para se integrar à economia mundial. A hiperglobalização teve duas consequências: ampliou o impacto e a severidade das crises financeiras e erodiu a legitimidade do sistema de comércio internacional.
Valor: O senhor defende uma globalização "light". Trata-se de uma volta a barreiras comerciais e subsídios?
Rodrik: É uma questão de equilíbrio. As barreiras comerciais eram exageradamente elevadas nos anos 50 e 60 e foi extremamente positivo reduzi-las. Mas agora a maior parte dos países tem proteção relativamente baixa. Não acredito que haverá nenhum grande estrago no comércio mundial se os países elevarem essas barreiras na margem. Por outro lado, as restrições à mobilidade de mão de obra continuam tão elevadas hoje quanto eram as restrições ao comércio nos anos 50. Então, nesse caso, sou amplamente favorável a uma flexibilização marginal.
Valor: O senhor aconselharia os governos a desistir de Doha e a negociar mais mobilidade de mão de obra?
Rodrik: Absolutamente. Se os ministros iniciassem discussões sobre um sistema ampliado de vistos temporários de trabalho haveria ganho maior para a economia mundial do que qualquer coisa que esteja incluída na Rodada Doha atualmente.
Valor: Então é correta a noção de que a globalização reduziu salários e impôs custos muito elevados a populações normalmente mais pobres ao redor do mundo?
Rodrik: Não. A globalização teve efeitos bastante heterogêneos. Os países que jogaram bem o jogo da globalização se beneficiaram tremendamente. A China, por exemplo. Se o país conseguiu retirar 500 milhões de pessoas da pobreza extrema nos últimos 30 anos, foi em grande parte graças à globalização. Mas não só por isso. A China tem uma estratégia doméstica de crescimento que inclui a reestruturação e diversificação da economia baseadas no uso de políticas que são atualmente proibidas pela OMC ou pouco recomendadas por outros organismos internacionais. É uma estratégia bastante consciente de alavancar os ganhos da globalização por meio de políticas internas adequadas. Os países que têm uma estratégia doméstica de crescimento combinada com a globalização se dão bem. O grande erro de boa parte dos países da América Latina nos anos 80 e 90 foi presumir que abrindo suas economias, estabilizando a macroeconomia e privatizando, o crescimento econômico seria um processo automático.
"A hiperglobalização ampliou o impacto e a severidade das crises financeiras e erodiu a legitimidade do sistema de comércio internacional"
Valor: Brasil cometeu esse erro?
Rodrik: Em alguma medida. O Brasil não foi uma Argentina ou um México e de forma geral conseguiu resultados econômicos um pouquinho melhores. Mas eu diria que mesmo nas épocas boas e para um país com o potencial do Brasil, a economia tem tido um desempenho insatisfatório. E o Brasil, infelizmente, parece que reduziu suas ambições no que diz respeito ao que deveria ser sua taxa de crescimento.
Valor: Quanto o Brasil deveria crescer?
Rodrik: Algo como 7%. O Brasil ainda sofre as consequências de um período muito longo de turbulências e parece ter encontrado um certo equilíbrio na combinação de juros elevados e baixa taxa de investimento, o que faz com que seja difícil para a economia sair desse ciclo. É por isso que taxas de crescimento de 4% ou 5% são vistas como um sucesso.
Valor: O que deveria ser feito?
Rodrik: Uma coisa importante é mudar a relação entre poupança e investimentos no Brasil. Infelizmente, não sabemos muito sobre como elevar poupança e investimentos no curto prazo. O que se sabe, porém, é que o déficit fiscal é uma parte importante da poupança doméstica e o que puder ser feito para melhorar a situação fiscal terá um impacto positivo. A outra coisa que se sabe é que uma boa parte do aumento na poupança que é experimentado por países bem-sucedidos é resultado de maior crescimento econômico. O importante é iniciar uma espécie de ciclo virtuoso no Brasil, em que se comece com algumas políticas, incluindo uma política fiscal mais apertada que aumente a poupança doméstica. Isso abre espaço para quedas na taxa de juros que, por sua vez, reduzem a pressão no câmbio. Uma moeda mais competitiva viabiliza mais poupança, mais investimento e esse processo de crescimento realimenta um aumento na poupança doméstica.
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Reunião do G-20, em Paris, no mês passado: 
"É importante haver avanços na direção de um sistema multilateral de 
supervisão de desequilíbrios externos", 
diz Rodrik
Valor: Com um resultado abaixo do potencial, o senhor diria que a estratégia de crescimento de longo prazo do Brasil está errada?
Rodrik: Diria que é uma estratégia OK, mas não excelente. Ainda é muito dependente do preço das commodities e é uma estratégia que traz resultados insatisfatórios. Uma economia como o Brasil não pode se satisfazer com taxas de investimento de 18% do PIB. O percentual deveria ser de pelo menos 23% do PIB.
Valor: A descoberta de petróleo na camada pré-sal expõe o Brasil aos mesmos riscos de economias como Venezuela e países do Oriente Médio, que apesar da riqueza não têm economias desenvolvidas?
Rodrik: O Brasil tem a vantagem de estar iniciando esse processo com economia já diversificada, o que reduz, mas não elimina, esse risco. O maior problema nesses booms de commodities é que, apesar de gerarem algum crescimento e considerável riqueza, as atividades econômicas que eles estimulam não absorvem muita mão de obra. É preciso que haja expansão em outros setores para criar empregos. Assim como outros países da América Latina, um dos problemas é que nos últimos 15 anos o Brasil não tem criado empregos suficientes nos setores mais avançados da economia.
