sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Leneide Duarte-Plon: Os “coletes amarelos”na França: contra o presidente dos ultra ricos

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Leneide Duarte-Plon é uma conhecida jornalista brasileira que vive na França. Continuamente envia análises cuidadosas da situação social da França e também sobre a nossa situação brasileira. Publicamos este seu artigo, pois, nem todos conhecem o que está por detrás no movimento dos “coletes amarelos” (gilets jaunes) que já há meses todos os sábados se manifestam em quase todas as cidades francesas. Ai emerge uma nova consciência acerca da injustiça das desigualdades sociais e contra  a irracional acumulação mundial do capital em nível mundial num pequeníssimo número de pessoas. Mesmo em nosso pais, segundo o especialista nesta área, Márcio Pochmann,”os 10% mais ricos da população impõem, historicamente, a ditadura da concentração, pois chegam a responder por quase 75% de toda riqueza nacional enquanto os 90% mais pobres ficam com apenas 25%.” A desigualdade brasileira (injustiça social) comparece como uma das mais altas do mundo. Quem sabe os pobres, os marginalizados e os feitos invisíveis um dia despertem como na França “os coletes amarelos” e saiam à rua reclamando menos acumulação em poucas mãos e mais igualdade social. A França que, em muitos temas sociais, se antecipou no mundo, pode nos inspirar. O título do artigo de Leneide Duarte-Plon leve este título: “Uma revolta francesa: o povo contra o ‘Presidente dos ultra ricos”: Lboff
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Todos os dias os jornais franceses trazem análises sobre o movimento social que agita o país há quase três meses.

Como os «sans culotte» da Revolução Francesa, os coletes amarelos (gilets jaunes) pretendem mudar o país no sentido de mais igualdade fiscal e mais participação popular nas decisões importantes da République. Além de mais poder aquisitivo, eles pretendem aperfeiçoar a democracia representativa, aumentando a participação do povo na gestão do Estado e do orçamento público. Isso é unanimemente reconhecido.

Dois textos publicados no jornal «Libération» dão algumas chaves de compreensão do movimento, que começou em 17 de novembro.

Publicados com quatro dias de intervalo, no primeiro, dia 25 de janeiro, o decano dos jornalistas políticos, Alain Duhamel, analisava os paradoxos franceses que levaram a essa crise duradoura entre o presidente e o povo, que sai às ruas todo sábado desde novembro. Muitos votaram em Emmanuel Macron.

«A França tem na Europa o primeiro lugar na contestação social. As pesquisas mostram que o país é, entre os europeus, onde se vê mais descontentamento, pessimismo e constestação. Isso é paradoxal pois a França é o país ocidental, juntamente com a Escandinávia, que tem o orçamento social mais elevado, o escudo social mais amplo e a proteção social mais ambiciosa», escreveu Alain Duhamel no «Libération».

Segundo ele, o cidadão francês é um contestador por excelência. E a preocupação com a igualdade, a força como é vivido o sentimento de injustiça, a detestação dos privilégios, o rancor diante das desigualdades, além do ódio que o povo tem dos ricos são sentimentos muito mais acentuados na França.

A História e a Revolução Francesa explicam.

O presidente dos ultra-ricos numa entrevista no mesmo jornal, os respeitados sociólogos de esquerda Monique Pinçon-Charlot e Michel Pinçon, falam do livro que acabam de lançar, «Le Président des ultra-riches». Eles dizem que Macron faz tudo para apressar a agenda neoliberal de reformas. Isso revela, segundo eles, a pressão exercida pelos poderosos, ricos e acionistas, «que utilizam o dinheiro como arma de poder e divisão dos indivíduos».

Monique e Michel Pinçon salientam a unidade que o movimento conseguiu manter até hoje, com núcleos ativos em todas as grandes cidades francesas e representantes de vilarejos de todo o país. Como sociólogos, nunca imaginariam que um movimento social como este pudesse surgir. Foi uma grata surpresa.

«Com Macron, as imposturas vêm em cascatas. Além da supressão do Imposto de Solidariedade sobre a Fortuna (ISF), logo no início do mandato, ele criou depois um imposto único para os lucros do capital (PFU-Prélèvement Forfaitaire Unique ou flat-tax). Ora, os ricos foram dispensados da progressividade do imposto sobre os lucros e dividendos. Impondo uma taxa fixa, Macron iguala o bilionário ao pequeno investidor que possui um pequeno lote de ações», explicam os dois sociólogos.

O jovem presidente, que destilou nos dois anos de mandato pequenas frases de desprezo pelo povo, representa aos olhos desse povo mais humilde a elite dos ricos e privilegiados, aquela que é objeto dos estudos de Monique Pinçon-Charlot e Michel Pinçon.

«A maneira de ser e de governar de Emmanuel Macron é muito ligada ao meio no qual ele evolui : o do poder e do dinheiro», dizem.

Reforma fiscal

Em um artigo no «Le Monde», Thomas Piketty detalhou há alguns meses como a reforma fiscal feita por Macron pode ser comparada à que Trump instituiu : os ricos são os grandes beneficiários.

