quinta-feira, 7 de julho de 2011

Paris, Woody Allen e eu

Juremir Machado da Silva*

Crédito: ARTE JOÃO LUIS XAVIER

É incrível como o Woody Allen está cada vez mais parecido comigo. Chego a desconfiar de que ele venha incógnito a Porto Alegre para cortar o cabelo no Joni. Ou então corta em Paris, no salão do Silvain, uma barbearia em Montparnasse na qual se pode deixar a baguette guardadinha num canto. Em Porto Alegre, bem pensado, não pode ser. Ele seria confundido comigo e logo reconhecido. As nossas ideias são as mesmas. A maneira de apresentá-las também. Acho que o Woody anda me plagiando. Amigos me disseram ter visto um cara com a cara do Woody Allen meio perdido pelas ruas de Palomas. Devia estar querendo beber nas minhas fontes: um poço de balde. Em "Meia-Noite em Paris", que fui ver no último sábado, Woody me copia descaradamente. As imagens que seleciona de Paris são as mesmas que me tocam. A mim e a outros 5 bilhões. Uau!
Temos, felizmente, algumas divergências. Não cobro para falar de cidade alguma. Além disso, neste último filme, Allen deu mais importância a Ernest Hemingway do que a Francis Scott Fitzgerald. É como dar mais importância a Renato Gaúcho do que a Falcão. Durante anos, em Paris, passei quase que diariamente diante do prédio da mecenas Gertrude Stein, na rue de Fleurus, número 27. Sempre me imaginava entrando e encontrando toda aquela turma da "geração perdida" dos anos 1920. Sou muito original. Woody Allen também. A diferença é que ele transforma sua "originalidade" em filmes. Melhor, em crônicas filmadas. Estou pensando em ir a Nova Iorque levar um lero com o Woody. Precisamos delimitar melhor nossos territórios. Do jeito que vai, ele fará um filme com um título assim, "Meio-Dia em Palomas". Tudo tem limites.

"Pobre Woody Allen.
Se filmar na Barra da Tijuca,
em lugar da Gertrude Stein
terá de encontrar num sarau
a Suzana Vieira."

Woody Allen é como eu: modesto, introvertido e incapaz de falar de si mesmo. Salvo como metáfora do universal. Somos antenas do mundo. Não negamos nossas pessoas para a compreensão da galáxia. O que podemos fazer se concentramos o universal em cada um dos nossos gestos e sacadas geniais? Talvez nos caiba ainda explicar que isso acontece com todo mundo. Pascal já dizia: a parte está no todo, que está na parte. O Maranhão está no Sarney assim como Sarney está no Maranhão. Só que Sarney em parte deixou de ser do Maranhão e o Maranhão passou a ser todo do Sarney. Woody Allen está em mim, que estou em Woody Allen. Menos na sua conta bancária. Por pouco. Temi por Woody Allen desta vez. Achei que ele poderia ser confundido com um DSK às avessas e acusado de tentar estuprar Paris. Na última hora, graças a uma reviravolta espetacular, ele é absolvido. A cidade consentiu. Ufa!
O Brasil não pode ficar atrás. É uma questão de orgulho nacional. Precisamos de um filme assinado por Woody Allen: "Rio de Janeiro ao Cair da Tarde" ou, mais trepidante, "Mangueira Depois da Meia-Noite". Posso ir adiantando o roteiro. Mas ele que não se meta com a Ana Paula Arósio. Pobre Woody Allen. Se filmar na Barra da Tijuca, em lugar da Gertrude Stein terá de encontrar num sarau a Suzana Vieira. Ou, como mecenas das artes, a Ana Maria Braga. Woody Allen e eu somos como vinhos franceses. Mesmo os da casa, servidos em jarrinha, são bons. Estamos cada vez melhores. E mais modestos. Uau!
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* Sociólogo. Prof. Universitário. Escritor. Tradutor. Cronista de blogueiro do Correio do Povo.
Fonte: Correio do Povo online, 07/07/2011

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