*
E se um só acto pudesse salvar 250.000 vidas?
Não seria a atitude cristã fazê-lo, concretizá-lo, sem arrependimentos?
Lembro-me quando ocorreram as inundações na Madeira em 2010.
Todo o país se sensibilizou, entidades organizaram-se, correu ajuda humanitária, fomos em seu socorro. Nos supermercados, podíamos até deixar o troco que revertia para recuperação dos locais afectados e apoio às vítimas.
Por isso sei, sei quem somos, sei as gentes que há no meu país, sei
quem é cristão e digno desse nome (imensos), no que acreditam e pessoas
de outras religiões, ateus, sei que correriam a ajudar quem precisasse
sem hesitar. Este é o meu Portugal.
Se soubermos que alguém, mesmo geograficamente distante de nós,
precisa, de uma atitude, um acto. Nós vamos, nós fazemos, apenas
precisamos que a informação nos chegue, saber da crise.
Por esse mesmo motivo sei que, se já não alteraram a dieta alimentar
das vossas famílias para comer carne apenas duas vezes por semana no
máximo (assegurando a dose nutricional), é porque não têm consciência,
ainda não sabem que este pequeno acto será responsável por salvar
250.000 vidas.
Os dados são da Organização Mundial de Saúde (OMS): relatam as
mortes, até 2050, por conta das alterações climáticas. Não quero falar
do abstracto, de mitologia ou subjectivismos. Escreverei apenas factos
acrescentando algumas notas de rodapé para que os mais resistentes
comprovem as fontes científicas, dos média ou de relatórios de
organizações mundiais:
– A indústria da carne é uma das principais responsáveis pela emissão destes gases, em quantidade e principalmente em qualidade[iii].
– O impacto no número de pobres e em condição vulnerável pode chegar de 62 a 467 milhões e pessoas[vi].
– Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), mais 250.000 pessoas terão morrido à conta das alterações climáticas em 2050[viii].
Os efeitos não são futuros, mas estão já a acontecer e merecem a nossa mobilização.
Estes são dias em que estamos de luto. Uma dezena de pessoas morreu,
não em guerras ou assassinatos, mas pela vaga de frio nos EUA. Morreram
por causa das alterações climáticas por nós causadas. Não precisamos de
uma arma, basta um bife todos os dias na nossa mesa.
Erradamente, já ouvi várias pessoas dizer: “O Senhor criou os animais
para nós comermos.” Devo dizer que o fundamento bíblico de tal
informação é extremamente escasso e despojado de sentido ou
contextualização. Na própria história da Criação (Génesis 2, 29-30),
podemos ler Deus a dizer-nos exactamente o oposto: comer apenas o que
vem da terra, plantas e árvores de fruto. A única vez que, na Bíblia,
Deus diz directamente para comermos animais é na narração do Dilúvio:
tudo tinha sido varrido da Terra (Génesis 9, 3-5).
Os fundamentos para reduzir ou eliminar carne têm a sua base hoje,
não no Antigo Testamento mas no Novo, no mais importante mandamento que
Jesus nos deixou: “Ama o teu próximo (seja ele quem for e onde esteja)
como a ti mesmo”. Reduzir ou eliminar carne da nossa dieta é a mais
importante medida que podemos tomar hoje para reverter as alterações
climáticas. Hoje, estão em causa vidas e é disso apenas que se trata.
O clima, o vento e as marés seguem o seu rumo, seguem o seu rumo
natural sem a nossa intervenção. Com a nossa intervenção, emitindo em
grande número de GEE para a atmosfera, a natureza transforma-se num
caos, perde o seu equilíbrio, somos corresponsáveis por tudo que está e
irá acontecer. Os nossos hábitos alimentares e de consumo têm de mudar
com a maior urgência.
Por esta razão, o Papa Francisco foi desafiado, por uma menina de 12 anos, a fazer uma dieta vegan durante a Quaresma,
um tempo de transformação. Em troca o movimento Million Dollar Vegan
entregará um milhão de dólares ao Papa, para ser empregue numa obra de
caridade à sua escolha. Parece-me que basta defendermos a vida de 250
mil pessoas – número de pessoas que morrerão por conta das alterações
climáticas, segundo a OMS – sendo vegan durante a Quaresma. Fazê-lo em
troca de dinheiro, mesmo que para a caridade, não me parece certo. Fica o
desafio ao Papa Francisco, a todas as entidades ministeriais, de todas
as confissões e religiões, e a todos nós.
