LUÍS AUGUSTO FISCHER*
Entre as habilidades de imaginar e de repetir há uma polaridade tensa, que faz parte da nossa vida de professores. Regra geral, nós queremos que nossos alunos aprendam a imaginar, quando nós precisamos repetir, ano a ano, turma a turma. Numa ocasião, vivi uma experiência trivial que para mim foi, como dizia a antiga comparação, raio em céu azul, um negócio inusitado. Era um final de ano, no Colégio Anchieta, em que eu lecionava para todos os vários terceiros anos, alunos portanto saindo da escola, em seguida fazendo o vestibular e indo para a idade adulta.
Estava numa roda de alunos gente-fina, acolhedores, parceiros, que estavam entre aqueles que mais davam retorno, intelectual e afetivo, gente que sempre aparece na vida de qualquer professor (mas nunca são a maioria). Era já daqueles derradeiros dias, em que os alunos prestam alguma prova e podem voltar para casa mas acabam ficando por ali, querendo e não querendo fugir do círculo de giz em que viveram tantos anos, na escola. Lá pelas tantas, entra em causa o que cada um estaria fazendo no ano seguinte: um declarou que iria viajar, aproveitar para fazer um intercâmbio, do qual retornaria no meio do ano para finalmente se preparar para o vestibular; outro disse que esperava já estar cursando a faculdade escolhida, coisa que todos os outros também desejavam, um na Medicina, outro no Direito, outro na Economia etc.
Um aluno em particular, gente muito boa, irrefletidamente se vira pra mim e me pergunta a mesma coisa, o que é que eu estaria fazendo no ano seguinte. Foi um choque para mim, um excelente choque. Me dei conta de duas coisas ao mesmo tempo: primeiro, que é claro que eu estaria (se não fosse demitido) ali mesmo, com outros alunos que eu teria acompanhado por todo um ano letivo, e segundo que é claro que ele não tinha se dado conta disso; e não tinha percebido tanto porque estava me considerando um igual na conversa, quanto porque não pensava em mim como um profissional – o que por sua vez é muitíssimo representativo do universo de uma escola: os alunos vivem de modo tão intenso, tão íntimo, tão familiar aquele mundo, que o consideram parte da vida, da vida que eles até então conhecem, que é pouco mais que a família e a própria escola.
Em um outro nível, percebi que a hipótese de eu estar ali no ano seguinte, vivendo talvez com a mesma intensidade um momento similar àquele, envolvia – profundamente, entranhadamente – estar preparado para a repetição.
-----------------------------------*Escritor, ensaísta e professor universitário.
Fonte: ZH online, 15/03/2011
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