FRANKLIN FOER
Jornalista norte-americanO
André Cáceres
“O Mundo que Não Pensa”, do jornalista Franklin
Foer, e
“Dez Argumentos para Você Deletar Agora suas Redes
Sociais”,
do cientista da computação Jaron Lanier, são
alertas necessários
“Sorria, você está sendo
filmado.” O simpático aviso, comum em estabelecimentos comerciais, precisa
de uma atualização. É o que mostram o jornalista Franklin Foer em O
Mundo que Não Pensa (LeYa) e o cientista da computação Jaron Lanier
em Dez Argumentos para Você Deletar Agora suas Redes Sociais
(Intrínseca), livros que investigam como a humanidade vem delegando funções
cognitivas às máquinas e cedendo poder ao Vale do Silício. Segundo eles, estamos
sob constante vigilância e nossos dados são usados para:
* traçar perfis psicológicos,
* manipular opiniões,
* vender publicidade sob medida e
* prever nossas ações.
Para entender o mundo
atual, Foer repassa a história da informática e identifica a origem
dos algoritmos no filósofo e cientista Gottfried Leibniz (1646-1716), que
inventou uma linguagem baseada em conceitos matemáticos independente de humanos
para funcionar. Ele acreditava que “não deveria haver mais motivo para dois
filósofos brigarem, o mesmo valendo para duas calculadoras”.
Algoritmos consistem em uma série de instruções
simples que, se seguidas passo a passo, resolvem um problema lógico.
Na prática, são os códigos que o Spotify usa para recomendar uma
música; a Netflix, para sugerir um filme; ou o Facebook, para
decidir quais notícias ou postagens mostrar e quais ocultar para cada um de
seus usuários com base em suas preferências prévias.
“O problema é que quando terceirizamos o
raciocínio para as máquinas,
na verdade estamos terceirizando o raciocínio
para as organizações
que operam as máquinas”, alerta Foer.
“Os algoritmos se
empanturram de dados sobre você a cada segundo”, escreve Lanier:
* “Em que tipos de link você clica?
* Quais são os vídeos que vê até o fim?
* Com que rapidez pula de uma coisa a outra?
* Onde você está quando faz essas coisas?
* Com quem está se conectando pessoalmente e on-line?
* Quais são as suas expressões faciais?
* Como o tom da sua pele muda em diferentes situações?
* O que você estava fazendo pouco antes de decidir comprar ou não alguma
coisa?
* Você vota ou se abstém?”
Cruzados, esses dados
embasam estatísticas que podem ser aproveitadas para veicular anúncios mais
personalizados e efetivos.
“Nós não podemos permitir
que as pessoas se sintam impotentes diante dessas empresas”, afirma Foer
em entrevista ao Aliás. “Nosso objetivo deveria ser promover
diversidade e pluralidade, mas também limitar concentrações de poder.” Sua
principal preocupação é a formação de monopólios por meio da compra de
startups. “Existem determinados sistemas – como o telefone e o telégrafo,
exemplos clássicos – que jamais teriam florescido num mercado competitivo. Os
custos de montar uma rede abrangente são exorbitantes”, explica ele, que teme
uma replicação desse modelo no Vale do Silício. Foer relata, por exemplo, a
ocasião em que a Amazon retirou livros da Hachette de seu
catálogo durante negociações com a editora para pressioná-la a aceitar suas
condições. Para ele, a relação entre a loja de Jeff Bezos e os editores de
livros é extremamente desigual.
“As corporações estão
claramente preocupadas com a possibilidade de que seus monopólios sejam
quebrados, é por isso que estão tentando integrar seus diferentes serviços. Os
europeus vêm mostrando formas mais sutis de desmembrar as empresas ao limitar
sua habilidade de capturar e controlar o mercado de publicidade”, diz, por
telefone. Foer propõe uma regulação estatal para impedir que o poder se
concentre em poucas mãos, como ocorre hoje, embora, quando questionado,
reconheça o risco: “Há um perigo em deixar governos regularem empresas de
tecnologia para seus próprios interesses políticos.”
Ex-editor da New
Republic, Foer admite que escreveu seu livro movido pelo
ressentimento após sua demissão pelo cofundador do Facebook Chris Hughes,
atual dono da revista. Já Jaron Lanier, um dos pais da realidade virtual
e da internet 2.0, oferece em Dez Argumentos para Você Deletar Agora suas
Redes Sociais o ponto de vista interno de quem trabalha com tecnologia.
“Muitas crianças do Vale do Silício frequentam escolas que adotam a pedagogia
Waldorf e em geral proíbem aparelhos eletrônicos”, revela ele em seu livro, ao
mostrar os mecanismos de psicologia behaviorista que as redes sociais
utilizam para manter seus usuários viciados – o eufemismo oficial é
“engajados”. “Emoções negativas, como medo e raiva, vêm à tona mais
facilmente e permanecem em nós por mais tempo do que as emoções positivas.
