terça-feira, 5 de julho de 2011

No campo ou na cidade?

SUZANA HERCULANO-HOUZEL*
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Parece que o cérebro de quem cresce
em metrópoles aprende a esperar o pior,
em situações de estresse
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Tenho a SORTE de morar em um pedaço de cidade grande que até parece interior: prédios baixos, comércio pequeno de rua e, mais importante, duas árvores enormes, que preenchem a vista da janela da sala.
Quando vizinhos, recentemente, tentaram remover as duas árvores, alegando risco de queda durante tempestades, descobri-me defendendo-as ferrenhamente, perturbada muito além do que seria razoável.
Mas até a emoção tem suas razões: aquelas árvores, tão fundamentais para meu bem-estar, são o que me restam de uma sugestão de campo ""e da paz associada a ele.
Viver na cidade tem suas vantagens: mais riquezas e condições de educação, melhor saneamento e serviços de saúde em geral. Mas isso tem seu preço, e não só no bolso. A vida urbana se desenrola em um ambiente social exigente e estressante, que inclui disparidades sociais acentuadas e maiores riscos. E é acompanhada de uma taxa de 20% a 40% maior de distúrbios de humor e de ansiedade do que em moradores de áreas rurais.

"Quem vive atualmente em
centros urbanos mostra uma atividade
mais exacerbada da amígdala
durante o estresse, o que deve levar
a uma reação mais forte a ele."

Faz todo sentido: o estresse crônico, afinal, é um dos grandes fatores de risco desses distúrbios. Mas seria o ambiente urbano de fato associado a modificações no cérebro relacionadas ao estresse?
Um estudo canadense publicado recentemente na revista "Nature" diz que sim. Enquanto resolviam tarefas de aritmética contra o tempo, os voluntários do estudo, moradores de áreas rurais ou cidades grandes, alguns criados nessas, outros não, tiveram seus cérebros vasculhados pelos pesquisadores atrás de diferenças entre uns e outros. E lá estão elas.
Quem vive atualmente em centros urbanos mostra uma atividade mais exacerbada da amígdala durante o estresse, o que deve levar a uma reação mais forte a ele. Quem foi criado em cidades grandes tem um aumento da atividade do córtex cingulado anterior, uma região envolvida na regulação da atividade da amígdala, de emoções negativas e do estresse.
Quanto maior o tempo passado em cidades grandes até a fase da adolescência, maior a hiper-reatividade do cingulado anterior.
É como se crescer em cidades grandes, não importa para onde se vá depois, fizesse o cérebro aprender a esperar pelo pior em situações de estresse. E só isso: sem estresse, o cérebro urbano não parece diferente do cérebro rural. Para quem insiste em viver em cidades grandes, portanto, fica a dica: se seu cérebro é hiper-reativo ao estresse... fuja do estresse!
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*SUZANA HERCULANO-HOUZEL é neurocientista, professora da UFRJ, autora do livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante) e do blog www.suzanaherculanohouzel.com
Fonte: Folha on line, 05/07/2011
Imagem da Internet

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