LUIZ FELIPE PONDÉ*
Faz muito mal pensar em dinheiro e sucesso. Meu Deus, quanta escravidão! Onde foi que eu me perdi? |
Tenho pensando demais em dinheiro e sucesso. Não porque eu os tenha em excesso (haveria uma "quantidade justa" de dinheiro e sucesso?), mas porque, sem eles, somos afogados no sentimento da inexistência. Talvez por isso tanta conversa fiada sobre sermos honestos e desapegados quando, na realidade, em silêncio, babamos por dinheiro e sucesso.
Haverá amor sem dinheiro e sucesso, ou terá razão o grandioso Nelson Rodrigues quando diz que dinheiro compra até amor verdadeiro? Aqui, ele fala a anos-luz de distância da sensibilidade infantil da classe média e de seu marketing da ética que assola o mundo.
Quando me afundo na agonia, tenho dois profetas: Nelson Rodrigues e Fiodor Dostoiévski. Diante deles, sou um anão de Velásquez.
À noite, ouço a voz do demônio do ceticismo me chamando para o seu país da solidão e sua aridez de três desertos.
Um dos efeitos clínicos do ceticismo é a indiferença para com o que os outros pensam. Num mundo do marketing, que faz da vida um baile da monarquia francesa decadente do final do século 18, a indiferença para com o que os outros pensam é uma forma de ascese. Mas, como toda ascese, é uma danação.
Faz mal pensar em dinheiro e sucesso. Meu Deus, que escravidão! Onde me perdi?
Talvez na infância, quando percebi que o mundo não só é indiferente a nós, mas que nossa mãe é também uma pobre carente de amor e que nosso pai (quando existe pai, porque pai é produto da indústria do luxo) é um coitado esmagado pela carência não só de amor, mas também de dinheiro e de sucesso.
Tornei-me esse ser obscuro e muitas vezes cínico cedo demais. Digo sempre aos meus alunos que tomem cuidado com excessos de ceticismo na juventude, porque ele facilmente deforma a face, e quando se é jovem a face ainda é o espelho da alma.
Hoje estou em companhia de Nelson Rodrigues e sua sublime obsessão pela alma atormentada. Há dias o leio e releio, assim como quem toma um remédio acima da dose, tropeçando na água, por pura pressa de ver o mundo, de novo, por trás de sua membrana opaca. À diferença de Kant, Nelson sim conhecia a "coisa em si".
Sua peça "Bonitinha, Mas Ordinária" é essencialmente dominada pela angústia moral dostoievskiana. Nela, o herói, Edgar, é atormentado pela famosa frase, supostamente de Otto Lara Resende, "mineiro só é solidário no câncer".
Segundo a fortuna crítica, esta sentença niilista seria, por sua vez, semelhante a uma de Ivan Karamazov: "Se Deus não existe, tudo é permitido"; se não há Deus, não há impedimento absoluto contra o que quisermos fazer.
Se o mineiro só é solidário no câncer, é porque sua solidariedade não passa de um gozo secreto pela miséria do "amigo" doente. Se a única solidariedade possível é essa, então não há solidariedade de fato, logo, não há esperança para o mundo.
Ambas as frases decretariam o niilismo como condição amoral do mundo. E o niilismo não é uma brincadeira de adolescente que atropela gatos com sua bicicleta, é um fardo, um fado, um problema filosófico, para alguns, o maior dos séculos 19 e 20, que reuniu ao seu redor gente como Nietzsche, Freud, Schopenhauer, Dostoiévski, Turguêniev, Cioran, Bernanos, Berdiaev e o próprio Nelson.
Não é o drama do "serial killer" de TV. É o drama do policial honesto diante da inexistência do bem como forma de ordenamento do mundo.
Não pressinto o niilismo quando escrevo por aí poemas ruins sobre a agonia dos pobres nas ruas, pressinto o niilismo quando sei que esses poemas são mentiras na forma de marketing da ética, uma especialização do recém-criado "personal marketing". Ambos logo serão um MBA na área de recursos humanos.
Certa feita, falando sobre sua peça "Bonitinha, Mas Ordinária", Nelson disse (respire fundo): "A nossa opção, repito, é entre a angústia e a gangrena. Ou o sujeito se angustia ou apodrece. E, se me perguntarem o que eu quero dizer com minha peça, eu responderia: que só os neuróticos verão a Deus".