Os coletes amarelos exigem uma reforma fiscal mais igualitária, além de uma reforma do sistema político e maior participação dos cidadãos nas decisões políticas.

Por isso, é uma grande tolice, senão total ignorância, compará-los aos movimentos da extrema-direita europeia, como o fez o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em recente encontro na Maison de l’Amérique Latine.

Seria também um reducionismo analisar o movimento ao anúncio do aumento do combustível, a «taxe carbone», que iria ser usada para a transição energética ecológica. Depois do início dos protestos, o governo voltou atrás e suspendeu essa taxa, aproveitando para anunciar algumas medidas paliativas.

Mas os coletes amarelos não voltaram para o calor dos seus lares. Enfrentam frio e neve toda semana para expressar a cólera de quem se sente injustiçado num país onde as desigualdades começam a aumentar.

Lei controvertida

Os coletes amarelos têm uma agenda muito ampla, que foi sendo compreendida à medida que as reuniões e manifestações se sucediam. O movimento é um grito popular por mais participação cidadã, que ainda pode ser aperfeiçoado, segundo a maioria dos franceses.

As pesquisas mostram que o movimento tem o apoio da maior parte dos cidadãos, apesar de todos condenaram as degradações materiais contra lojas e bancos, alvos do pequeno grupo de anarquistas militantes muito bem doutrinados em livros contra o Estado e qualquer tipo de poder. Além deles, há membros da extrema-direita, que se infiltram em todas as manifestações dos coletes amarelos para provocar danos materiais. Esses grupos, de extrema-esquerda ou de extrema-direita visam a desestabilizar Macron, «o presidente dos ricos».

Para prevenir quebra-quebra no fim das manifestações, o governo propôs uma lei de controle dos manifestantes. Pessoas suspeitas seriam proibidas de participar das manifestações. Um deputado comparou essa medida às leis reacionárias do regime de Vichy.

Exagero ou não, se for aprovada, será mais uma lei liberticida.

Do Banco Rothschild ao Eliseu

Churchill costumava dizer que «um país que tem mais de 300 tipos de queijos é ingovernável».

O jovem e determinado Emmanuel Macron, eleito aos 39 anos, está se debatendo com uma realidade muito mais difícil do que previra, ao se candidatar em 2017 ao primeiro cargo eletivo de sua vida.

Ao vencer a candidata de extrema-direita, Marine Le Pen, ele empreendeu um aprendizado diário do poder, com o qual já convivera intimamente como um dos conselheiros do presidente Hollande e depois como ministro da Economia.

No livro do ex-presidente «Les leçons du pouvoir», lançado no ano passado, Hollande analisa a «traição» que representou a candidatura do ex-ministro que criou seu próprio movimento «En marche» e depois o partido «La République en marche», inviabilizando a candidatura Hollande.
«Quando ele veio me assessorar no Eliseu, trocou um salário mirabolante no Banco Rothschild por um dez vezes menor. Talvez esse sacrifício fosse um investimento de futuro…», escreve Hollande que deve se sentir vingado com a grande crise política e social enfrentada pelo presidente Macron.

Além de tomar medidas imediatas para melhorar o poder aquisitivo dos franceses mais vulneráveis, Macron convocou o Grand Débat, que vai durar até março e durante o qual o presidente se desloca a pequenas cidades e debate face a face ouvindo reclamações e reivindicações de franceses, que fazem passeatas com os coletes amarelos ou não.

Por outro lado, o presidente fez diversas reuniões com prefeitos de cidades grandes e pequenas de toda a França para ouvir as principais reivindicações e responder a elas. Paralelamente, vem recebendo os chefes de todos os partidos representados no Parlamento.

Desde o início do movimento, as centenas de prefeituras de toda a França abriram os «Cahiers de doléances» (Cadernos de reclamações), tais quais na Revolução Francesa, quando os cidadãos vinham defender suas reivindicações políticas e sociais.

Os coletes amarelos esperam do presidente uma resposta política e não policial. Endurecendo a repressão contra os manifestantes, a polícia confunde os «casseurs» – que aparecem em grupos bem organizados para quebrar agências bancárias e lojas de luxo – com os coletes amarelos que protestam pacificamente.

O jornalista David Dufresne vem fazendo um trabalho minucioso de denúncia das violências policiais. Até meados de janeiro, já havia 94 feridos gravemente e 14 pessoas tinham perdido um olho devido ao uso do Flash Ball, uma arma também chamada LBD (Lanceur de Balle de Défense).

As feridas na cabeça e nos corpos de manifestantes pacíficos feitas por essa arma são impressionantes e cresce o movimento para impedir o flash ball.

A França é o único país da União Europeia em que ele é utilizado.

Mais um paradoxo do «País dos Direitos Humanos», como a França é reconhecida no mundo por estar na origem da redação da primeira Declaração Universal dos Direitos Humanos.
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Fonte:  https://leonardoboff.wordpress.com/2019/02/07/os-coletes-amarelosna-franca-contra-o-presidente-dos-ultra-ricos-leneide-duarte-plon/ 
Imagem da Internet

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