Fernando
Abrucio*
"Nenhum
sistema de ensino no mundo melhora se
não aprimorar a formação e a
profissionalização
da carreira docente"
Em meio a
tantas tragédias neste início de ano, muitos devem estar se perguntando: este
país tem futuro? A história brasileira sempre teve altos e baixos frente a tal
pergunta. Mais recentemente, a redemocratização inaugurou um período mais
otimista, com momentos de euforia no Plano Real e no auge da popularidade de 83%
do presidente Lula. Porém, desde as jornadas de junho de 2013, tem predominado
o pessimismo. A vitória de Bolsonaro indica uma possibilidade de mudança de
humor, mas o começo do governo está muito confuso para se fazer previsões.
De
qualquer modo, o fator mais poderoso para nos tirar desses ciclos de euforia e
depressão, gerando uma transformação estrutural do Brasil, é a reforma da
educação. Somente melhorias contínuas e profundas da política educacional podem
atacar os três maiores problemas do país. Primeiro, o combate à desigualdade,
pois o ensino de qualidade para todos é o mecanismo intertemporal mais eficaz
no aumento da igualdade de oportunidades entre ricos e pobres. Segundo, o
crescimento da produtividade da economia, que depende sim de medidas macro e
microeconômicas, mas cuja sustentabilidade depende da boa formação escolar do
capital humano. E, por fim, o déficit de cidadania, fortemente vinculado à
assimetria no acesso à informação e ao capital cultural.
O
diagnóstico parece cristalino. Todavia, ao se analisar o conjunto de
prioridades dos cem dias do presidente Bolsonaro, claramente se constata que a
política educacional tem um lugar secundário no novo governo. Mais do que isso,
as falas do ministro da Educação, Ricardo Vélez, demonstram um desconhecimento
tanto da história recente do ensino no Brasil como sobre quais são as questões
mais relevantes nessa temática. Como todo bom debate começa a partir do
benefício da dúvida, pode-se supor que ainda seja cedo para uma avaliação tão
peremptória, tendo como pressuposto a crença de que o comandante do MEC poderá
aprender com os estudos e experiências educacionais brasileiras e
internacionais.
Neste
sentido, um documento que pode ajudar nos rumos do novo MEC é o "Educação
Já", texto produzido pelo Todos Pela Educação, movimento que congrega
vários atores que atuam e apoiam esse campo, em especial gestores públicos, entidades
do Terceiro Setor e pesquisadores do assunto. Trata-se de uma proposta que é
fruto do amadurecimento do diagnóstico e da agenda para o setor, resultado de
muitas pesquisas sobre o Brasil e a educação no mundo, bem como dos
aprendizados que os atores tiveram com a implementação da política educacional
desde a redemocratização.
Na qualidade de alguém que participou da confecção do documento, posso assegurar que o texto não esgota todas as questões que envolvem o tema educacional no Brasil. Além disso, sempre é possível polemizar com os argumentos ali construídos ou aperfeiçoá-los. Mas qualquer debate aqui depende da utilização da mesma lógica que alimentou a produção dessa proposta, baseada em duas coisas. A primeira é ter como base as evidências dos estudos científicos e da análise de experiências concretas. E a segunda foi o diálogo com vários atores estratégicos, dos mais diferentes grupos e partidos, que participaram da política de educação nos últimos 30 anos.
Na qualidade de alguém que participou da confecção do documento, posso assegurar que o texto não esgota todas as questões que envolvem o tema educacional no Brasil. Além disso, sempre é possível polemizar com os argumentos ali construídos ou aperfeiçoá-los. Mas qualquer debate aqui depende da utilização da mesma lógica que alimentou a produção dessa proposta, baseada em duas coisas. A primeira é ter como base as evidências dos estudos científicos e da análise de experiências concretas. E a segunda foi o diálogo com vários atores estratégicos, dos mais diferentes grupos e partidos, que participaram da política de educação nos últimos 30 anos.
A lista
de problemas da política educacional brasileira é extensa. Mesmo assim, deve-se
inicialmente admitir o quanto o país avançou desde a Constituição de 1988.
Houve a universalização do ensino fundamental; um grande crescimento dos alunos
concluintes do ensino médio; a ampliação do acesso à educação infantil e mesmo
à universidade; a melhoria da carreira de professor, principalmente por meio de
concursos e da ampliação da formação docente; a criação de um modelo mais
redistributivo de financiamento; a adoção de modelos de avaliação em larga
escala que permitem conhecer melhor a real situação do aprendizado dos alunos;
e, mais recentemente, a proposição de uma base curricular capaz de orientar com
maior precisão o trabalho didático dos professores.
Ainda
poderiam ser adicionados ao rol de avanços um conjunto de programas e
experiências na educação em algumas partes do país. Entre estes, dois bons
exemplos são o programa de alfabetização no Ceará e a escola de tempo integral
no ensino médio pernambucano. Mas chama a atenção que as boas práticas são
pouco disseminadas pelo Brasil afora, de modo que há ilhas de excelência
rodeadas por mares de problemas educacionais.