Valor: O Brasil criou linhas de política industrial para desenvolver, por exemplo, a indústria naval e a de fornecedores do setor de petróleo e tem usado os empréstimos do BNDES para estimular a economia. Uma das críticas a esse modelo é que subsidia e escolhe vencedores, papel inadequado para o Estado. O senhor concorda?
Rodrik: A discussão sobre escolher ou não vencedores é muito antiquada e não é relevante. Segundo esse raciocínio, nenhum governo poderia ter políticas industriais e todos os países bem-sucedidos usam esses instrumentos. O importante é se o governo é flexível o suficiente, se monitora o que acontece, avaliando o destino do dinheiro usado e se é capaz de corrigir erros que fatalmente acontecerão. A questão não é se o governo deve ou não escolher vencedores, mas se é capaz de se livrar dos perdedores.
Valor: Essa discussão ganhou força depois da crise econômica mundial e remete ao papel que os Estados devem ter na economia. Qual o tamanho ideal do governo?
Rodrik: Devemos evitar a tentação de achar que o governo e o mercado são antagônicos ou substitutos. São complementares. Todos os países bem-sucedidos têm economias em que o setor público e privado colaboram. O governo é sempre um facilitador, principalmente em países de renda média ou baixa. Mesmo países desenvolvidos têm políticas industriais ativas. Os Estados Unidos, por exemplo, estão engajados no programa de política industrial mais caro da história com os estímulo ao desenvolvimento de tecnologias "verdes". A diferença é que alguns países fazem isso melhor que outros.
Valor: É isso o que explica por que países como Brasil ou Turquia, que já tiveram subsídios, proteção a indústrias e altas barreiras comerciais, não se transformaram numa Coreia do Sul?
Rodrik: A diferença não é que o Brasil interferiu demais na economia e a Coreia do Sul, não. Os dois interferiram. Não é que a Coreia se voltou para a economia mundial e o Brasil, não. O Brasil, no fim dos anos 60, começou a abrir sua economia e se transformou num exportador. A explicação tem mais a ver com o Brasil nunca ter conseguido implementar uma política macroeconômica correta quando comparado com a Coreia do Sul. Nos anos 80, o que na Coreia foi uma crise de um ano, no Brasil foi uma década.
Valor: A crise econômica mundial também mudou o debate sobre regulação bancária e de fluxos de capitais. Regras mais rígidas vão evitar uma nova bolha?
Rodrik: Até poderiam se entendêssemos que países diferentes têm necessidades também diferenciadas sobre como devem regular seus sistemas bancários e se a imposição de padrões globais de requerimentos de capital e métodos de regulação não tivessem se transformado num fetiche. Neste momento, estamos indo na direção errada.
Valor: Por quê?
Rodrik: As discussões presumem se as autoridades nacionais estabelecerem regras e métodos de regulação criarão custos de transação para bancos que estão operando em diferentes países e, portanto, que devemos estabelecer sistemas harmonizados de controle. Isso vai levar a regras fracas e frouxas que expressam um mínimo denominador comum. Já vimos isso acontecer com as propostas de Basileia 3, que não são suficientes.
Valor: Nesse cenário, como evitar a arbitragem regulatória?
Rodrik: É preciso reconhecer que todo país tem direito de interferir nas operações financeiras transnacionais quando o propósito for garantir a integridade de seus sistemas nacionais. Não é diferente de quando algum país exporta brinquedos e o importador impõe padrões de saúde e segurança. O capital internacional é extremamente volátil, mas não há nenhuma razão pela qual os governos não possam impor restrições a bancos estrangeiros operando em mercados domésticos.
Valor: O Brasil tem usado medidas de controle de capital para lidar com o aumento dos fluxos financeiros. Essas medidas, que até pouco tempo eram malvistas pelos economistas, voltaram a fazer sentido?
Rodrik: Os controles de capital podem ajudar na transição, mas sem políticas que aumentem os investimentos, a poupança interna e reduzam as taxas de juros no Brasil, nenhum controle de capital conseguirá resolver o problema.
Valor: Em seu livro, o senhor critica os economistas pelo papel intelectual que tiveram na crise financeira. Qual a parcela de culpa de vocês?
Rodrik: Quando os economistas foram para Wall Street e Washington, se esqueceram dos modelos sobre bolhas, assimetria de informações, incentivos distorcidos, risco moral e instituições grandes demais para falir que são conhecidos e estudados em economia. Venderam um só modelo, sobre mercados eficientes e autorregulação. Se os economistas não tivessem esse discurso, acho que os bancos não teriam sido capazes de capturar a agenda como o fizeram, porque não teriam a mesma legitimidade. Ao mesmo tempo, se os economistas não tivessem o interesse dos bancos por trás, essas seriam apenas mais uma das ideias. Houve uma combinação infeliz de ideias e interesses.

"The Globalization Paradox: Democracy and the Future of the World Economy" De Dani Rodrik. W. W. Norton & 

Company, 368 págs., US$ 26,95.

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Fonte: Valor Econômico online, 18/03/2011

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