O ministro da Educação diz que o sistema de cotas deve acabar, defende a volta da educação de moral e cívica e mensalidade nas universidades federais
1 fev 2019
Em novembro passado, o professor Ricardo
Vélez Rodríguez, de 75 anos, sentou-se diante de Jair Bolsonaro, na
Granja do Torto, em Brasília, para uma sabatina. O presidente eleito
estava em busca de um nome para comandar o Ministério da Educação, ainda
hoje conhecido pela sigla MEC. “Vélez, você tem faca nos dentes para
enfrentar o problema do marxismo no MEC?”, perguntou Bolsonaro logo de
início. A conversa durou mais de duas horas. Dias depois, o professor,
que nasceu na Colômbia e se naturalizou brasileiro em 1997, foi
anunciado como o chefe de uma das pastas mais importantes do governo.
Todos os dias, quando deixa o ministério, Vélez é involuntariamente
lembrado de sua missão original. Na saída do prédio, há um vistoso totem
com um mosaico de Paulo Freire, educador celebrado pela esquerda. O
ministro não pretende remover o monumento ali instalado durante o
governo Lula. “Não sou iconoclasta a esse ponto”, diz. Se tiver
oportunidade, no entanto, ele cogita estender a homenagem a outros nomes
— um deles, Olavo de Carvalho, o filósofo que o indicou ao cargo,
conhecido pelas posições extremadas e pelo palavreado chulo. Na
terça-feira 29, Vélez, que fala português com forte sotaque, recebeu
VEJA em seu gabinete em Brasília para a seguinte entrevista.
O senhor ficou mesmo surpreso ao receber o convite para assumir o Ministério da Educação?
Certo dia, um assessor do presidente me ligou e disse: “Olhe, o
deputado Bolsonaro está interessado no seu nome. Caso fosse indicado, o
senhor aceitaria ser ministro?”. Eu disse: “Aceitaria, mas queria
conversar com o candidato antes de ser convidado”. Isso foi antes da
eleição. Mais ou menos na mesma época participei de um almoço com alguns
discípulos do Olavo de Carvalho. Eles diziam: “Ô ministro!”. Eu
perguntei: “Mas que ministro?”. Eles respondiam: “Nós estamos pensando
em sugerir o senhor”. O Olavo indicou o meu nome. Depois da eleição, o
assessor me telefonou novamente e disse: “O presidente vai querer
entrevistá-lo”. Então vim a Brasília para falar com ele. Eu nunca havia
pensado em ser ministro.
Como foi a conversa? A primeira pergunta que me fez o
presidente: “Vélez, você tem faca nos dentes para enfrentar o problema
do marxismo no MEC?”. Eu disse: “Presidente, é o que faço há trinta
anos”. Eu, como professor de universidade pública, fui marginalizado na
concessão de bolsas de doutorado e pós-doutorado. Nunca consegui uma
bolsa por causa do aparelhamento do MEC pelos petistas.
Petistas? Eles já tomavam conta do ministério desde os anos 1990.
O senhor afirmou em uma entrevista que a universidade não é para todos. O que isso quer dizer?
Em nenhum país a universidade chega a todos. Ela representa uma elite
intelectual, para a qual nem todo mundo está preparado ou para a qual
nem todo mundo tem disposição ou capacidade. Universidade não é elite
econômica nem elite sociológica. Nos governos militares, deu-se muita
ênfase às universidades. Criaram-se as grandes universidades, que
receberam muita verba do governo, desenvolveram-se. E a preparação de
professores para o ensino básico e fundamental ficou em segundo plano.
Foi um erro.
Por quê? Os primeiros anos do ensino fundamental
preparam para o ensino médio. O ensino médio prepara para o vestibular. O
vestibular prepara para a universidade. E a universidade prepara para o
desemprego. É o funil da insensatez. O que precisamos resgatar no
Brasil é a valorização do ensino fundamental e dos cursos
profissionalizantes. Além disso, se continuarmos nesse modelo, as
universidades vão cair no buraco da inadimplência. Precisamos equacionar
uma solução que salve a universidade e que não dependa de pôr mais
dinheiro público.
“A ideologização nas escolas é um abuso, um atentado ao
pátrio poder e uma invasão da militância em um aspecto que não lhe
compete. Quem praticar isso ostensivamente vai responder à legislação
que existe neste país”
Cobrar mensalidade dos alunos nas universidades é uma alternativa?
É uma possibilidade. Gosto do regime vigente na Colômbia. Lá, paga-se
de acordo com a renda. Se você é rico paga mais, se é pobre recebe
bolsa. Há outras questões importantes. A relação entre professor e aluno
nas faculdades públicas, por exemplo, é de um para sete, um para oito.
Tem de ser um para vinte, daí para cima. E segundo: tem de haver Lei de
Responsabilidade Fiscal para os reitores. Eles são habitantes deste belo
país, também estão submetidos à lei. O CPF deles pode ser rastreado
pelo juiz Sergio Moro, por que não? Querem mais dinheirinho? Paguem as
contas.
O senhor é contra a eleição direta para reitor das universidades federais?
Recebi representantes da Andifes (entidade que representa os reitores)
no meu gabinete. Disse a eles: “Vamos ser honestos. O tempo é curto,
estamos velhos, barrigudos, vamos tratar dos problemas reais da
universidade”. Qual é o principal problema de um reitor de universidade
federal? O sindicato, que é da CUT, o elege e ele fica refém. O tal
Andes (sindicato dos professores de ensino superior) é um monstrengo que
persegue o reitor durante todo o seu mandato. Por que não fazer um
banco de currículos e ter um comitê que escolhesse os três melhores
candidatos? Os nomes seriam apresentados ao ministro ou ao presidente. É
um sistema mais correto que esse que envolve o sindicato ou a CUT.
