Carlo Ginzburg
Por César Fraga*
No final de 2011, por conta de sua passagem por Porto Alegre, o historiador italiano Carlo Ginzburg concedeu entrevista exclusiva ao Extra Classe, por ocasião de sua conferência no projeto Fronteiras do Pensamento. Trata-se do autor de Os andarilhos do bem (1976) e Os queijos e os Vermes (1976), obras que colocariam em evidência o conceito de micro-história, que privilegia personagens comuns em detrimento dos grandes vultos. Em Os Queijos..., livro que o tornou mundialmente conhecido, influente e objeto de estudo no meio acadêmico, Ginzburg se notabilizou por explorar o cotidiano e o ideário de um moleiro perseguido pela Inquisição na Itália do século 16, chamado Domenico Scandella, conhecido por Menocchio. Nesta entrevista, Ginzburg nos fala de sua trajetória como intelectual, sobre os conceitos que ajudou a forjar, além de criticar informações falsas que circulam na internet e o excesso de fragmentação dos textos, intensificado pela massificação das ferramentas de busca on-line.
Extra Classe – O que é euforia da ignorância?
Carlo Ginzburg – Este é um termo que uso para descrever meu sentimento quando inicio o estudo de um novo assunto. Ou seja, eu não sei nada e estou aprendendo. É algo que eu gosto muito. E esta é uma das razões pelas quais eu nunca me tornei um especialista. Na verdade, eu busco evitar me tornar um especialista ao trabalhar com assuntos diferentes, porque eu tenho de aprender algo o tempo todo a partir do zero.
Carlo Ginzburg – Este é um termo que uso para descrever meu sentimento quando inicio o estudo de um novo assunto. Ou seja, eu não sei nada e estou aprendendo. É algo que eu gosto muito. E esta é uma das razões pelas quais eu nunca me tornei um especialista. Na verdade, eu busco evitar me tornar um especialista ao trabalhar com assuntos diferentes, porque eu tenho de aprender algo o tempo todo a partir do zero.
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EC – De que forma seus pais, o professor e tradutor Leone Ginzburg e a romancista Natalia Ginzburg , influenciaram ou ainda influenciam em seus escritos e na sua forma de pensar?
Ginzburg – Eu fui influenciado por ambos de forma profunda. Meu pai foi um filologista que escreveu sobre história, literatura e apesar de ter morrido quando eu tinha apenas cinco anos, ele sempre foi muito presente na minha vida, não apenas pelo seu trabalho, mas também pelo seu compromisso político. Ele se envolveu com o movimento antifascista nos anos 30, passou dois anos na cadeia e trabalhou nas atividades de resistência à ocupação nazista em Roma, onde morreu em 1944, numa prisão controlada pelos nazistas. Eu nunca tive nenhum tipo de envolvimento comparável ao dele e nem tive comprometimento político, mas como um exemplo, ele foi muito importante. Minha mãe foi uma romancista e eu aprendi muito com ela e com seus livros e penso que meu prazer em escrever está relacionado com seu exemplo. Apesar de eu escrever sobre temas históricos, aprendi muito com os romances.
EC – Como um apaixonado por ficção escolhe por ofício escrever história e sobre a História?
Ginzburg – Em primeiro lugar, historiadores utilizam muitos tipos de narrativas e há um conteúdo que fica entre a narrativa ficcional e a narrativa histórica. Mas eu sou totalmente contra algumas correntes, em especial as acadêmicas norte-americanas, que dizem que a fronteira entre a história ficcional e a real é o sangue. Ou seja, não há uma distinção rigorosa. Isso está errado e é uma atitude perigosa com implicações políticas. Eu acho que existe uma competição que vem se desenhando por muito tempo, séculos, talvez milênios, entre a narrativa ficcional e a narrativa histórica. Historiadores aprenderam com poetas e romancistas e existe a competição da realidade. Mas nós podemos aprender muito com os romancistas e outros estilos também. Por exemplo, Balzac, que eu menciono em um dos meus textos, diz “Eu serei o historiador do século XIX”.
EC – Como o senhor vê livros de História que utilizam técnicas da ficção?
