Mulher
pratica yoga em Madri víctor sainz
A proliferação de tratamentos e terapias que prometem bem-estar é o
reflexo de uma sociedade que demanda cada vez mais orientação psicológica e
espiritual de todo o tipo
Constelações familiares. Psicologia positiva
Biorressonância. Teatro Terapêutico. Reiki. Posturologia. Terapia Regressiva.
Programação neurolinguística. Quadrinidade. Psiconeuroimunologia. Acupuntura.
Florais de Bach. Focusing. Movimento autêntico. Feng Shui. Sistema ARC.
Estas são apenas algumas das terapias, psicológicas ou de outra índoles, entre
cerca de meia centena pelas quais o paciente Josep Darnés transitou. "Aos
25 anos foi muito difícil para mim enfrentar a realidade da vida e eu comecei a
ir a psicólogos para tratar a minha ansiedade", explica.
"Meu caráter obsessivo e perfeccionista me fez ir de um terapeuta a outro,
durante anos, até chegar a ficar hiperterapiado. A ser viciado em
terapias.”
Darnés se observava constantemente, e em tudo o que acontecia dentro de
si via motivos de investigação e insatisfação, não aceitava o vaivém emocional
da existência. Toda a sua vida girava em torno disso: "Tirava férias para
ir a seminários, aos domingos promovia sessões de cinema em casa para discutir os
filmes a partir do ponto de vista terapêutico, eu estava me preparando para ser
um coach", diz ele. "As pessoas que não se envolviam na
questão do crescimento pessoal nós olhávamos com desdém, éramos um pouco
esnobes."
Até que, por fim, Darnés descobriu que aquilo não o fazia feliz, muito
pelo contrário – chegou a ficar doente. Agora tenta aproveitar a vida simples,
sem buscar perfeição ou transcendência. Sua história de desengajamento de
terapias está relatada no livro La Burbuja Terapéutica (a bolha
terapêutica). Paradoxalmente, uma das maneiras mais eficazes de ser feliz é não
se esforçar demais nessa busca.
Seu caso é extremo, mas pode nos dar pistas sobre uma sociedade que
exige cada vez mais orientação
psicológica e espiritual de todo o tipo, desde terapias psiquiátricas ou
psicológicas baseadas na evidência a outras menos confiáveis e mais esotéricas:
astrologias várias, tarô ou homeopatia. Também livros de autoajuda, correntes new
age ou sessões de coaching. A oferta é muito ampla. "Cheguei a
ver coisas muito estranhas: hipnose regressiva, quartos com 20 caras batendo em
sacos de areia como se fossem seus pais, cogumelos
alucinógenos, grupos sectários", lembra Darnés. "Tudo aquilo iria
servir para alguma coisa?"
Nessa inquietação influi a aceleração
tecnológica que nos leva a um futuro incerto no qual talvez não saibamos como
nos conduzir
O cidadão contemporâneo parece perdido na escuridão da floresta,
procurando uma luz para seguir, uma esperança a que se apegar. Algumas das
razões pelas quais viver nos tira cada vez mais do sério podem ser encontrados
nas maiores exigências da sociedade de hoje, que constantemente nos empurra
para fora da nossa zona de conforto, para perseguir nossos sonhos e romper os
nossos limites, porque nada é impossível. Tudo depende de nós mesmos. Temos que
encarar tudo com um sorriso.
"Por meio da autoajuda somos levados a acreditar que basta mudar a
nossa mente para mudar o mundo que nos rodeia e sermos felizes, que tudo está
dentro de nós mesmos", explica o ensaísta e antropólogo cultural Iñaki
Domínguez em seu manual de antiajuda Cómo ser Feliz a Martillazos (como
ser feliz a marteladas), em que propõe uma filosofia da ação no mundo material
mais do que a de resiliência e da visualização. Porque tudo isso é também muito
propício aos dogmas econômicos do esforço individual e do empreendedorismo,
da aceitação acrítica das circunstâncias, do sistema econômico dominante.
