MARTHA MEDEIROS*
Nunca simpatizei muito com o
cor-de-rosa e menos ainda com o rosinha bebê. Não gosto de unhas
cor-de-rosa, batom cor-de-rosa nem mesmo rosas cor-de-rosa: prefiro as
brancas. Acho que o rosa veste melhor os homens, há um charme no
contraste com a virilidade, mas em mulher fica óbvio justamente por ser a
"nossa cor".
Lembro quando, em 2007, fui à Itália lançar meu livro
Divã, que aqui no Brasil teve uma capa cuja cor predominante era o
fúcsia: não me opus, tinha caráter. Porém, a capa do Divã italiano (lá
se chama Lettino) era um rosinha aguado, um rosinha que avisava que era
"livro para moças". O estrago já estava feito, então não reclamei, mas
percebendo meu desconforto, os editores justificaram dizendo que as
mulheres são as maiores compradoras de livros naquele país (como em
quase todos, imagino) e que segmentar e anunciar a obra como um romance
"rosa" aumentaria as vendas, ainda que o conteúdo tivesse outros
matizes. Agradeci com meu melhor sorriso amarelo.
Estando lá, soube também que em Riccione, no norte da
Itália, havia sido inaugurada uma praia exclusiva para mulheres,
conhecida como "praia cor-de-rosa". Os guarda-sóis, as boias
salva-vidas, as toalhas e os demais acessórios eram todos em tons de
rosa. Sem entrar no mérito do tédio monocromático, não entendi a razão
desta praia privê. Segundo os idealizadores, era para que as mulheres
pudessem tomar banho de sol sossegadas, sem precisar enfrentar o
incômodo olhar masculino e sem serem importunadas por "latin lovers".
Creio que não emplacou dois verões.
Nada contra um clube da luluzinha de vez em quando, mas
não abro mão de conviver com os homens, de com eles bater papo,
explorar uma livraria, jogar frescobol, assistir a um filme, trocar
confidências - estou dizendo isso sem nenhuma malícia, sem sexo
envolvido. Amigo homem é um luxo. Dá outra cor às relações.
Minha implicância com o cor-de-rosa talvez venha dessa
sugestão de isolamento: quando falamos que a vida de alguém é
cor-de-rosa, queremos dizer que é sem máculas, sem reveses - mas quem é
que vive nesta bolha de perfeição? Há muito tempo que as mulheres não
habitam mais um planeta cor-de-rosa, resguardadas como se ainda não
tivessem saído da infância. Abandonamos o conto de fadas e pulamos pra
vida real, com direito a todas as cores, incluindo o preto e o branco.
Lutamos muito para ter um cotidiano com mais impacto e apelos visuais
mais excitantes. O rosinha dos pés à cabeça é o uniforme feminino
clássico e alguns estabelecimentos comerciais ainda impõem esta
tonalidade às suas funcionárias. Por quê? Dá uma ideia de presídio
feminino. De ninguém entra, ninguém sai. De acesso vetado. De confraria
de eternas menininhas. Uma praia que, definitivamente, não é mais a
nossa.
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* Escritora
Fonte: https://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=60a9b957276fe0feea9a5ae732708681
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