Ginzburg – Existem algumas técnicas que estão sendo usadas por historiadores e outras que estão sendo usadas pelos romancistas, e elas podem se misturar. Por exemplo, eu escrevi um texto sobre o estranhamento como técnica, que é a ideia de que você olha para algo e não o entende por completo, então você descreve o evento. A ideia de opacidade é o primeiro passo para aprofundar o conhecimento, eu acho que isso pode ser usado numa perspectiva histórica também. Por exemplo, existe um ótimo livro de Karl Polanyi, um economistra, antropólogo e historiador húngaro, chamado The Great Transformation (A Grande Transformação), que trata da revolução industrial no século 19 na Inglaterra sem apresentar o fenômeno, de uma forma nunca antes feita, mas é um ótimo livro. Então a ideia de não entender o assunto é o primeiro passo para aprofundar o conhecimento. Me parece que essa técnica, que vem sendo usada em textos ficcionais, também pode ser usada em contextos históricos. Existem alguns exemplo famosos em Tolstói, quando Natacha se apaixona por Anatol. Ela olha para o balé e há uma descrição sem sentido, ou seja, a ideia de descrever eventos inexpressivos como o primeiro passo para o conhecimento me parece uma abordagem cognitiva muito poderosa.
EC – Qual aspecto da História lhe interessa mais?
Ginzburg – Não importa. Nós tendemos a usar analogias, mas você pode começar de um exemplo e pode começar a usá-lo num contexto diferente. Ao imaginarmos alguém descrevendo o sistema da escravidão, podemos pegar muitos aspectos deste assunto como um sistema, mas o que aconteceria se disséssemos que nós não entendemos o que é escravidão, que vamos tentar olhar para a escravidão para o um fenômeno desconhecido? Estou citando a escravidão, pois sei que o Brasil já passou por isso. Mas o que eu quero dizer é, tente voltar um pouco no tempo e dizer, eu não entendo o que é isso.
EC – Por que o senhor considera Borges um escritor de segunda classe apesar de tê-lo influenciado via Ítalo Calvino?
Ginzburg – Borges foi um escritor muito talentoso, mas não explorou seu talento completamente. Eu não sou especialista em Borges, estou falando como leitor, mas acho que ele não se comprometeu com a representação e com a experiência da dor. Mas tem uma exceção, um conto que eu achei muito interessante, chamado Emma Zunz, que mostra um lado inesperado de Borges. Mas acho que ele se afastou disso e preferiu não correr riscos emocionais e intelectuais. Há um lado emocional que ele tenta controlar. É o que eu percebo. E é por isso que digo que ele poderia ser um escritor bem melhor nesse sentido. Mas veja bem, eu gosto muito dele e, na verdade, neste momento estou escrevendo um texto em que o utilizo.
EC – Por que o senhor considera Borges um escritor de segunda classe apesar de tê-lo influenciado via Ítalo Calvino?
Ginzburg – Borges foi um escritor muito talentoso, mas não explorou seu talento completamente. Eu não sou especialista em Borges, estou falando como leitor, mas acho que ele não se comprometeu com a representação e com a experiência da dor. Mas tem uma exceção, um conto que eu achei muito interessante, chamado Emma Zunz, que mostra um lado inesperado de Borges. Mas acho que ele se afastou disso e preferiu não correr riscos emocionais e intelectuais. Há um lado emocional que ele tenta controlar. É o que eu percebo. E é por isso que digo que ele poderia ser um escritor bem melhor nesse sentido. Mas veja bem, eu gosto muito dele e, na verdade, neste momento estou escrevendo um texto em que o utilizo.
EC – Como um apaixonado por ficção escolhe por ofício escrever história e sobre a História?
Ginzburg – Em primeiro lugar, historiadores utilizam muitos tipos de narrativas e há um conteúdo que fica entre a narrativa ficcional e a narrativa histórica. Mas eu sou totalmente contra algumas correntes, em especial as acadêmicas norte-americanas, que dizem que a fronteira entre a história ficcional e a real é o sangue. Ou seja, não há uma distinção rigorosa. Isso está errado e é uma atitude perigosa com implicações políticas. Eu acho que existe uma competição que vem se desenhando por muito tempo, séculos, talvez milênios, entre a narrativa ficcional e a narrativa histórica. Historiadores aprenderam com poetas e romancistas e existe a competição da realidade. Mas nós podemos aprender muito com os romancistas e outros estilos também. Por exemplo, Balzac, que eu menciono em um dos meus textos, diz “Eu serei o historiador do século XIX”.
EC – Como o senhor vê livros de História que utilizam técnicas da ficção?
