Lya Luft*
Não há como não se desesperar com o país que admite tais acontecimentos
Não
gosto de escrever coisas negativas: de modo geral, sou uma incorrigível
otimista – com minhas sombras e dores como qualquer pobre mortal, com
meus desabafos às vezes indevidos, com minhas horas de querer como
criança: deitar no chão e espernear. Mas nestes dias há muita sombra na
minha paisagem: as escandalosas omissões que permitiram a tragédia de Brumadinho,
por exemplo. Não há como não se desesperar com o país que admite tais
acontecimentos, não há como não sofrer com as famílias que perderam seus
bens e, além de tudo, pessoas amadas: os ditos “desaparecidos”
certamente estão mortos. Talvez a polícia e os bombeiros não devam
afirmar isso enquanto não se encontram corpos ou restos de corpos. Há
regras a serem cumpridas e respeito aos vivos atordoados.
Mas
parece evidente, até para uma ficcionista como eu, que dezenas ou mais
de seres humanos ficarão para sempre concretadas debaixo de metros e
metros de lama endurecida sobre a qual agora paira o odor macabro da
morte, deserto de pavorosas memórias. E as almas?, perguntei
imediatamente à minha filha quando soubemos do desastre. Centenas de almas, pensei, pois acredito nelas.
Por elas rezamos e acendi velas. Adianta? Possivelmente só para me dar
algum conforto, mas, pelo sim, pelo não, sempre escolho cuidar das
“minhas” almas: as de qualquer ser humano são de todos nós.
Claro
que com o tempo essas notícias serão substituídas por outras tragédias,
talvez a gente vá ficando calejado porque em nossas casas entram os
horrores de todo o mundo, sem fronteiras. Mas aqui, agora, essa ferida
sangra, e pulsa, e se inflama. Mariana, três anos atrás: pode ter sido maior o desastre ambiental, mas as perdas em vidas humanas imensamente maiores aqui em Brumadinho.
Escrevi “aqui” porque, pelo menos por estes dias, esse lugar que não
conheço a não ser em fotos, e vídeos, e Google, é um pouco meu. Como foi
meu anos atrás o morro do Bumba, no Rio, alguém lembra? Dezenas e
dezenas de soterrados, bairro inteiro sabidamente construído sobre um
lixão. Sem falar na Síria, no Afeganistão, na Venezuela, em tantos
lugares aqui neste mesmo Brasil. Na hora, ficamos alarmados, condoídos e
solidários, mas vamos esquecendo, talvez porque não se consiga acumular
tanta tristeza e preocupação. Precisamos, também, das notícias boas, do
carinho dos outros, de alguma paz interior, de algum entendimento das
nossas próprias dores e de mais tolerância com as alheias; do cultivo
das alegrias que vêm da natureza, do cotidiano, dos amores, da arte, das
belas memórias que nos iluminam, e das esperanças que nos fazem
prosseguir. De momento, precisamos, muito, de cada pedacinho dessas
dádivas – ou corremos o perigo de ficar amargos, de tentar nos defender
com intolerância e raiva, de nos alienar em nossas conchas pessoais, às
vezes tão confortáveis.
Enfim,
esta coluna não está nada alegre: no fundo, apesar da futilidade, da
correria, do cansaço, dos dilemas e dramas de sempre, somos todos irmãos
desses que foram ou serão velados, e enterrados, e dos outros que
continuarão congelados na lama, nas brumas tristonhas das minas de
Minas.
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* Escritora
Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/lya-luft/noticia/2019/02/brumas-de-minas-cjrwug1h3028b01td5hyzwukh.html
Imagem da Internet
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* Escritora
Fonte: https://gauchazh.clicrbs.com.br/colunistas/lya-luft/noticia/2019/02/brumas-de-minas-cjrwug1h3028b01td5hyzwukh.html
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