"A bomba atômica é inútil e obsoleta"
Os arsenais nucleares não podem mais ser usados e servem apenas aos planos terroristas, diz o premiado historiador americano, considerado o maior especialista do mundo na corrida armamentista
José Galisi Filho MUDANÇAS
Rhodes mostra que a bomba só foi arma de guerra
quando era exclusiva de um único país
"Fiquei impressionado com a iniciativa mediadora do
Brasil no Irã. Os melhores negociadores para refrear
ânimos são os independentes”
"No 11 de setembro, a Al Qaeda deixou claro que seu próximo ataque será
com um artefato nuclear. Essa é uma ameaça existencial para os EUA"
Richard Rhodes - Houve uma mudança fundamental nessa situação, percebida até por setores conservadores. Grupos subnacionais, como a Al Qaeda, que não têm territórios ou uma população para defender, podem vir a ter acesso ao poder incomensurável de materiais enriquecidos. Isso representa uma ameaça existencial para os Estados Unidos. No entanto, a resposta que o presidente George W. Bush deu ao 11 de setembro, atacando um país que não tinha absolutamente nada a ver, atirando às cegas, acabou fortalecendo a ação desses grupos com o caos que se seguiu à invasão do Iraque.
Isto é - Então, estamos numa situação pior do que antes do ataque?
Richard Rhodes - Sim. Nem os Estados Unidos nem outros países estão seguros enquanto dispuserem de um arsenal nuclear com base na ameaça. Isso não representa mais nenhuma segurança. É exatamente o contrário.
Isto é - Parece que o legado dos anos Bush foi a organização do medo e da vulnerabilidade, que estavam enraizados nos EUA desde a Guerra Fria...
Richard Rhodes -Bush não entendeu uma lição estabelecida desde a Guerra da Coreia: num mundo nuclear é impossível ter uma vitória clara. Vivemos numa situação em que armas nucleares são completamente inúteis.
Isto é - Como podem ser inúteis com um poder tão devastador?
Richard Rhodes - Armas nucleares são obsoletas. É preciso entender que elas só foram efetivamente armas de guerra numa única situação: quando apenas um país detinha seu monopólio. E se continuamos ainda a nos apegar a elas é por não termos nada melhor em que pensar. Depois do Holocausto, de Hiroshima e Nagasaki, a ideia de que a destruição pode ir até o fim, sem limites, se tornou um tabu civilizatório na arena da nação-estado. Ficou claro que não podemos viver num mundo em que populações inteiras possam ser destruídas. Isso representou uma mudança moral na natureza da guerra entre as nações-estado. Reduzir o dano colateral virou imperativo moral. Após a Guerra Fria, a ideia da destruição total deslocou-se para as guerras civis e tribais como em Ruanda, ou como na guerra civil na ex-Iugoslávia.
Isto é - O que esperar do futuro, então?
Richard Rhodes -As potências nucleares remanescentes vão perceber gradualmente que essas armas são, em primeiro lugar, perigosas para si mesmas, pois conduzem à ameaça por outras potências e vizinhos. E a longo prazo vão perceber que seus arsenais são inúteis e é melhor viver num mundo sem armas nucleares.
Isto é - Os Estados Unidos estão nesse caminho?
Richard Rhodes - A sociedade americana começou a perceber que o segredo e o poder das comunidades de inteligência tomaram conta de nossas vidas. Isso se iniciou com o segredo das armas nucleares do complexo militar e lentamente inundou grandes setores do governo. Hoje esse avanço ameaça engolir todo o processo democrático. O 11 de setembro consolidou o poder de um enorme aparelho de segurança, a Homeland Security Agency, que está se infiltrando em cada poro da vida cotidiana. Posso parecer paranoico, mas é exatamente isso que está ocorrendo. Conduzir uma política externa secreta num mundo completamente armado tem como efeito, a longo prazo, a atrofia dos processos democráticos.
Isto é - Existe algum meio de os EUA se protegerem de um ataque nuclear?
Richard Rhodes -Um meio efetivo não existe, salvo a atividade policial rotineira e a espionagem tradicional.
Isto é - Os EUA perseguem o programa espacial “guerra nas estrelas”, enquanto a China e outras nações começam a desafiar a hegemonia americana nessa corrida. Como o sr. vê a militarização do espaço?
