LEANDRO KARNAL*
A vida
sempre será o maior professor de todos nós.
É preciso ter esperança.
O ano letivo engrena e chega a um novo
momento para pensar na imensa tarefa de educar. Se você é mãe ou pai
responsável, deve ter medo. Se você for um professor de qualidade, pode
estar apreensivo. Quem sabe a responsabilidade da escola na definição do
futuro de alguém tem apreensões.
Não existe receita. Vamos trazer dados objetivos para
que cada mãe e cada pai, cada escola e cada professor possam acrescentar
sua visão de mundo e complementar (ou contradizer) o que proponho a
seguir.
1) Alguém é educado da mesma maneira que alguém peca na
liturgia católica: "Por pensamentos e palavras, atos e omissões". Você
educa pelo que diz, pelo que omite, pelo que faz e até por pensamentos,
já que eles provocam marolas no olhar ou são pais de gestos concretos.
Ao dirigir, você está educando um filho que está na cadeirinha do banco
de trás. Ao entrar na sala de aula, sua roupa, seu tom de voz, sua
postura, seu sorriso ou seu azedume estão educando. O chamado "currículo
oculto" é, quase sempre, o mais poderoso da educação.
2) Educação deve ser um equilíbrio entre o prazer
lúdico que produz muito conhecimento e, por vezes, a insistência do
esforço que não está acompanhado de resultado imediato. Focar em
sorrisos 100% do tempo atende o aluno-consumidor e não ao ser humano
maduro. É errado supor que tudo deva ser sofrimento e equivocado dizer
que só tem valor quando fazemos com gargalhadas. A "chatice" nunca é um
bom projeto, mas o gosto do esforço deve e pode ser estimulado.
3) A sala de aula e as atividades culturais declaradas
são importantes, porém existe a autonomia do indivíduo. O desejo de
consumo, por exemplo, é quase igual para todos os alunos ao emergirem do
Ensino Médio. Nenhuma aula disse que o smartphone X era o melhor, mas o
mundo inteiro disse algo assim. Isso deve nos deixar um pouco menos
preocupados: fazemos muito, não controlamos tudo. Nem todos os desejos e
as repulsas dos alunos derivam do gosto dos pais ou da orientação dos
professores.
4) Muitos pais de classe média e alta dão celulares bem
cedo para os filhos sob o argumento de que "todos os colegas possuem
um". A ida para a Disney segue lógica similar. Uma roupa da moda acaba
sendo imposta porque a criança/adolescente ficaria deslocada/do em outro
traje. Quem pensa assim está produzindo uniformidade, time, torcida ou
batalhão militar. Uma parte do sucesso no futuro dependerá de autonomia,
inteligência, originalidade. Em resumo, querer tudo igual torna seu
filho e sua filha iguais em demasia e, como tal, mais aptos à repetição.
Ser "hipster" no sentido original e positivo da palavra é uma
estratégia boa de sucesso. Pensar de forma autônoma dá mais futuro.
5) Se alguém de 14 anos fosse maduro e equilibrado,
soubesse aprender por si e fosse sábio, pais e professores poderiam ser
dispensados. Um médico é procurado por doentes. Educar é lidar com
imaturidade, inconstância, crises artificiais, egoísmos, narcisos
feridos, incapacidade de ver o outro e uma insegurança brutal que se
traveste de arrogância. Pais e mães têm poder sobre os filhos porque os
filhos necessitam do poder. São seres únicos, ainda que sejam na teoria e
na prática incapazes judicialmente. Professores estão ali para fazer
parte do processo longo, penoso e desgastante de pressionar o carvão
para que surja algum diamante. É por serem difíceis que a criança e o
jovem necessitam de você.
6) Não cansarei de repetir: não educo para suprir dores
da minha educação, para sublimar o que ouvi no passado ou para
ressignificar minhas frustrações. Educo um ser único, especial, parte da
minha biografia, todavia autônomo nas coisas boas e ruins. Educo para o
futuro, educo-me junto, reaprendo valores, entendo que gerações
anteriores tinham vantagens e defeitos e, por fim, pratico a suprema
lição ecológica: amparar o animal selvagem ferido é, exclusivamente,
para reinseri-lo na natureza. O grande objetivo de toda educação é
liberar o educando no mundo selvagem e complicado. O cativeiro protege e
imbeciliza. A jaula é desejo de controle do proprietário, raramente um
anelo do bicho. Bichos/animais no mesmo parágrafo que alunos e filhos?
Se alguma fera lê o Estadão eu peço desculpas. Foi um pleonasmo
didático.
7) Há pais, professores, mães e outros educadores que
criam fronteiras e regras bem demarcadas. Há quem prefira laços mais
frouxos. Há os que ligam de meia em meia hora e há os que se controlam.
As linhas variam e dependem de muitos fatores. Só existe uma questão que
jovens não perdoarão no futuro: a indiferença. Dá para superar um pai
controlador, difícil encarar o omisso. Educar é um projeto enorme e
duradouro. Já escrevi que há mais gente fértil no mundo do que vocações
autênticas de pai e de mãe. Há mais gente com diploma de licenciatura do
que professores de verdade. Sua linha pode variar. O que nunca será
esquecido é se você esteve presente, integral, empenhado e com todo o
seu corpo e alma no momento. Pode errar junto, nunca distante.
A escola e a família podem muito, mas não podem tudo.
Você é responsável e seu papel fundamental, todavia o mundo lhe excede, o
futuro não lhe pertence e o ser humano não é determinado pelos pais e
professores. Tente fazer o melhor, haverá erros e lacunas enormes, mas
tudo pode ser reparado se existiu um projeto genuíno de estimular
liberdade, conhecimento, curiosidade e valores coerentes. O resto?
Devemos dar uma chance profissional a terapeutas e psicólogos. A vida
sempre será o maior professor de todos nós. É preciso ter esperança.
------------
* Historiador, professor da Unicamp, autor de,
entre outros, "Todos Contra Todos: o Ódio Nosso de Cada Dia.
Fonte: https://flipzh.clicrbs.com.br/jornal-digital/pub/gruporbs/acessivel/materia.jsp?cd=51d3cab6da2603ad816083eb371d13ad
Imagem da internet
Nenhum comentário:
Postar um comentário