Ginzburg – Existem algumas técnicas que estão sendo usadas por historiadores e outras que estão sendo usadas pelos romancistas, e elas podem se misturar. Por exemplo, eu escrevi um texto sobre o estranhamento como técnica, que é a ideia de que você olha para algo e não o entende por completo, então você descreve o evento. A ideia de opacidade é o primeiro passo para aprofundar o conhecimento, eu acho que isso pode ser usado numa perspectiva histórica também. Por exemplo, existe um ótimo livro de Karl Polanyi, um economistra, antropólogo e historiador húngaro, chamado The Great Transformation (A Grande Transformação), que trata da revolução industrial no século 19 na Inglaterra sem apresentar o fenômeno, de uma forma nunca antes feita, mas é um ótimo livro. Então a ideia de não entender o assunto é o primeiro passo para aprofundar o conhecimento. Me parece que essa técnica, que vem sendo usada em textos ficcionais, também pode ser usada em contextos históricos. Existem alguns exemplo famosos em Tolstói, quando Natacha se apaixona por Anatol. Ela olha para o balé e há uma descrição sem sentido, ou seja, a ideia de descrever eventos inexpressivos como o primeiro passo para o conhecimento me parece uma abordagem cognitiva muito poderosa.
EC – Qual aspecto da História lhe interessa mais?
Ginzburg – Não importa. Nós tendemos a usar analogias, mas você pode começar de um exemplo e pode começar a usá-lo num contexto diferente. Ao imaginarmos alguém descrevendo o sistema da escravidão, podemos pegar muitos aspectos deste assunto como um sistema, mas o que aconteceria se disséssemos que nós não entendemos o que é escravidão, que vamos tentar olhar para a escravidão para o um fenômeno desconhecido? Estou citando a escravidão, pois sei que o Brasil já passou por isso. Mas o que eu quero dizer é, tente voltar um pouco no tempo e dizer, eu não entendo o que é isso.
EC – Por que o senhor considera Borges um escritor de segunda classe apesar de tê-lo influenciado via Ítalo Calvino?
Ginzburg – Borges foi um escritor muito talentoso, mas não explorou seu talento completamente. Eu não sou especialista em Borges, estou falando como leitor, mas acho que ele não se comprometeu com a representação e com a experiência da dor. Mas tem uma exceção, um conto que eu achei muito interessante, chamado Emma Zunz, que mostra um lado inesperado de Borges. Mas acho que ele se afastou disso e preferiu não correr riscos emocionais e intelectuais. Há um lado emocional que ele tenta controlar. É o que eu percebo. E é por isso que digo que ele poderia ser um escritor bem melhor nesse sentido. Mas veja bem, eu gosto muito dele e, na verdade, neste momento estou escrevendo um texto em que o utilizo.
EC – Por que o senhor considera Borges um escritor de segunda classe apesar de tê-lo influenciado via Ítalo Calvino?
Ginzburg – Borges foi um escritor muito talentoso, mas não explorou seu talento completamente. Eu não sou especialista em Borges, estou falando como leitor, mas acho que ele não se comprometeu com a representação e com a experiência da dor. Mas tem uma exceção, um conto que eu achei muito interessante, chamado Emma Zunz, que mostra um lado inesperado de Borges. Mas acho que ele se afastou disso e preferiu não correr riscos emocionais e intelectuais. Há um lado emocional que ele tenta controlar. É o que eu percebo. E é por isso que digo que ele poderia ser um escritor bem melhor nesse sentido. Mas veja bem, eu gosto muito dele e, na verdade, neste momento estou escrevendo um texto em que o utilizo.
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EC – É um novo livro? Do que trata?
Ginzburg – Não é um livro, mas um ensaio sobre alguns aspectos do ofício de historiador na atualidade.
Ginzburg – Não é um livro, mas um ensaio sobre alguns aspectos do ofício de historiador na atualidade.
EC – Quem seria um excelente escritor de primeira classe, na sua opinião?
Ginzburg – Se você me perguntar, os escritores que eu mais gosto são muitos como Tolstói, Standalone, Proust, Baudrillard, Dante, Leopardi etc... Eu acho que Borges gostava mais de jogos intelectuais e deveria ter feito mais isso, é o que penso, mas ele é muito inteligente e o admiro, repito.
EC – Como observar a História a partir de uma visão periférica?
Ginzburg – Periferia é um conceito multifacetado, estranho, porque você pode falar de periferia num contexto geográfico ou intelectual. Fenômenos marginais, especialmente anomalias, chamam a atenção para fenômenos maiores e centrais. A ideia de começar com fenômenos considerados marginais é algo que eu relamente gosto. Meu argumento para isso é que se você começa pelo fato considerado normal, não conseguirá prever todas as anomalias, mas se você começar por elas, as normalidades surgirão facilmente. Ou seja, de um ponto de vista cognitivo, anomalias são mais produtivas.