Resta-me apenas dizer a pessoas de fé, hospitaleiras, fraternas, de
entreajuda: leiam, munam-se dos factos, estatísticas, estudos
científicos, declarações da ONU e de ONG locais e internacionais e
actuem conforme. Actuem conforme um cristão, que preza o próximo como a
si mesmo e a vida humana como mais alto valor – para que assim nenhum
conforto ou prazer mundano a tal se
sobreponha.
O tempo é agora.
Que a paz e o amor de Cristo estejam com todos.
* Catarina Sá Couto é missionária leiga da Igreja Lusitana – Comunhão Anglicana, “jovem líder” da Carta da Terra e representante em Portugal dos Green Anglicans – Rede Lusófona
Notas
[i] A maioria qualificada de 97% dos cientistas da área afirma-o sem dúvida: http://whatweknow.aaas.org/wp-content/uploads/2014/07/whatweknow_website.pdf (Relatório Associação Americana para o Avanço da Ciência – 2014), https://www.rtp.pt/noticias/mundo/97-dos-cientistas-responsabillizam-humanidade-pelas-alteracoes-climaticas_n814559, o próprio Papa Francisco afirma a existência das mudanças climáticas na sua encíclica (FRANCISCO, Louvado sejas: Carta Encíclica Laudato Si, Editorial Apostolado da Oração, Braga, 2015, 20-23). Os restantes três por cento, dos cientistas chamados ‘negacionistas’ tem-se mostrado não “ideologicamente neutros” estando ligados ao mundo empresarial e seus actores principais – as grandes empresas (poluidoras) – institutos com financiamentos questionáveis como a ExxonMobil ou os próprios irmãos Koch.
Fontes: https://exxonsecrets.org/html/index.php (Investigação da Green Peace USA); Klein, Naomi,Tudo Pode Mudar, Capitalismo Vs. Clima, Editorial Presença, 2016, p. 63.
[ii]http://nautilus.fis.uc.pt/gazeta/revistas/30_1/vol30_fasc1_Art06.pdf;
https://www.youtube.com/watch?v=2BeTXPPKyd0; https://www.tempo.pt/noticias/divulgacao/mudancas-climaticas.html;
[iii]https://www.chathamhouse.org/sites/default/files/publications/research/CHHJ3820%20Diet%20and%20climate%20change%2018.11.15_WEB_NEW.pdf; http://www.fao.org/news/story/en/item/197646/icode/;
Segundo a FAO – Fundo das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura – estima-se que o sector agropecuário emite 7,1 gigatoneladas de dióxido de carbono equivalente (CO 2 -eq) por ano, representando 14,5% de todas as emissões induzidas pelo homem: http://www.fao.org/ag/againfo/resources/en/publications/tackling_climate_change/index.htm.
Investigadores da Universidade de Oxford publicam estudo em revista científica referindo que, para evitar alterações climáticas com efeitos devastadores, é necessário que os países ocidentais (como Portugal) reduzam o consumo de carne para 90%, ou seja, comendo-a apenas duas vezes por semana: https://www.nature.com/articles/s41586-018-0594-0
[iv]https://www.bbc.com/portuguese/geral-47080543
[v]http://publications.iom.int/system/files/wmr2015_en.pdf
[vi]https://www.ipcc.ch/site/assets/uploads/sites/2/2018/07/SR15_SPM_version_stand_alone_LR.pdf; https://politicsofpoverty.oxfamamerica.org/2018/10/heres-what-you-need-to-know-about-the-latest-ipcc-report/.
[vii]https://www.unric.org/pt/actualidade/32478-guterres-qas-alteracoes-climaticas-avancam-mais-rapido-do-que-nos; https://observador.pt/2018/09/10/guterres-avisa-que-o-mundo-tem-dois-anos-para-agir-contra-mudancas-climaticas/
[viii]https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/134014/9789241507691_eng.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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OBS.: Texto digitado em português de Portugal.
Foto: (foto © Matthias Zomer/Pexels)
Fonte: http://setemargens.com/e-se-um-so-acto-pudesse-salvar-250-000-vidas/?utm_term=7Margens+-+Hoje+-+2019-02-10&utm_campaign=Sete+Margens&utm_source=e-goi&utm_medium=email
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