sexta-feira, 25 de março de 2011

O que fazem adolescentes com o celular

 
Para muito além do clichê em que acabaria por se transformar, Marshall McLuhan permanece atual - ainda mais do que já foi. Essa é a opinião partilhada por dois especialistas na obra do teórico da comunicação ouvidos pelo Valor. Philip Marchand, responsável pela catalogação de seus escritos para os Arquivos Nacionais do Canadá, diz que conceitos como "aldeia global", "impacto sensorial" e "o meio é a mensagem" representam um alerta sobre "os efeitos de qualquer mídia sobre a psique humana". Já W. Terrence Gordon, professor universitário em Halifax, autor de uma biografia autorizada e de "McLuhan - A Guide for the Perplexed" (Um guia para os perplexos, ed. Continuum), ressalta o papel preventivo de suas ideias. "Ele queria que as pessoas perguntassem o que a tecnologia está provocando em você, sua família, seus vizinhos, seu planeta'".
Os dois, que o conheceram pessoalmente, ressaltam seu caráter amigável e generoso. Para ambos, o profeta que anteviu como a forma passaria a dominar o conteúdo era antes de tudo alguém preocupado com o ser humano. "Ele queria elevar o nível de conscientização das pessoas", arremata Terrence Gordon.

Valor: A mudança do paradigma atual da mídia eletrônica - da TV para a internet - pode ter envelhecido as teses de McLuhan?
Philip Marchand: Não, pois ele argumentava que os efeitos de qualquer mídia sobre a psique deveriam ser cuidadosamente estudados. Por exemplo, estava interessado no rádio e na mídia impressa, embora parecessem superadas pela TV. Mas, como observou, essas velhas tecnologias não se evaporaram, ao contrário, após algum tempo, tornaram-se ainda mais presentes. A TV é hoje tanto parte de nossa cultura como o fora antes do surgimento da internet.
W. Terrence Gordon: O que disse sobre a TV e todas as tecnologias, de clipes de papel a computadores, é que são extensões de nossos corpos. Logo, trata-se de um modo de olhar para elas e tentar pensar que impacto têm.

Valor: Seus conceitos ainda são válidos?
Marchand: São. E talvez ainda mais do que eram. O planeta é mais do que nunca uma aldeia global, dado o uso disseminado de celulares com vídeo, transmissão de TV 24 horas etc. "O meio é a mensagem" ainda é válido, à medida que a nova mídia altera nossa compreensão. Qualquer mídia, nova ou velha, tem impacto sensorial, afetando nosso sistema nervoso.
Gordon: Como a comunicação é mais rápida que nunca, o mundo é cada vez mais uma aldeia global. O conceito de impacto sensorial será válido enquanto os humanos tiverem olhos, ouvidos, narizes, línguas. "O meio é a mensagem" será válido enquanto o homem inventar coisas que modifiquem o modo como as vidas pessoal, social e política se organizam.

Valor: O que significa hoje a frase "O meio é a mensagem", que se tornou quase um mantra?
Marchand: Vou responder com uma pergunta: você acha que a conversa e o comportamento dos adolescentes foram afetados pelos celulares? De um certo ponto de vista, o celular apenas permite que duas pessoas conversem como se estivessem usando telefones comuns. Mas o modo como os adolescentes falam entre si e a necessidade que sentem de se manterem em contato via celular é um efeito desse tipo específico de meio.
Gordon: Quando McLuhan diz "mensagem", isso não significa "informação", mas "efeito". É um modo de dizer que o próprio meio é mais poderoso em seus efeitos do que os dados que são transmitidos através dele.

Valor: McLuhan anteviu mídias como a internet ou mesmo o Facebook?
Marchand: Ele não previu explicitamente o Facebook. Mas cito um trecho de seu livro "Os Meios de Comunicação Como Extensões do Homem" (1964): "Hoje, os filmes ainda estão em sua fase de manuscrito; mas, em breve, com a pressão da TV, entrarão na fase do livro impresso - acessível e portátil. Em breve, qualquer pessoa será capaz de ter um projetor pequeno e barato, que use um filme de 8 mm como se fosse uma TV." É claro que ele não sabia do que falava quando mencionou o "8 mm", mas previu que os filmes iriam sofrer mudança similar à ocorrida dos manuscritos para os livros impressos. Não previu explicitamente como isso iria acontecer - não previu o surgimento de CDs e DVDs -, mas previu com muita agudeza algo equivalente, tanto em forma quanto em efeito. McLuhan era um mestre em ver como a forma domina o conteúdo, e essa capacidade fez dele uma espécie de profeta.
Gordon: Não. Fez poucas previsões específicas, mas queria elevar o nível de conscientização sobre os efeitos da mídia. "O meio é a mensagem" é um modo de dizer que "como" é mais importante do que "o quê".

Valor: McLuhan era otimista demais quanto aos efeitos da tecnologia?
Marchand: Alertava que viver em uma aldeia global poderia não ser uma experiência agradável, pois, em uma aldeia, as pessoas irritam umas às outras, pois há pouca privacidade.

Valor: Por que McLuhan optou por viver a maior parte do tempo no Canadá e não mudar-se para países com mídias mais avançadas, como EUA ou Reino Unido?
Marchand: Ele parecia gostar do ritmo mais calmo do Canadá. Toronto é uma cidade única, devido à sua proximidade com os Estados Unidos - hoje e àquela época, temos acesso às redes de TV de ambos os países. McLuhan sempre disse que os canadenses têm completo acesso à experiência americana, mas sem se comprometerem com seus objetivos. Ele gostava de ficar nessa posição.
Gordon: Ele não queria viver nos EUA porque acreditava que suas ideias seriam aceitas lá sem que fossem realmente compreendidas.

Valor: Como ele era na intimidade?
Marchand: Eu o conheci em 1969, após ter retirado um tumor do cérebro. Era gentil e amigável, mas podia ser impaciente. Sua principal fraqueza era não prestar atenção no que as pessoas diziam, a menos que atraíssem seu interesse.
Gordon: Intenso, enérgico, carinhoso e pensativo. Era de uma elegância que tinha a ver com seu modo de falar e nada a ver com seu jeito de se vestir. Talvez sua qualidade mais admirável fosse ser um homem instruído que queria continuar aprendendo com quem encontrava.
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REPORTAGEM POR: Marcos Flamínio Peres | Para o Valor, de São Paulo 
Fonte: Valor Econômico online, 25/03/2011

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