EC – Se o senhor fosse escrever Os queijos e os vermes nos dias de hoje, seria uma obra diferente? Por quê?
Ginzburg – Certamente eu escreveria um livro diferente, mas a questão é que eu escreveria um livro diferente porque ele já foi escrito. Essa é a razão. Por exemplo, a introdução do livro é ao mesmo tempo agressiva e defensiva, e isso não é uma justificativa, porque eu escrevi o livro para ser único, mas ele seria diferente simplesmente pelo fato de já existir.
EC – O que o senhor considera uma visão míope ou provinciana da História?
Ginzburg – Eu diria que a perspectivas etnocêntricas por definição são provincianas.
EC – Como o senhor classifica o que é verdadeiro, falso ou fictício em narrativas históricas e qual o perigo de não haver essa distinção?
Ginzburg – Meu argumento tem sido de que não há uma distinção que seja importante apenas para historiadores, elas são importantes para todo mundo. Se você está pagando com uma nota em dinheiro, você pode se perguntar, ela a verdadeira ou falsa? E de repente nos damos conta de que não apenas pelas mentiras, incluindo as mentiras politicamente oficiais, nós todos lidamos com esses três elementos para sobreviver neste mundo. É por isso que digo que não são problemas técnicos, mas problemas relacionados ao dia a dia de todos.
EC – Como o senhor classifica o que é verdadeiro, falso ou fictício em narrativas históricas e qual o perigo de não haver essa distinção?
Ginzburg – Meu argumento tem sido de que não há uma distinção que seja importante apenas para historiadores, elas são importantes para todo mundo. Se você está pagando com uma nota em dinheiro, você pode se perguntar, ela a verdadeira ou falsa? E de repente nos damos conta de que não apenas pelas mentiras, incluindo as mentiras politicamente oficiais, nós todos lidamos com esses três elementos para sobreviver neste mundo. É por isso que digo que não são problemas técnicos, mas problemas relacionados ao dia a dia de todos.
EC – Sua obra de maior renome, Os queijos e os vermes, se enquadraria em qual dessas categorias narrativas?
Ginzburg – Eu tentei escrever uma narrativa verdadeira, usando estratégias que foram parcialmente suportadas pela ficção, mas o objetivo é a verdade.
EC – O senhor tem algum trabalho em andamento para ser publicado?
Ginzburg – Muitos, mas no momento estou envolvido num projeto relacionado a uma abordagem comparativa das religiões, mais especificadamente com a expansão colonial europeia, usando-a como um mapa de trabalho para comparação dessas religiões.
EC – Por que o Google é um poderoso instrumento de pesquisa histórica e de cancelamento da História ao mesmo tempo?
Ginzburg – Trata-se de um instrumento muito poderoso, mas também é igualmente perigoso. Existem perigos e potencialidades. Este assunto foi, de fato, a essência da minha palestra em Porto Alegre onde destaquei, entre outras coisas, que a escola e a internet possuem interdependência. Quem sabe ler um livro devagar, saboreando-o aos poucos, também sabe fazer um bom uso do grande número de informações que está na web. Por outro lado, quem não possui aprendizado anterior com o livro, pode não saber distinguir o que é falso, e há muita coisa falsa on-line. A internet não só referencia os livros, ela os pressupõe.
EC – Como o senhor vê o Google Books?
Ginzburg – A privatização de bens públicos instrumentalizada por esta ferramenta, monopolizando- os, por meio da digitalização de obras é evidente e tem sido amplamente discutida. Entre os críticos do Google Books estão pessoas como Robert Darnton, no New York Review of Books (revista norte-americana de artigos sobre literatura e cultura) e também por Roger Chartier, presidente do Conselho Científico da Biblioteca Nacional da França, e meu amigo pessoal. Chartier defende que precisamos saber como dominar os instrumentos de conhecimento. Para ele, o Google Books, por conta dessa monopolização e da forma como os conteúdos são apresentados, induz a uma leitura fragmentada, que isola frases e palavras e apaga a especificidade dos suportes materiais.
EC – Se o senhor fosse escrever Os queijos e os vermes nos dias de hoje, seria uma obra diferente? Por quê?
Ginzburg – Certamente eu escreveria um livro diferente, mas a questão é que eu escreveria um livro diferente porque ele já foi escrito. Essa é a razão. Por exemplo, a introdução do livro é ao mesmo tempo agressiva e defensiva, e isso não é uma justificativa, porque eu escrevi o livro para ser único, mas ele seria diferente simplesmente pelo fato de já existir.
