terça-feira, 5 de julho de 2011

RAZÕES EGOÍSTAS PARA TER MAIS FILHOS

HÉLIO SCHWARTSMAN*

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Em livro polêmico, economista sustenta
que os pais têm pouca influência
no futuro das suas crianças
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Cansado(a) de controlar quantas horas de TV seus filhos veem por dia, ralhar com eles cada vez que não escovam os dentes e carregá-los para todas as atividades extras que eles precisam fazer?
A solução para os seus problemas chegou. É o livro "Selfish Reasons to have More Kids: Why Being a Great Parent Is Less Work and More Fun Than You Think" (razões egoístas para ter mais filhos: por que ser um bom pai ou mãe é menos trabalhoso e mais divertido do que você pensa), do economista Bryan Caplan.
Lançada em abril nos EUA, a obra sustenta que pais exercem pouca influência sobre o futuro dos filhos e que, por isso, em vez de ficar martirizando-se com cuidados desnecessários, é melhor relaxar e "aproveitar a jornada".
Caplan foi apelidado de "anti-Mãe-Tigre", em referência a Amy Chua, a autora de "Grito de Guerra da Mãe-Tigre", onde ela se gaba de proibir as filhas de ver TV, brincar com amiguinhas, de não admitir notas inferiores a "A" e obrigá-las a ensaiar música ao menos seis horas por dia.
Ao contrário de Chua, porém, Caplan apresenta evidências científicas em favor de sua tese. Suas afirmações estão baseadas em décadas de estudos com gêmeos (que partilham 100% do material genético e muito do ambiente) e com crianças adotadas (que partilham com irmãos de criação muito do ambiente e nada do material genético). Aplicando estatística a essas bases de dados, que, no caso de países nórdicos, começaram a ser coletadas no final do século 19, é possível eleger uma característica qualquer e calcular o efeito da natureza (genes) e do ambiente (criação) sobre ela.
Diferentemente do que os espíritos mais conciliadores poderiam esperar, a natureza vence com folga o ambiente na maioria das características que os pais desejam para os filhos. Trocando em miúdos, a criação quase não afeta longevidade, altura, peso e nem a saúde bucal. Para não dizer que não precisamos fazer nada, pais podem ter pequeno efeito sobre uso de tabaco, álcool e drogas.
Saindo do campo da higiene, no longo prazo as atitudes paternas também não influenciam a inteligência, a felicidade nem o sucesso profissional dos filhos. Em relação aos valores, a situação é mais complicada. A criação é determinante para definir se o sujeito vai declarar-se batista ou judeu, republicano ou democrata, mas pesa muito pouco quando se analisam as atitudes religiosas e políticas mais profundamente, como frequência a cultos ou grau de militância. Boa notícia para pais que gostam de manter suas filhas sob rédeas curtas: a criação tem um efeito moderado sobre o início da vida sexual, mas apenas para meninas, não para meninos.
Uma categoria em que o ambiente dá um banho na natureza é a apreciação, isto é, a forma como os filhos adultos vão lembrar de seus pais. Aqui, as atitudes paternas fazem toda a diferença. É com base nisso que Caplan afirma que o importante é "aproveitar a jornada".
Esses achados, é claro, precisam ser interpretados com muitas cautelas. Para começar, dizem respeito ao longo prazo. É mais provável que seu filho tire "A" em matemática se você obrigá-lo a estudar do que se deixá-lo brincar no computador. Mas, se olharmos para os efeitos duradouros, para além do ano letivo e do vestibular, o peso da criação fica bem menor.
Como diz Caplan, virou lugar-comum comparar crianças a barro, que os pais precisam moldar com a educação. Uma imagem mais feliz seria plástico. Ele se dobra quando o pressionamos, mas logo volta à posição original.
Outro ponto é que todas essas pesquisas foram feitas no Primeiro Mundo. Suas conclusões provavelmente podem ser estendidas para a classe média alta do Brasil, mas não valem no Haiti ou no Zimbábue, onde a fome e as péssimas condições sanitárias impedem as crianças de atingir todo seu potencial genético.
É preciso ainda lembrar que os resultados refletem valores médios, que nem sempre dão conta de situações específicas. Se a única chance de seu filho estudar medicina é entrando na USP, mas ele é patologicamente preguiçoso, então acordá-lo cedo pode ser um caso em que esforços paternos fazem a diferença.
Aqui, o regime de Mãe-Tigre preconizado por Amy Hua não fica tão flagrantemente contraditório com o "carpe diem" de Caplan.
A ideia de que as pessoas nascem mais ou menos prontas -segundo o autor, o que de melhor você pode fazer por seu filho é selecionar um(a) bom(a) parceiro(a) para gerá-lo- não é a única tese polêmica do livro.
Caplan também apresenta dados para nos mostrar que o mundo (ao menos os EUA) hoje é muito mais seguro para crianças e jovens do que o era nos idílicos anos 50. O objetivo final é nos convencer a ter mais filhos do que planejávamos originalmente. A ideia mestra é que, se não formos tão "mãe-tigre", eles dão menos trabalho do que se pensa e trazem grande satisfação. Essa satisfação só vem no longuíssimo prazo e na forma de netos.
De acordo com o autor, infância e adolescência são fases passageiras e, quando tivermos mais de 60 anos vamos querer o maior número possível de netos para mimar e estragar.
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*Articulista do jornal Folha de São Paulo. Bacharel em filosofia, publicou "Aquilae Titicans - O Segredo de Avicena - Uma Aventura no Afeganistão" em 2001. Escreve para a Folha Online às quintas.
Fonte: Folha online, 05/07/2011
Imagem da Internet

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