Richard Rhodes -Não é nada fácil ter armas espaciais porque não é fácil ter máquinas que olhem para baixo, coletem e filtrem todas essas informações espalhadas pela superfície ao mesmo tempo. No entanto, é muito mais fácil construir um sistema antissatélites, capaz de tirá-los de órbita. Embora o aparato militar americano, bem como o de outros países, ainda sonhe com estações orbitais, penso que o mais importante aspecto do uso militar do espaço ainda esteja na terra, como ficou demonstrado nas duas guerras do Iraque. É justamente a simbiose das informações em tempo real entre o campo de batalha e os satélites que vai determinar o futuro da guerra convencional.
Isto é - O presidente Barack Obama disse, em seu discurso em Praga, que os EUA se comprometem a não usar artefatos nucleares contra Estados não-nucleares, mesmo se atacados com essas armas. A proposta do arsenal zero é realista? Podemos voltar os ponteiros do relógio?
Richard Rhodes - Estou muito otimista com Obama, porque “sim, nós podemos” voltar os ponteiros do relógio. Obama está retomando a ideia da segurança comum e dos mecanismos de controle multilaterais. Não pode haver um país que diga, “deixo inspecionarem essa parte de nosso território, mas aquela não”. Esse é um dos pressupostos da posição de Obama. Mas muitos países não gostam da ideia de que tudo deve ser aberto, porque as inspeções poderiam parecer sinais de fraqueza. O segundo pressuposto colocado por Obama é que, num mundo sem armas nucleares, você teria de manter a capacidade de recompor seu arsenal se fosse necessário – isso se alguém trapaceasse e não pudesse mais ser detido. Essa ideia vem sendo denominada “arsenal virtual”.
Isto é - E como ficariam os países que não são signatários do Tratado de Não Proliferação Nuclear?
Richard Rhodes - Claro que há exceções, como a Coreia do Norte e o Iraque. Mas eles são pequenos países periféricos. O Irã é um outro caso muito especial. Mesmo assim, acho que valeria a pena viver num mundo sem armas nucleares. Muitos argumentam que, se chegássemos nesse ponto, estaríamos criando um mundo mais seguro para as guerras convencionais. Acho que não. A possibilidade de uma guerra convencional escalar direto para um confronto nuclear seria igual à de hoje. Não mudaria em nada. Então, por que não tentar zerar? Esse seria um passo fundamental para o Oriente Médio.
Isto é - Falando em Oriente Médio, imaginemos um cenário de horror, em que extremistas islâmicos tomassem de assalto o poder no Paquistão. Os americanos têm um “plano B” para neutralizar um arsenal de 40 ogivas, por exemplo?
Richard Rhodes - Seria chocante se os Estados Unidos não tivessem um plano. Seria uma insanidade não tê-lo. Sei que o Paquistão, intencionalmente, dividiu seu arsenal nuclear e o dispôs em diversos lugares pensando justamente na hipótese de militantes radicais tomarem o poder, construindo uma arma suja com o material enriquecido pilhado. E se a Al Qaeda tivesse acesso à parte desse material enriquecido? Não sei se os Estados Unidos, a Otan e a Rússia seriam capazes de recuperá-los a tempo. Perguntas como essas mostram mais uma razão para eliminar de vez armas nucleares de nossos arsenais. Imaginemos uma troca nuclear entre Israel e Irã, ou Índia e Paquistão. Seria um horror além da imaginação na história humana em termos de mortes e danos ambientais. Os novos modelos climáticos mostram que uma guerra entre Índia e Pasquistão levaria a uma nova pequena era glacial. Não estamos seguros enquanto essas armas estiverem disponíveis.
Isto é - Como o sr. avalia o papel da diplomacia brasileira na mediação do conflito com o programa nuclear iraniano?
Richard Rhodes - Fiquei bastante impressionado em ver essa iniciativa mediadora. Justamente uma região que permaneceu à margem nas últimas décadas deu um passo à frente para contribuir nessa negociação complicada. Foi muito positivo. Houve muitas críticas nos Estados Unidos, porque parecia que o Brasil, sendo mediador, não estava se alinhando ao lado norte-americano. Mas a tarefa de um mediador não é escolher um lado, mas achar os pontos comuns para uma negociação.
Isto é - Mas muitos brasileiros pensam que o País não tem interesses vitais na região e estaria dando um passo maior que as pernas.
Richard Rhodes -Eu acho positivo. Estados Unidos e Irã têm uma relação envenenada há 30 anos, permeada por ódios e desconfianças já tão profundas que fica muito difícil sentar à mesa. Justamente por estarem fora é que os brasileiros podiam tentar algo. Nas últimas décadas, os melhores negociadores para refrear ânimos são os pequenos, os independentes, como a Suécia e a Dinamarca.
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Fonte: REvista Isto é online, N° Edição: 2159 | 25.Mar.11 - 21:00 | Atualizado em 27.Mar.11
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