PASSADO E PRESENTE - Barry: “É absurdo políticos tomarem decisões no lugar dos médicos” Chris Granger/.
Especialista em pandemias critica Bolsonaro: “Completamente equivocado”
O historiador americano John M. Barry, autor de 'A Grande Gripe', falou a VEJA sobre a crise do passado e a atual
Quais as diferenças entre a gripe célebre e o coronavírus? O
novo vírus pode não ser tão letal quanto o da gripe, mas é muito
contagioso e deve infectar até mais pessoas. O coronavírus também é mais
insidioso. A influenza de 1918 explodia em uma comunidade de forma
terrível, mas os surtos duravam de seis a dez semanas e depois sumiam.
Isso não acontece na Covid-19. A doença tende a permanecer ativa por um
período bem mais longo, e sua presença no corpo dura semanas. Certamente
produzirá mortes na casa dos milhões no mundo.
Essa evolução não seria evitável? Sabemos que é
preciso adotar medidas que limitem a exposição das pessoas ao vírus e
amenizem o stress nos sistemas de saúde, enquanto esperamos por uma
vacina. Muitas pessoas e governantes, contudo, ainda resistem a
aceitá-las. Obviamente, no Brasil vocês têm um presidente com ideias e
atitudes que representam um sério problema.
O presidente Jair Bolsonaro proclamou que o vírus é só uma “gripezinha”. O que pensa da declaração? Gostaria
muito que fosse verdade. Infelizmente, cada informação científica que
vai se somando ao que já sabemos sobre o coronavírus desmente a
possibilidade de forma categórica. Os fatos provam que Bolsonaro está
completamente equivocado e vem colocando os brasileiros em risco.
A tragédia de 1918 teria sido menor se os governos houvessem
investido em medidas de isolamento social, como as que são defendidas
hoje? Na verdade, a experiência da grande gripe comprova a
necessidade do isolamento. Ao me debruçar sobre as medidas tomadas na
época, constatei que as cidades americanas que adotaram táticas de
quarentena preventiva, às vezes antes até de a gripe chegar à
comunidade, tiveram destinos muito menos trágicos que as cidades que
demoraram a agir. Além disso, levantaram-se economicamente antes.
A defesa da cloroquina no tratamento da Covid-19, de efeitos
não comprovados, virou um mantra de Donald Trump e Bolsonaro. Misturar
pandemia com política é razoável? É um absurdo políticos
quererem tomar decisões no lugar dos médicos. Imagine Trump ou Bolsonaro
numa sala de operação dando ordens aos cirurgiões sobre seu trabalho.
Alguém se arriscaria a passar por isso?
O peruano Mario Vargas Llosa defendeu a ideia de que o
coronavírus não teria se tornado uma ameaça global se a China, onde o
surto começou, fosse uma democracia. Faz sentido? A China
acobertou informações importantes no início da epidemia, mas não é
possível quantificar o peso disso na propagação mundial do vírus. A
atitude do governo chinês pode ter provocado mais mortes no país, mas
possivelmente nada teria impedido que a Covid-19 se espalhasse pelo
mundo. A questão é reconhecer a força do inimigo e se armar para
combatê-lo, como a China fez depois — e também, com igual sucesso,
países livres como a Coreia do Sul e a Alemanha.
Como evitar que outras ameaças assim saiam da natureza para atingir a humanidade?
Esse é um desafio complexo. Há muitos outros vírus e bactérias tão ou
mais letais que o influenza e o coronavírus circulando em silêncio na
natureza. Virologistas estão mapeando essas potenciais doenças em
lugares como a Floresta Amazônica e o interior da Ásia, mas ainda é
muito difícil impedir que elas venham a nos atingir.
Quando as pessoas poderão deixar a quarentena e voltar a andar pelas ruas?
Isso será diferente em cada parte do mundo, dependendo do estágio da
epidemia e do sucesso das medidas tomadas. Diria que teremos meses pela
frente.
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Publicado em VEJA de 6 de maio de 2020, edição nº 2685
FONTE: https://veja.abril.com.br/entretenimento/especialista-em-pandemias-critica-bolsonaro-completamente-equivocado/
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