Bem-aventurados os de sorriso raro e de beleza tímida. Bem-aventurados os que se desesperam, mas não desistem, porque deles é o reino dos céus.
Haverá amor sem dinheiro e sucesso, ou terá razão o grandioso Nelson Rodrigues quando diz que dinheiro compra até amor verdadeiro? Aqui, ele fala a anos-luz de distância da sensibilidade infantil da classe média e de seu marketing da ética que assola o mundo.
Quando me afundo na agonia, tenho dois profetas: Nelson Rodrigues e Fiodor Dostoiévski. Diante deles, sou um anão de Velásquez.
À noite, ouço a voz do demônio do ceticismo me chamando para o seu país da solidão e sua aridez de três desertos.
Um dos efeitos clínicos do ceticismo é a indiferença para com o que os outros pensam. Num mundo do marketing, que faz da vida um baile da monarquia francesa decadente do final do século 18, a indiferença para com o que os outros pensam é uma forma de ascese. Mas, como toda ascese, é uma danação.
Faz mal pensar em dinheiro e sucesso. Meu Deus, que escravidão! Onde me perdi?
Talvez na infância, quando percebi que o mundo não só é indiferente a nós, mas que nossa mãe é também uma pobre carente de amor e que nosso pai (quando existe pai, porque pai é produto da indústria do luxo) é um coitado esmagado pela carência não só de amor, mas também de dinheiro e de sucesso.
Tornei-me esse ser obscuro e muitas vezes cínico cedo demais. Digo sempre aos meus alunos que tomem cuidado com excessos de ceticismo na juventude, porque ele facilmente deforma a face, e quando se é jovem a face ainda é o espelho da alma.
Hoje estou em companhia de Nelson Rodrigues e sua sublime obsessão pela alma atormentada. Há dias o leio e releio, assim como quem toma um remédio acima da dose, tropeçando na água, por pura pressa de ver o mundo, de novo, por trás de sua membrana opaca. À diferença de Kant, Nelson sim conhecia a "coisa em si".
Sua peça "Bonitinha, Mas Ordinária" é essencialmente dominada pela angústia moral dostoievskiana. Nela, o herói, Edgar, é atormentado pela famosa frase, supostamente de Otto Lara Resende, "mineiro só é solidário no câncer".
Segundo a fortuna crítica, esta sentença niilista seria, por sua vez, semelhante a uma de Ivan Karamazov: "Se Deus não existe, tudo é permitido"; se não há Deus, não há impedimento absoluto contra o que quisermos fazer.
Se o mineiro só é solidário no câncer, é porque sua solidariedade não passa de um gozo secreto pela miséria do "amigo" doente. Se a única solidariedade possível é essa, então não há solidariedade de fato, logo, não há esperança para o mundo.
Ambas as frases decretariam o niilismo como condição amoral do mundo. E o niilismo não é uma brincadeira de adolescente que atropela gatos com sua bicicleta, é um fardo, um fado, um problema filosófico, para alguns, o maior dos séculos 19 e 20, que reuniu ao seu redor gente como Nietzsche, Freud, Schopenhauer, Dostoiévski, Turguêniev, Cioran, Bernanos, Berdiaev e o próprio Nelson.
Não é o drama do "serial killer" de TV. É o drama do policial honesto diante da inexistência do bem como forma de ordenamento do mundo.
Não pressinto o niilismo quando escrevo por aí poemas ruins sobre a agonia dos pobres nas ruas, pressinto o niilismo quando sei que esses poemas são mentiras na forma de marketing da ética, uma especialização do recém-criado "personal marketing". Ambos logo serão um MBA na área de recursos humanos.
Certa feita, falando sobre sua peça "Bonitinha, Mas Ordinária", Nelson disse (respire fundo): "A nossa opção, repito, é entre a angústia e a gangrena. Ou o sujeito se angustia ou apodrece. E, se me perguntarem o que eu quero dizer com minha peça, eu responderia: que só os neuróticos verão a Deus".
Bem-aventurados os de sorriso raro e de beleza tímida. Bem-aventurados os que se desesperam, mas não desistem, porque deles é o reino dos céus.
---------------------------
* Filósofo. Prof. Universitário. Colunista da Folha
* Filósofo. Prof. Universitário. Colunista da Folha
Fonte: Folha online, 28/03/2011
Imagem da Internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário