06/02/2019
VIAGEM APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO AOS EMIRADOS ÁRABES UNIDOS
3-5 DE FEVEREIRO DE 2019
3-5 DE FEVEREIRO DE 2019
DOCUMENTO SOBRE A FRATERNIDADE HUMANA EM PROL DA PAZ MUNDIAL E DA
CONVIVÊNCIA COMUM
CONVIVÊNCIA COMUM
PREFÁCIO
A fé leva o crente a ver no outro um irmão que se deve apoiar e amar.
Da fé em Deus, que criou o universo, as criaturas e todos os seres
humanos ? iguais pela Sua Misericórdia ?, o crente é chamado a
expressar esta fraternidade humana, salvaguardando a criação e todo o
universo e apoiando todas as pessoas, especialmente as mais
necessitadas e pobres.
Partindo deste valor transcendente, em vários encontros dominados por
uma atmosfera de fraternidade e amizade, compartilhamos as alegrias,
as tristezas e os problemas do mundo contemporâneo, a nível do
progresso científico e técnico, das conquistas terapêuticas, da era
digital, dos mass-media, das comunicações; a nível da pobreza, das
guerras e das aflições de tantos irmãos e irmãs em diferentes partes
do mundo, por causa da corrida às armas, das injustiças sociais, da
corrupção, das desigualdades, da degradação moral, do terrorismo, da
discriminação, do extremismo e de muitos outros motivos.
De tais fraternas e sinceras acareações que tivemos e do encontro
cheio de esperança num futuro luminoso para todos os seres humanos,
nasceu a ideia deste «Documento sobre a Fraternidade Humana». Um
documento pensado com sinceridade e seriedade para ser uma declaração
conjunta de boas e leais vontades, capaz de convidar todas as pessoas,
que trazem no coração a fé em Deus e a fé na fraternidade humana, a
unir-se e trabalhar em conjunto, de modo que tal documento se torne
para as novas gerações um guia rumo à cultura do respeito mútuo, na
compreensão da grande graça divina que torna irmãos todos os seres
humanos.
DOCUMENTO
Em nome de Deus, que criou todos os seres humanos iguais nos direitos,
nos deveres e na dignidade e os chamou a conviver entre si como
irmãos, a povoar a terra e a espalhar sobre ela os valores do bem, da
caridade e da paz.
nos deveres e na dignidade e os chamou a conviver entre si como
irmãos, a povoar a terra e a espalhar sobre ela os valores do bem, da
caridade e da paz.
Em nome da alma humana inocente que Deus proibiu de matar, afirmando
que qualquer um que mate uma pessoa é como se tivesse morto toda a
humanidade e quem quer que salve uma pessoa é como se tivesse salvo
toda a humanidade.
que qualquer um que mate uma pessoa é como se tivesse morto toda a
humanidade e quem quer que salve uma pessoa é como se tivesse salvo
toda a humanidade.
Em nome dos pobres, dos miseráveis, dos necessitados e dos
marginalizados, a quem Deus ordenou socorrer como um dever exigido a
todos os homens e de modo particular às pessoas facultosas e abastadas.
Em nome dos órfãos, das viúvas, dos refugiados e dos exilados das suasmarginalizados, a quem Deus ordenou socorrer como um dever exigido a
todos os homens e de modo particular às pessoas facultosas e abastadas.
casas e dos seus países; de todas as vítimas das guerras, das
perseguições e das injustiças; dos fracos, de quantos vivem no medo,
dos prisioneiros de guerra e dos torturados em qualquer parte do
mundo, sem distinção alguma.
Em nome dos povos que perderam a segurança, a paz e a convivência
comum, tornando-se vítimas das destruições, das ruínas e das guerras.
Em nome da «fraternidade humana», que abraça todos os homens, une-os e
torna-os iguais.
Em nome desta fraternidade dilacerada pelas políticas de integralismo
e divisão e pelos sistemas de lucro desmesurado e pelas tendências
ideológicas odiosas, que manipulam as ações e os destinos dos homens.
Em nome da liberdade, que Deus deu a todos os seres humanos,
criando-os livres e enobrecendo-os com ela.
Em nome da justiça e da misericórdia, fundamentos da prosperidade e
pilares da fé.
Em nome de todas as pessoas de boa vontade, presentes em todos os
cantos da terra.
Em nome de Deus e de tudo isto, Al-Azhar al-Sharif ? com os muçulmanos
do Oriente e do Ocidente – juntamente com a Igreja Católica ? com os
católicos do Oriente e do Ocidente ? declaramos adotar a cultura do
diálogo como caminho; a colaboração comum como conduta; o conhecimento
mútuo como método e critério.
Nós ? crentes em Deus, no encontro final com Ele e no Seu Julgamento
?, a partir da nossa responsabilidade religiosa e moral e através
deste Documento, rogamos a nós mesmos e aos líderes do mundo inteiro,
aos artífices da política internacional e da economia mundial, para se
comprometer seriamente na difusão da tolerância, da convivência e da
paz; para intervir, o mais breve possível, a fim de se impedir o
derramamento de sangue inocente e acabar com as guerras, os conflitos,
a degradação ambiental e o declínio cultural e moral que o mundo vive
atualmente.
Dirigimo-nos aos intelectuais, aos filósofos, aos homens de religião,
aos artistas, aos operadores dos mass-media e aos homens de cultura em
todo o mundo, para que redescubram os valores da paz, da justiça, do
bem, da beleza, da fraternidade humana e da convivência comum, para
confirmar a importância destes valores como âncora de salvação para
todos e procurar difundi-los por toda a parte.
Partindo duma reflexão profunda sobre a nossa realidade contemporânea,
apreciando os seus êxitos e vivendo as suas dores, os seus dramas e
calamidades, esta Declaração acredita firmemente que, entre as causas
mais importantes da crise do mundo moderno, se contam uma consciência
humana anestesiada e o afastamento dos valores religiosos, bem como o
predomínio do individualismo e das filosofias materialistas que
divinizam o homem e colocam os valores mundanos e materiais no lugar
dos princípios supremos e transcendentes.
Nós, embora reconhecendo os passos positivos que a nossa civilização
moderna tem feito nos campos da ciência, da tecnologia, da medicina,
da indústria e do bem-estar, particularmente nos países desenvolvidos,
ressaltamos que, juntamente com tais progressos históricos, grandes e
apreciados, se verifica uma deterioração da ética, que condiciona a
atividade internacional, e um enfraquecimento dos valores espirituais
e do sentido de responsabilidade. Tudo isto contribui para disseminar
uma sensação geral de frustração, solidão e desespero, levando muitos
a cair na voragem do extremismo ateu e agnóstico ou então no
integralismo religioso, no extremismo e no fundamentalismo cego,
arrastando assim outras pessoas a render-se a formas de dependência e
autodestruição individual e coletiva.
A história afirma que o extremismo religioso e nacional e a
intolerância geraram no mundo, quer no Ocidente quer no Oriente,
aquilo que se poderia chamar os sinais duma «terceira guerra mundial
aos pedaços»; sinais que, em várias partes do mundo e em diferentes
condições trágicas, começaram a mostrar o seu rosto cruel; situações
de que não se sabe exatamente quantas vítimas, viúvas e órfãos
produziram. Além disso, existem outras áreas que se preparam a
tornar-se palco de novos conflitos, onde nascem focos de tensão e se
acumulam armas e munições, numa situação mundial dominada pela
incerteza, pela deceção e pelo medo do futuro e controlada por míopes
interesses económicos.
Afirmamos igualmente que as graves crises políticas, a injustiça e a
falta duma distribuição equitativa dos recursos naturais ? dos quais
beneficia apenas uma minoria de ricos, em detrimento da maioria dos
povos da terra ? geraram, e continuam a fazê-lo, enormes quantidades
de doentes, necessitados e mortos, causando crises letais de que são
vítimas vários países, não obstante as riquezas naturais e os recursos
das gerações jovens que os caraterizam. A respeito de tais crises que
fazem morrer à fome milhões de crianças, já reduzidas a esqueletos
humanos por causa da pobreza e da fome, reina um inaceitável silêncio
internacional.
A propósito, é evidente quão essencial seja a família, como núcleo
fundamental da sociedade e da humanidade, para dar à luz filhos,
criá-los, educá-los, proporcionar-lhes uma moral sólida e a proteção
familiar. Atacar a instituição familiar, desprezando-a ou duvidando da
importância de seu papel, constitui um dos males mais perigosos do
nosso tempo.
Atestamos também a importância do despertar do sentido religioso e da
necessidade de o reanimar nos corações das novas gerações, através
duma educação sadia e da adesão aos valores morais e aos justos
ensinamentos religiosos, para enfrentarem as tendências
individualistas, egoístas, conflituais, o radicalismo e o extremismo
cego em todas as suas formas e manifestações.
O primeiro e mais importante objetivo das religiões é o de crer em
Deus, honrá-Lo e chamar todos os homens a acreditarem que este
universo depende de um Deus que o governa: é o Criador que nos moldou
com a Sua Sabedoria divina e nos concedeu o dom da vida para o
guardarmos. Um dom que ninguém tem o direito de tirar, ameaçar ou
manipular a seu bel-prazer; pelo contrário, todos devem preservar este
dom da vida desde o seu início até à sua morte natural. Por isso,
condenamos todas as práticas que ameaçam a vida, como os genocídios,
os atos terroristas, os deslocamentos forçados, o tráfico de órgãos
humanos, o aborto e a eutanásia e as políticas que apoiam tudo isto.
De igual modo declaramos ? firmemente ? que as religiões nunca incitam
à guerra e não solicitam sentimentos de ódio, hostilidade, extremismo
nem convidam à violência ou ao derramamento de sangue. Estas
calamidades são fruto de desvio dos ensinamentos religiosos, do uso
político das religiões e também das interpretações de grupos de homens
de religião que abusaram ? nalgumas fases da história ? da influência
do sentimento religioso sobre os corações dos homens para os levar à
realização daquilo que não tem nada a ver com a verdade da religião,
para alcançar fins políticos e económicos mundanos e míopes. Por isso,
pedimos a todos que cessem de instrumentalizar as religiões para
incitar ao ódio, à violência, ao extremismo e ao fanatismo cego e
deixem de usar o nome de Deus para justificar atos de homicídio, de
exílio, de terrorismo e de opressão. Pedimo-lo pela nossa fé comum em
Deus, que não criou os homens para ser assassinados ou lutar uns com
os outros, nem para ser torturados ou humilhados na sua vida e na sua
existência. Com efeito Deus, o Todo-Poderoso, não precisa de ser
defendido por ninguém e não quer que o Seu nome seja usado para
aterrorizar as pessoas.
Este Documento, de acordo com os Documentos Internacionais anteriores
que destacaram a importância do papel das religiões na construção da
paz mundial, atesta quanto segue:
? A forte convicção de que os verdadeiros ensinamentos das religiões
convidam a permanecer ancorados aos valores da paz; apoiar os valores
do conhecimento mútuo, da fraternidade humana e da convivência comum;
restabelecer a sabedoria, a justiça e a caridade e despertar o sentido
da religiosidade entre os jovens, para defender as novas gerações a
partir do domínio do pensamento materialista, do perigo das políticas
da avidez do lucro desmesurado e da indiferença baseadas na lei da
força e não na força da lei.
? A liberdade é um direito de toda a pessoa: cada um goza da liberdade
de credo, de pensamento, de expressão e de ação. O pluralismo e as
diversidades de religião, de cor, de sexo, de raça e de língua fazem
parte daquele sábio desígnio divino com que Deus criou os seres
humanos. Esta Sabedoria divina é a origem donde deriva o direito à
liberdade de credo e à liberdade de ser diferente. Por isso,
condena-se o facto de forçar as pessoas a aderir a uma determinada
religião ou a uma certa cultura, bem como de impor um estilo de
civilização que os outros não aceitam.
? A justiça baseada na misericórdia é o caminho a percorrer para se
alcançar uma vida digna, a que tem direito todo o ser humano.
? O diálogo, a compreensão, a difusão da cultura da tolerância, da
aceitação do outro e da convivência entre os seres humanos
contribuiriam significativamente para a redução de muitos problemas
económicos, sociais, políticos e ambientais que afligem grande parte
do género humano.
? O diálogo entre crentes significa encontrar-se no espaço enorme dos
valores espirituais, humanos e sociais comuns, e investir isto na
propagação das mais altas virtudes morais que as religiões solicitam;
significa também evitar as discussões inúteis.
? A proteção dos locais de culto ? templos, igrejas e mesquitas ? é um
dever garantido pelas religiões, pelos valores humanos, pelas leis e
pelas convenções internacionais. Qualquer tentativa de atacar locais
de culto ou de os ameaçar através de atentados, explosões ou
demolições é um desvio dos ensinamentos das religiões, bem como uma
clara violação do direito internacional.
? O terrorismo execrável que ameaça a segurança das pessoas, tanto no
Oriente como no Ocidente, tanto no Norte como no Sul, espalhando
pânico, terror e pessimismo não se deve à religião ? embora os
terroristas a instrumentalizem ? mas tem origem no cúmulo de
interpretações erradas dos textos religiosos, nas políticas de fome,
de pobreza, de injustiça, de opressão, de arrogância; por isso, é
necessário interromper o apoio aos movimentos terroristas através do
fornecimento de dinheiro, de armas, de planos ou justificações e
também a cobertura mediática, e considerar tudo isto como crimes
internacionais que ameaçam a segurança e a paz mundial. É preciso
condenar tal terrorismo em todas as suas formas e manifestações.
? O conceito de cidadania baseia-se na igualdade dos direitos e dos
deveres, sob cuja sombra todos gozam da justiça. Por isso, é
necessário empenhar-se por estabelecer nas nossas sociedades o
conceito de cidadania plena e renunciar ao uso discriminatório do
termo minorias, que traz consigo as sementes de se sentir isolado e da
inferioridade; isto prepara o terreno para as hostilidades e a
discórdia e subtrai as conquistas e os direitos religiosos e civis de
alguns cidadãos, discriminando-os.
? O relacionamento entre Ocidente e Oriente é uma necessidade mútua
indiscutível, que não pode ser comutada nem transcurada, para que
ambos se possam enriquecer mutuamente com a civilização do outro
através da troca e do diálogo das culturas. O Ocidente poderia
encontrar na civilização do Oriente remédios para algumas das suas
doenças espirituais e religiosas causadas pelo domínio do
materialismo. E o Oriente poderia encontrar na civilização do Ocidente
tantos elementos que o podem ajudar a salvar-se da fragilidade, da
divisão, do conflito e do declínio científico, técnico e cultural. É
importante prestar atenção às diferenças religiosas, culturais e
históricas que são uma componente essencial na formação da
personalidade, da cultura e da civilização oriental; e é importante
consolidar os direitos humanos gerais e comuns, para ajudar a garantir
uma vida digna para todos os homens no Oriente e no Ocidente, evitando
o uso da política de duas medidas.
? É uma necessidade indispensável reconhecer o direito da mulher à
instrução, ao trabalho, ao exercício dos seus direitos políticos. Além
disso, deve-se trabalhar para libertá-la das pressões históricas e
sociais contrárias aos princípios da própria fé e da própria
dignidade. Também é necessário protegê-la da exploração sexual e de a
tratar como mercadoria ou meio de prazer ou de ganho económico. Por
isso, devem-se interromper todas as práticas desumanas e os costumes
triviais que humilham a dignidade da mulher e trabalhar para modificar
as leis que impedem as mulheres de gozarem plenamente dos seus direitos.
? A tutela dos direitos fundamentais das crianças a crescer num
ambiente familiar, à alimentação, à educação e à assistência é um
dever da família e da sociedade. Tais direitos devem ser garantidos e
tutelados para que não faltem e não sejam negados a nenhuma criança em
nenhuma parte do mundo. É preciso condenar qualquer prática que viole
a dignidade das crianças ou os seus direitos. Igualmente importante é
velar contra os perigos a que estão expostas ? especialmente no
ambiente digital ? e considerar como crime o tráfico da sua inocência
e qualquer violação da sua infância.
? A proteção dos direitos dos idosos, dos vulneráveis, dos portadores
de deficiência e dos oprimidos é uma exigência religiosa e social que
deve ser garantida e protegida através de legislações rigorosas e da
aplicação das convenções internacionais a este respeito.
Por fim, através da cooperação conjunta, a Igreja Católica e a
al-Azhar anunciam e prometem levar este Documento às Autoridades, aos
Líderes influentes, aos homens de religião do mundo inteiro, às
organizações regionais e internacionais competentes, às organizações
da sociedade civil, às instituições religiosas e aos líderes do
pensamento; e empenhar-se na divulgação dos princípios desta
Declaração em todos os níveis regionais e internacionais, solicitando
que se traduzam em políticas, decisões, textos legislativos, programas
de estudo e materiais de comunicação.
Al-Azhar e a Igreja Católica pedem que este Documento se torne objeto
de pesquisa e reflexão em todas as escolas, nas universidades e nos
institutos de educação e formação, a fim de contribuir para criar
novas gerações que levem o bem e a paz e defendam por todo o lado o
direito dos oprimidos e dos marginalizados.
Ao concluir, almejamos que esta Declaração:
seja um convite à reconciliação e à fraternidade entre todos os
crentes, mais ainda, entre os crentes e os não-crentes, e entre todas
as pessoas de boa vontade;
seja um apelo a toda a consciência viva, que repudia a violência
aberrante e o extremismo cego; um apelo a quem ama os valores da
tolerância e da fraternidade, promovidos e encorajados pelas religiões;
seja um testemunho da grandeza da fé em Deus, que une os corações
divididos e eleva a alma humana;
seja um símbolo do abraço entre o Oriente e o Ocidente, entre o Norte
e o Sul e entre todos aqueles que acreditam que Deus nos criou para
nos conhecermos, cooperarmos entre nós e vivermos como irmãos que se
amam.
Isto é o que esperamos e tentaremos realizar a fim de alcançar uma paz
universal de que gozem todos os homens nesta vida.
Abu Dabhi, 4 de fevereiro de 2019.
Sua Santidade
Papa Francisco
Grão Imame de Al-Azhar
Ahmad Al-Tayyeb
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