Nessa inquietação influi a aceleração tecnológica que nos leva a um
futuro incerto no qual talvez não saibamos como nos conduzir (talvez uma
distopia, como a retratada na série Black Mirror), os
vaivéns econômicos e os conflitos que se configuram em escala global, a falta
de um corrimão em um mundo passado de altos e baixos. O crescente desinteresse
pelas religiões nos deixa sem orientação espiritual na vida e sem um bálsamo
ante o medo da morte. Além disso, nas redes sociais todos parecem mais alegres
e bem-sucedidos do que eu. O que estou fazendo de errado? O que posso fazer?
Visitar um guru, começar uma terapia da moda, tentar mudar minha conversa
interior e assim por diante. Ou buscar uma receita de antidepressivos.
Embora não existam dados específicos sobre a demanda por terapias
psicológicas, os psicólogos consultados concordam que elas estão aumentando.
Além disso, existem indicadores na Espanha que podem nos dar uma ideia: o
crescente consumo de drogas psicotrópicas, o aumento dos suicídios (3% em 2017,
de acordo com o Instituto Nacional de Estatística da Espanha), e sua
importância entre o segmento mais jovem, as listas de espera nos centros de
saúde mental (embora isto também se deva à falta de recursos).
Para Darnés, a busca
constante do bem-estar se tornou uma fonte de sofrimento ao mesmo tempo em
que o excesso de análise causa problemas onde não havia. Marino Pérez,
catedrático de psicologia na Universidade de Oviedo e coautor do livro La
Vida Real en los Tiempos de la Felicidad, tem trabalhado sobre este
conceito: híper-reflexividade. "Os indivíduos estão se concentrando demais
em si mesmos", explica, "estamos nos tornando mais conscientes e
sensíveis sobre nossos próprios desconfortos, quando muitas vezes são condições
humanas completamente normais". Assim, podemos chegar a patologizar o que
são apenas modos de ser e fases do estado de ânimo. "Vivemos em uma
sociedade muito individualista em que já somos considerados mais como
consumidores do que como cidadãos", diz Pérez "e os consumidores
devem sempre estar satisfeitos, sempre supervisionando o próprio bem-estar”.
Uma certa desestigmatização do uso das terapias também contribui para
sua popularidade: as novas gerações têm menos escrúpulos em contar suas
experiências terapêuticas, enquanto nas anteriores havia certa dissimulação,
como se o usuário temesse ser apontado como um doente mental (e como se isso
fosse algo de que se envergonhar). Ao mesmo tempo, a cultura da população sobre
psicologia cresce e o cidadão médio está mais familiarizado com seus conceitos
e métodos. Além disso, as terapias estão mais presentes na mídia, e não apenas
nos filmes de Woody Allen.
É o caldo de cultura perfeito para o surgimento do excesso de
intromissão e das pseudoterapias: "Estamos pedindo ao Governo que sejam
regulamentadas as terapias que não estão regulamentadas", diz Fernando
Chacón, decano da Ordem dos Psicólogos de Madri. “É preciso determinar quais
terapias são realmente úteis e quais não são, para que o usuário saiba: florais
de Bach ou constelações familiares não são a mesma coisa que as técnicas de
relaxamento. E também é preciso averiguar se quem as oferece tem a formação
adequada."
Nos postes de iluminação em muitas cidades são colocados anúncios de
métodos de crescimento pessoal onde se mescla a física quântica com esoterismo
e nas estações de metrô se distribuem folhetos sobre misteriosos gurus
africanos dispostos a acabar, apesar de sua ortografia ruim, com qualquer
ferida no coração. É preciso ter cuidado. Como explica o decano dos psicólogos,
não é a mesma coisa uma terapia que funciona, e é inócua, do que outra que,
diretamente, causa danos ou faz com que o paciente se afaste de tratamentos
convencionais ou de seu círculo social com os perigos que isso implica.
"Isso teria de ser considerado um crime", diz Chacón. E, como o caso
de Josep Darnés ilustra, uso não é o mesmo que abuso.
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Fonte: https://brasil.elpais.com/brasil/2019/02/06/actualidad/1549475672_482116.html
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