Ao passar décadas supondo que o "ouro negro" não faltaria,
economia mundial não se preparou para sua ausência
Se a sonda petroleira for retirada da veia da economia,
a escolha passará a ser entre transição e convulsão
ANDREW SIMMS
ESPECIAL PARA O "GUARDIAN"
"O petróleo é o problema, claro", escreveu Gertrude Bell em Bagdá, em 1921. "Coisa detestável!" Depois de causar uma guerra mundial, o petróleo já estava causando confusão política no Oriente Médio.
Apesar de todos os conflitos causados pela necessidade de garantir os suprimentos de petróleo, e do dano ambiental que seu uso causa, o problema, para Bell e para todos nós, é que o petróleo tem grande utilidade.
Energia concentrada, facilmente transportável e de grande versatilidade.
Todos nós nos tornamos dependentes dessa conveniência. O suprimento de energia atual oferece o equivalente ao trabalho de 22 bilhões de escravos, de acordo com Colin Campbell, antigo executivo petroleiro.
Mas agora a onda do petróleo parece destinada a nos deixar ilhados. A mais de US$ 100 por barril, os preços estão voltando aos níveis de 2008. Mas, de lá para cá, o tom dos comentários mudou.
Cresce a conscientização de que um problema fundamental nos aguarda: a separação entre uma demanda cada vez maior e um suprimento estagnado, que resultará em escassez do componente essencial ao mundo.
"Todos nos acostumamos aos
benefícios do petróleo.
E os planos para nos adaptarmos
a sua ausência
praticamente inexistem."
Até o momento, o falso reconforto, de que poderíamos continuar a agir como sempre, vinha de dois fatores.
Primeiro, ainda existe petróleo; segundo, novos campos continuam a ser descobertos.
Mas o problema é saber que teremos dez bocas para alimentar amanhã, mas lojas de comida suficientes para apenas oito. Pior: a cada dia a quantidade de comida consumida é superior à de comida produzida, e o número de bocas para alimentar cresce.
As novas descobertas de petróleo atingiram seu pico na metade dos anos 60, e, com base em várias estimativas, estamos vivendo, ou bem perto de viver, o pico da extração petroleira mundial.
Depois que o pico for atingido, a relação entre oferta e demanda inevitavelmente crescerá. A dificuldade de determinar exatamente quando isso acontecerá é agravada porque as dimensões das reservas nacionais de petróleo constituem questão econômica e política delicada.
Compreensivelmente, algumas pessoas acreditam que isso seja positivo do ponto de vista ambiental. Afinal, se o petróleo está se esgotado, isso não ajudaria a resolver o problema da mudança do clima? Infelizmente não.
A realidade atual é a de que se você tirar a sonda petroleira da veia da economia, a escolha passa a ser entre transição e convulsão.
Todos nos acostumamos aos benefícios do petróleo. E os planos para nos adaptarmos a sua ausência praticamente inexistem.
Cabe a nós determinar se aproveitaremos a chance que o fim do petróleo barato nos confere para produzir uma era melhor, ou se continuaremos hipnotizados por sua miragem em dissolução.
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*ANDREW SIMMS é diretor de assuntos públicos da New Economics Foundation, organização de pesquisa britânica, e diretor de seu programa de mudança climática. Seu mais recente livro é "Dívida Ecológica: O Aquecimento Global e a Riqueza das Nações".
Fonte: Folha online, 13/03/2011
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