Leva-se mais tempo para construir confiança do que para perdê-la.” É por
isso que as redes são infestadas de “haters” [= os que odeiam, inimigos]
e brigas intermináveis, sem empatia ou diálogo.
As “bolhas” formadas
nas redes derivam da forma como o conteúdo é categorizado e exibido aos
usuários. “Involuntariamente, os algoritmos apresentam aos leitores textos e
vídeos que apenas confirmam crenças e tendências profundamente arraigadas; eles
suprimem opiniões contrárias, que podem inquietar o usuário”, explica Foer,
para quem a solução é proteger o jornalismo, mesmo às custas da ideia de que “a
informação quer ser livre”, tão alardeada pelo Vale do Silício. “O público
compreendeu que informação de qualidade é fundamental para a preservação da
democracia, e que terá de pagar por ela.”
[Comentário
pessoal: por isso, não é viável nem inteligente, as pessoas se
informarem, apenas e tão somente, nas redes sociais ou em alguns sites
gratuitos que costumam frequentar na internet! É necessário acessar órgãos
mais sérios da imprensa, mesmo que pagando uma mensalidade ou anuidade,
para acessar informações mais fidedignas e autênticas sobre vários temas.
Quando eu falo em “órgãos sérios da imprensa” não quero afirmar que sejam
imparciais! Isso não existe! Nenhum veículo de comunicação é imparcial! Mas há
aqueles que conseguem reunir um time de jornalistas, cientistas e especialistas
de maior seriedade. Contudo, sempre é importante cruzar informações e ter
senso crítico ao ler qualquer coisa, em qualquer lugar!]
Cena do filme "A Rede Social", de David Fincher, que narra
os bastidores da criação do Facebook
Foto: Sony Pictures |
Lanier acredita que a raiz desse mal não é a
internet, os smartphones ou mesmo a coleta de dados, porque todas essas
ferramentas podem ser, e frequentemente são, usadas para fins benéficos. Para
ele, o problema ocorre quando esses instrumentos “são impulsionados por um
modelo de negócio em que o incentivo é encontrar clientes dispostos a pagar
para modificar o comportamento de alguém.” Ou seja, os “clientes” das
redes sociais não somos nós, mas sim seus “anunciantes”. É a velha máxima: se algo é gratuito, a mercadoria é você.
E o poder dessas empresas é
assustador: “Por meio dos dados, é
possível saber onde você estará amanhã em um raio de vinte metros e prever, com
razoável precisão, se o seu relacionamento romântico terá futuro”,
exemplifica Foer. Lanier relata experimentos psicológicos conduzidos pelo
Facebook à revelia de seus usuários, em que a rede comprovou que poderia
influenciar o comparecimento das pessoas às urnas ou provocar alegria ou
tristeza com pequenas alterações em seus feeds.
“Sim, é ótimo as pessoas poderem
estar conectadas, mas por que elas têm que aceitar uma manipulação por parte de
terceiros como preço dessa conexão? E se a manipulação, não a conexão, for o
verdadeiro problema?”, provoca Lanier em um de seus argumentos. O
autor acredita ser possível criar redes sociais saudáveis e que não sejam
prejudiciais para a democracia, mas para isso o modelo de negócios das
empresas por trás delas não poderia ter como objetivo a manipulação de
comportamento em massa, como é hoje.
De acordo com ele, uma estratégia
que não envolvesse anúncios, como cobrar assinaturas mensais nesses serviços,
seria o primeiro passo para que as redes sociais realmente criassem pontes
entre as pessoas, em vez de barreiras. Foer concorda que essa seria uma medida
benéfica, mas ressalta: “Não podemos forçar as empresas a mudar seus modelos
de negócio, e elas não farão isso sozinhas.”
O que nós, como indivíduos,
podemos fazer diante dessas empresas?
Foer oferece uma alternativa aos grilhões
tecnológicos: “Há poucos dias, a grande poeta americana Mary Oliver nos deixou.
Uma de suas frases dizia que ‘A atenção é o início da devoção’. Se
não tomarmos conta de nossa atenção e a deixarmos sob o controle de
corporações, será muito difícil para nós. Se queremos preservar o
indivíduo, viver em um mundo com beleza e cultura, então tudo começa com
proteger nossa atenção.”
L I V R O S
Título: O mundo que não
pensa: a humanidade diante do perigo real da extinção do homo sapiens
Autor: Franklin Foer
Tradutor: Debora Fleck
Editora: LeYa – São
Paulo (SP)
Lançamento: 12 de
novembro de 2018
Páginas: 260
Preço de capa: R$ 39,90
Título: Dez argumentos
para você deletar agora suas redes sociais
Autor: Jaron Lanier
Tradutor: Bruno Casotti
Editora: Intrínseca
– Rio de Janeiro (RJ)
Lançamento: 10 de
outubro de 2018
Páginas: 192
Preço de capa: R$ 34,90
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Fonte: O Estado de S. Paulo – Suplemento ALIÁS – Domingo, 17 de fevereiro de 2019 – Pág. E1 – Internet: clique aqui.
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