sábado, 26 de março de 2011

O pai do Marcos

Moisés Mendes*
 Marcos Sá Correa - Imagem da Internet
 
Villas-Bôas Corrêa sempre escreveu sobre política. Tem 88 anos, trabalhou nos grandes jornais e ganhou prestígio como analista do poder nas páginas do Jornal do Brasil. Desde 2008, tem um blog. Há um mês escreve pouco sobre políticos e mais sobre o filho Marcos Sá Correa. Marcos tem 63 anos. É um dos mais brilhantes jornalistas da geração de 70. Também passou pelas principais redações do país e publica seus textos no jornal O Estado de S. Paulo e nas revistas Piauí e IstoÉ.

O que o pai escreve agora sobre o filho é o mais tocante relato pessoal da Internet no Brasil. É o doloroso diário das suas visitas à UTI da Clínica São Vicente de Paulo, no Rio, onde interage com o filho desacordado desde o dia 7 de fevereiro. Villas-Bôas nos leva para dentro da sala e, ao final de cada visita, repete que o filho irá sobreviver. Conta assim: “Com a fisionomia serena, Marcos dormia profundamente. Com as mãos nos lados da cama, nem uma ruga no rosto sereno. É óbvio que não tentei despertá-lo. Cá por dentro, o amargo de uma decepção. Esperei alguns minutos. Marcos virou o rosto e continuou dormindo”.

Marcos caiu na escada de casa, na Gávea. Teve traumatismo craniano e o rosto desfigurado pela batida contra uma escultura. Foi posto em coma induzido. Desde o primeiro dia em que entrou na UTI, Villas-Bôas puxa conversa com Marcos. No começo, alertado pelos médicos, viu um filho inerte e a escuridão. Aos poucos, passou a ter esperança e decidiu narrar as visitas no blog.

Conta detalhes. O filho está com a cabeça e parte do rosto enfaixado. Um pedaço do crânio, retirado para aliviar a pressão no cérebro, foi enxertado na barriga, para ali ficar conservado. A desolação das primeiras visitas vai sumindo, e Villas-Bôas tem certeza de que o filho inconsciente mexe com os olhos em direção ao seu rosto. Diz que Marcos agarra sua mão e sacode a perna direita.

Villas-Bôas vai ao hospital acompanhado da nora, Ângela. Um dia, contou: “Ontem, Marcos me recebeu com um largo sorriso, pegou na minha mão, enquanto Ângela limava as unhas dos pés com uma paciência e um cuidado da sua paixão pelo marido”. A mãe de Marcos, Regina, fica em casa rezando. Na última quarta-feira, a melhor notícia. Villas-Bôas está certo de que, mesmo entubado, Marcos teria murmurado a Ângela: “Me tirem daqui. Quero ir para casa”. Desde o dia 15 de março, o pai se convenceu: “Estamos virando o cabo da angústia, quando o pior parecia socar a porta”.

Na quinta-feira pela manhã, telefonei para Villas-Bôas. Me contou que Marcos pega seu braço com firmeza. Que abre os olhos e mexe com a boca, mas ele não consegue entender nada, e que Ângela leva CDs de música clássica para o quarto. Villas-Bôas escreve o diário no blog porque assim informa os amigos e os leitores sobre a evolução do filho. Nesse tempo, sempre em pé ao lado da cama, viu pacientes desaparecerem. Morrem na UTI, como morreu um alemão numa cama ao lado de Marcos. O filho resiste. Villas-Bôas é paciencioso com a recuperação: “Estou esperando, estou esperando. Pode ser que demore um pouquinho”.

O jornalista é o repórter da ressurreição do filho. Orgulha-se do texto límpido de Marcos, um apaixonado por ambientalismo, mato, bichos, bicicletas, fotografia. Escreve o diário pensando que um dia ele irá ler seus relatos. Me disse: “Quando acordar, ele vai lá e estará tudo arquivado no blog”. Ontem, escreveu que, na quinta à noite, Marcos saiu da UTI. Este é o endereço que o pai usa para falar com o filho: www.vbcorrea.com.br.
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*Jornalista
Fonte: ZH online, 26/03/2011

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