Para que
um diagnóstico pavimente o caminho para uma agenda exequível é preciso escolher
prioridades. Ou melhor, é necessário selecionar os temas que são mais
importantes e cuja resolução tem efeitos positivos sobre o conjunto dos
problemas. Assim, o documento "Educação Já" produz uma visão
sistêmica (a relação das partes com o todo), de longo prazo e que sabe
estabelecer quais são as maiores urgências da educação.
São sete
as prioridades definidas pelo documento proposto pelo Todos Pela Educação. A
primeira diz respeito à melhoria da governança do sistema educacional, pois as
políticas só vão dar certo se houver um modelo decisório e de implementação
adequado. É fundamental melhorar a qualidade da gestão das redes de ensino
subnacionais e do próprio MEC. Mais importante, deve-se fortalecer o regime de
colaboração entre os níveis de governo, fortalecendo os laços verticais de
cooperação entre União, Estados e municípios, bem como a parceria e articulação
entre os governos locais. A melhoria das relações intergovernamentais é muito
importante, especialmente por conta das desigualdades que há entre os entes
federativos. Para resolver isso, um dos pontos centrais aqui é a criação de um
Sistema Nacional de Educação, capaz de coordenar e democratizar as ações
educacionais dos três níveis de governo
A segunda
prioridade passa pelo aperfeiçoamento do sistema de financiamento da educação.
Embora tenha havido avanços desde a criação do Fundef/Fundeb, ainda há espaço
para aumentar a capacidade redistributiva da transferência de recursos,
repassando mais aos governos subnacionais que têm maiores vulnerabilidades em
seu corpo de alunos. Além disso, é necessário instaurar mecanismos de indução
de boas práticas por meio da distribuição de dinheiro e/ou apoio técnico. No
fundo, a questão aqui é como combinar a preocupação com a busca da equidade com
a melhoria do desempenho do modelo educacional.
A
aprovação de uma Base Nacional Comum Curricular foi um dos maiores avanços recentes,
com o apoio de diferentes partidos e de gestores por todo o país. Mas agora
chega a etapa mais difícil: a implementação. Eis aqui a terceira prioridade do
"Educação Já": a criação de uma série de medidas que garantam a
efetivação dessa transformação em todas as redes de ensino do país. Cabe frisar
que um bom currículo, construído pelos atores que o utilizarão, e sob condições
adequadas de execução, tem como principal efeito aumentar as chances do
aprendizado de todos os alunos.
Nenhum
sistema de ensino no mundo melhora se não aprimorar a formação e a
profissionalização da carreira docente. Essa quarta prioridade capta o elemento
mais central da política educacional, pois o caso brasileiro é caracterizado
pela baixa qualidade da formação inicial de professores, pela falta de
mecanismos mais efetivos para atrair e reter jovens talentosos na profissão,
pela precariedade das escolas como ambiente de trabalho e pela escassez de
incentivos que reforcem, continuamente, o desenvolvimento profissional, tanto
para motivar como para responsabilizar os docentes. Em resumo, precisamos de
professores qualificados continuamente, motivados e cobrados pela comunidade
para que alcancem sua principal e mais nobre tarefa: o aprendizado de todos os
alunos.
As
últimas três prioridades dizem respeito a etapas do sistema de ensino. Deve-se
fortalecer as políticas para a primeira infância, porque os estudos mostram
claramente que o êxito nessa fase potencializa o aprendizado futuro,
favorecendo sobretudo os que têm condições mais precárias de vida. Também é
preciso criar as condições mais adequadas para a alfabetização, uma vez que 55%
das crianças brasileiras de 8 a 9 anos de idade não estão alfabetizadas. Por
fim, um novo modelo de ensino médio precisa urgentemente ser montado, dada a
enorme evasão de alunos, a fragilidade do aprendizado, a falta de
diversificação de saberes e o baixo protagonismo juvenil, elementos que, ao fim
e ao cabo, restringem as oportunidades educacionais de parcela significativa da
juventude brasileira.
Esse
conjunto de mudanças exige uma decisão política em prol de reformas profundas e
contínuas da educação. Países como o Chile, o Canadá, a Austrália, Cingapura e
a Finlândia, entre outros, colocaram a política educacional no centro da agenda
pública. O Brasil ainda não fez isso e, por isso, está perdendo a competição
com outras nações nos exames internacionais, como o Pisa.
A
pergunta que fica no ar é: o governo Bolsonaro terá coragem e competência para
liderar esse processo? Afinal, mesmo fazendo reformas como a da Previdência,
não haverá país algum a comemorar sem mudanças na educação. Adotar um rumo
errado agora na política educacional condenará gerações. E o pior futuro é a
falta de perspectiva para nossos filhos e netos.
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* Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e chefe do Departamento de Administração Pública da FGV-SP.
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* Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e chefe do Departamento de Administração Pública da FGV-SP.
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fabrucio@gmail.com
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