O governo pretende acabar com o sistema de cotas nas universidades?
As cotas são uma solução emergencial, e, como tudo no Brasil, o
provisório vira definitivo. Essa é a lógica macunaímica brasileira. Isso
não conduz a lugar nenhum. Temos de chegar ao momento de eliminar as
cotas para dizer que elas não são mais necessárias porque elevamos o
nível do ensino fundamental. De imediato, não vamos abolir as cotas, até
porque me matariam quando eu saísse à rua. Mas as cotas têm de ser
eliminadas com o tempo.
O senhor acha que esse dia está ali na esquina ou levará décadas?
Quatro anos é pouco tempo. Mas tenho certeza de que, se fizermos o
dever de casa, meu sucessor conseguirá iniciar esse processo.
O senhor pretende mudar a Base Nacional Comum Curricular, aprovada recentemente?
Não. Ela já foi fruto de muitos debates, e sou favorável à ideia de ter
um roteiro geral para orientar os professores. No entanto, pretendo
mexer na interpretação. Se a base serve para que as escolas atinjam
determinados objetivos genéricos, tudo bem. Mas isso pode ser adaptado
para a realidade de cada escola e região.
“O brasileiro viajando é um canibal. Rouba coisas dos
hotéis, rouba o assento salva-vidas do avião; ele acha que sai de casa e
pode carregar tudo. Esse é o tipo de coisa que
tem de ser revertido na
escola”
A liberdade de cátedra inclui ensinar marxismo, fascismo e liberalismo, ou o senhor discorda?
Liberdade não é fazer o que você deseja. Liberdade é agir, fazer
escolhas dentro dos limites da lei e da moralidade. Fazer o que dá
vontade não é ser livre. Isso é libertinagem. No Brasil, por força de
ciclos autoritários, temos uma visão enviesada da liberdade. Liberdade
não é o que pregava Cazuza, que dizia que liberdade é passar a mão no
guarda. Não! Isso é desrespeito à autoridade, vai para o xilindró.
Nossas crianças e adolescentes devem ser formados na educação para a
cidadania, que ensina como agir de acordo com a lei e com a moral.
Isso não é perseguição ideológica? Já existe clima
persecutório. E é das esquerdas contra os que pensam de modo diferente
delas. Se pensa diferentemente do coletivo, você está lascado pelo resto
da vida, assassinam a sua reputação. A minha já foi assassinada várias
vezes. E isso é um abuso terrível contra o qual temos de nos reerguer
com raiva. O PT foi mestre em assassinar reputações. Essa prática
fascista, leninista, não pode mais ocorrer.
Mas como evitar que a perseguição de esquerda seja substituída pela perseguição de direita?
Doutrinas ideológicas devem ser estudadas apenas no ensino superior. O
dever do professor universitário é ensinar aos alunos todas as posições
ideológicas e colocar entre parênteses o seu ponto de vista, para não
induzir o aluno a adotar o ponto de vista do mestre. Se o mestre for
muito bom, o estudante terminará fazendo as escolhas certas.
Por que o senhor acha que a disciplina educação moral e cívica deve voltar ao currículo?
Os alunos devem sair do ensino básico e do fundamental sabendo que há
uma lei interior em todos nós. Se nós a transgredimos, mesmo enganando
até a própria mãe, sentimos uma coisa chamada remorso. A primeira parte
dessa disciplina pode ser dada nas quatro primeiras séries do ensino
fundamental. Os estudantes podem aprender, por exemplo, o que é ser
brasileiro. Quais são os nossos heróis? O PT tentou matar todos eles.
Carla Camurati (cineasta) colocou dom Joãozinho (refere-se a dom João
VI) como um reles comedor de frango, sem nenhuma serventia. Ele era um
grande estadista, um grande herói. Outro ponto: hoje, adolescente viaja.
É necessário lembrar que existem contextos sociais diferentes e que as
leis dos outros devem ser respeitadas. O brasileiro viajando é um
canibal. Rouba coisas dos hotéis, rouba o assento salva-vidas do avião;
ele acha que sai de casa e pode carregar tudo. Esse é o tipo de coisa
que tem de ser revertido na escola.
Se o senhor fosse trocar o busto de Paulo Freire no MEC, quem colocaria no lugar?
Do século XIX, Tobias Barreto. Do século XX, Antonio Paim. Do século
XXI, Olavo de Carvalho. Ele soltaria um palavrão e me xingaria se
soubesse. Aliás, reconheço que Olavo fez um grande trabalho de formação
humanística. Muitos jovens saíram do marxismo e se tornaram pessoas de
bem lendo Olavo de Carvalho. Então, a obra educadora dele é importante.
Olavo de Carvalho defendeu recentemente o fechamento de universidades públicas.
Deve-se dar um descontaço aos xingamentos do mestre Olavo. O efeito
prático do que ele diz é para que você mude de atitude. Esse chute é
para estimular a pessoa a pensar e a mudar de atitude. Um recurso
pedagógico que só um mestre da talha de Olavo de Carvalho pode se dar ao
luxo de utilizar.
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Publicado em VEJA de 6 de fevereiro de 2019, edição nº 2620Foto: (Cristiano Mariz/VEJA)
Fonte: https://veja.abril.com.br/revista-veja/faxina-ideologica/
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