EC – O que o senhor considera uma visão míope ou provinciana da História?
Ginzburg – Eu diria que a perspectivas etnocêntricas por definição são provincianas.
EC – Como o senhor classifica o que é verdadeiro, falso ou fictício em narrativas históricas e qual o perigo de não haver essa distinção?
Ginzburg – Meu argumento tem sido de que não há uma distinção que seja importante apenas para historiadores, elas são importantes para todo mundo. Se você está pagando com uma nota em dinheiro, você pode se perguntar, ela a verdadeira ou falsa? E de repente nos damos conta de que não apenas pelas mentiras, incluindo as mentiras politicamente oficiais, nós todos lidamos com esses três elementos para sobreviver neste mundo. É por isso que digo que não são problemas técnicos, mas problemas relacionados ao dia a dia de todos.
EC – Como o senhor classifica o que é verdadeiro, falso ou fictício em narrativas históricas e qual o perigo de não haver essa distinção?
Ginzburg – Meu argumento tem sido de que não há uma distinção que seja importante apenas para historiadores, elas são importantes para todo mundo. Se você está pagando com uma nota em dinheiro, você pode se perguntar, ela a verdadeira ou falsa? E de repente nos damos conta de que não apenas pelas mentiras, incluindo as mentiras politicamente oficiais, nós todos lidamos com esses três elementos para sobreviver neste mundo. É por isso que digo que não são problemas técnicos, mas problemas relacionados ao dia a dia de todos.
EC – Sua obra de maior renome, Os queijos e os vermes, se enquadraria em qual dessas categorias narrativas?
Ginzburg – Eu tentei escrever uma narrativa verdadeira, usando estratégias que foram parcialmente suportadas pela ficção, mas o objetivo é a verdade.
EC – O senhor tem algum trabalho em andamento para ser publicado?
Ginzburg – Muitos, mas no momento estou envolvido num projeto relacionado a uma abordagem comparativa das religiões, mais especificadamente com a expansão colonial europeia, usando-a como um mapa de trabalho para comparação dessas religiões.
EC – Por que o Google é um poderoso instrumento de pesquisa histórica e de cancelamento da História ao mesmo tempo?
Ginzburg – Trata-se de um instrumento muito poderoso, mas também é igualmente perigoso. Existem perigos e potencialidades. Este assunto foi, de fato, a essência da minha palestra em Porto Alegre onde destaquei, entre outras coisas, que a escola e a internet possuem interdependência. Quem sabe ler um livro devagar, saboreando-o aos poucos, também sabe fazer um bom uso do grande número de informações que está na web. Por outro lado, quem não possui aprendizado anterior com o livro, pode não saber distinguir o que é falso, e há muita coisa falsa on-line. A internet não só referencia os livros, ela os pressupõe.
EC – Como o senhor vê o Google Books?
Ginzburg – A privatização de bens públicos instrumentalizada por esta ferramenta, monopolizando- os, por meio da digitalização de obras é evidente e tem sido amplamente discutida. Entre os críticos do Google Books estão pessoas como Robert Darnton, no New York Review of Books (revista norte-americana de artigos sobre literatura e cultura) e também por Roger Chartier, presidente do Conselho Científico da Biblioteca Nacional da França, e meu amigo pessoal. Chartier defende que precisamos saber como dominar os instrumentos de conhecimento. Para ele, o Google Books, por conta dessa monopolização e da forma como os conteúdos são apresentados, induz a uma leitura fragmentada, que isola frases e palavras e apaga a especificidade dos suportes materiais.
EC – Mas a fragmentação da leitura e do pensamento é um fenômeno que precede a existência da web?
Ginzburg – Sim, a fragmentação da leitura não é uma novidade que surge com a web. Nenhuma teoria explica as inumeráveis conexões que são rapidamente desencadeadas quando lemos um texto. O índice, por exemplo, foi inventado para ler a Bíblia e para ajudar a encontrar trechos, o que se tornou bastante útil para preparar aulas e sermões.
--------------------------------------Ginzburg – Sim, a fragmentação da leitura não é uma novidade que surge com a web. Nenhuma teoria explica as inumeráveis conexões que são rapidamente desencadeadas quando lemos um texto. O índice, por exemplo, foi inventado para ler a Bíblia e para ajudar a encontrar trechos, o que se tornou bastante útil para preparar aulas e sermões.
(* Com tradução de Grazieli Gotardo)
cesar.fraga@sinprors.org.brFonte: http://www.sinprors.org.br/extraclasse/mar11/entrevista.asp
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