quinta-feira, 24 de março de 2011

‘O Big Bang é semelhante a um buraco negro, mas ao contrário’






Kip Thorne é um dos maiores especialistas do mundo em buracos negros, esses objetos do universo tão populares seguramente por sua violência extrema, porque engolem para sempre qualquer coisa que se aproxime demais, inclusive a luz. Thorne também gosta deles, e tem seus motivos: “Me fascinam porque neles muitas leis da física que conhecemos, não se aplicam, e assim podemos aprender coisas novas da natureza: para mim, um buraco negro é um laboratório onde se pode estudar como se comporta o espaço”. Interessam-lhe, diz, as condições extremas do cosmos e, sobretudo, a própria origem do universo: se um buraco negro é uma singularidade onde a gravidade mais intensa curva infinitamente o espaço-tempo formando o ‘poço’ definitivo do qual nada pode sair, o Big Bang é o contrário, uma singularidade da qual tudo emerge.
Thorne, de 70 anos, norte-americano, físico teórico de Caltech (Califórnia), esteve em Madri para uma conferência sobre ‘O universo curvo’, do ciclo Astrofísica e Cosmologia da Fundação BBVA. Amigo e colega de Stephen Hawking, com quem faz apostas sobre buracos negros, e que ganha, Thorne está envolvido também com um projeto cinematográfico, um filme no qual não faltarão os buracos negros e os exóticos, e só teóricos, buracos de minhoca.
A entrevista é de Alicia Rivera e está publicada no jornal espanhol El País, 23-03-2011. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Os físicos conhecem a fundo os buracos negros?
Entendemos bem quando se trata de um buraco negro estático, em equilíbrio, graças à relatividade de Einstein. Mas não entendemos tão bem os buracos negros em situações dinâmicas, isto é, quando colidem, quando giram em grande velocidade... Estudamo-los com simulações e esperamos conhecê-los melhor com os detectores de ondas gravitacionais, como o Ligo [que já está em funcionamento nos Estados Unidos, em sua fase preliminar].

São todos iguais ou há buracos negros de vários tipos?
Há buracos negros de diferentes tamanhos. Um buraco negro em equilíbrio, contanto que seja suficientemente grande para ser de tipo clássico, é um objeto simples em que todas as suas propriedades (como forma e tamanho) estão determinadas por sua massa e rotação e podem ser calculadas com a teoria de Einstein. Mas nos buracos negros muito pequenos, como aqueles que poderiam ser produzidos em um acelerador de partículas, intervêm leis da física quântica e podem ter propriedades muito diferentes que só agora começamos a compreender.

Mas que não podem ser observados diretamente.
As simulações em computador e os telescópios nos permitem conhecer muitas coisas do papel dos buracos negros no universo, mas as observações diretas só serão possíveis com os detectores de ondas gravitacionais [vibrações do espaço-tempo geradas em fenômenos como as colisões de buracos negros e que se propagam pelo espaço].

Também os buracos de minhoca?
É que os buracos de minhoca provavelmente não existem, são uma ideia teórica, mas não há nada na natureza, que saibamos, que forme um buraco de minhoca, ao passo que conhecemos bem processos que formam buracos negros, como uma estrela massiva que se esgota e se encolhe até formar um. Além disso, são objetos diferentes: um buraco negro é uma singularidade onde tudo se destrói, ao passo que num buraco de minhoca não. De alguma maneira, em teoria, um buraco de minhoca conecta dois pontos do hiperespaço... por exemplo, este lugar, em Madri, estaria conectado com a minha casa, em Pasadena.

Seria um ótimo meio de transporte.
Sim, mas não temos motivos para pensar que se formam na natureza, evidentemente também não há nenhuma lei que os proíba. Talvez uma civilização muito mais avançada possa construí-los artificialmente.

Qual é o desafio cosmológico que mais lhe interessa?
O mais emocionante é a própria origem do universo e os detectores de ondas gravitacionais, nos próximos cinco ou dez anos, podem nos ajudar a estudá-la.

Quer dizer, o autêntico momento zero?
Sim. As ondas gravitacionais podem nos dar uma imagem do próprio início. A teoria padrão diz que o Big Bang é uma flutuação de vazio e imediatamente depois uma fase de inflação que amplifica o processo. Depende dos detalhes, mas é possível conservar informações do momento inicial. Está se pensando em construir um detector de ondas gravitacionais avançado, o Big Bang Observatory, para ver diretamente as ondas gravitacionais do nascimento do universo e estudar suas propriedades.

Isto tem relação com os buracos negros?
Em certo sentido a singularidade do interior do buraco negro é como a singularidade do início do universo, mas com o tempo invertido: no Big Bang tudo emerge da singularidade, enquanto o buraco negro engole tudo. É como dar a volta ao tempo da singularidade.

E nada de antes do Big Bang.
Bom... isso gostaríamos de saber. Há teorias muito especulativas sobre se foram conservadas informações de antes do Big Bang apesar da singularidade inicial. Talvez em 20 ou 30 anos possamos abordar este assunto.

Creio que foi Stephen Hawking quem disse que postular o antes do Big Bang é tão absurdo como perguntar pelo que há no norte do Pólo Norte.
Sim. Stephen defende uma ideia do início do universo denominada sem fronteiras. É algo complicado: não define o início em função do espaço-tempo, mas só do espaço e nesse contexto não faz sentido o antes do Big Bang. Mas não sabemos se essa ideia é correta ou não.

Você fez apostas com Hawking e as ganhou.
Sim, mas Stephen é um autêntico líder mundial em buracos negros. A primeira aposta foi nos anos 70 acerca de se um objeto muito escuro do universo poderia ser um buraco negro e emitir em raios X. O objeto resultou não ser realmente um buraco negro. Depois apostamos se a natureza permite que exista uma singularidade desnuda, que seja observável de fora. Eu apostei que sim, enquanto a maioria dos cosmólogos defendia que uma singularidade está sempre escondida dentro de um buraco negro, exceto a do Big Bang. Ganhei a aposta.

E agora, além disso, está envolvido com um filme.
Sim, sou coautor, junto com outras três pessoas. É uma história de ficção científica com buracos negros, buracos de minhoca, estrelas de nêutrons... E não, não posso lhe dizer do que se trata, mas espero que esteja pronto em três anos. Além disso, quero fazer uma apresentação adjunta ao filme, explicando a ciência que está subjacente. Meu objetivo é atrair os jovens brilhantes para a ciência.
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Fonte: IHU online, 23/03/2011

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