Thomas Piketty, em entrevista à Amy Goodman e Nermeen Shaikh, no Democracy
Now!,
traduzido pela Carta
Maior
À espera do lançamento de seu novo livro no Brasil,
economista afirma: grandes crises mudam pensamento hegemônico. Porém, para
isso, é preciso um programa de transformações baseado em redistribuição e Bens
Comuns
OutrasMídias
por Carta Maior
Publicado 08/05/2020
No momento em que quase 30 milhões de
norte-americanos entraram com o pedido de auxílio desemprego, em apenas seis
semanas, e milhões em todo o mundo enfrentam fome e pobreza, analisamos a
catástrofe econômica global desencadeada pela pandemia e seu impacto sobre os
mais vulneráveis.
No momento em que o Programa Mundial de Alimentos
alerta para um enorme aumento da fome global e que mais de 100 milhões de
pessoas nas cidades do mundo podem cair na pobreza, essa crise pode se tornar
um catalisador de mudanças?
Perguntamos ao economista francês Thomas Piketty.
Seu best-seller internacional “Capital no século XXI”, de 2014, analisou a
desigualdade econômica e a necessidade de impostos sobre a riqueza. Seu novo
livro, “Capital e Ideologia”, foi descrito como um manifesto por mudança
política.
Amy Goodman: Hoje analisamos como a pandemia de
coronavírus lançou uma luz sobre a desigualdade em todo o mundo. O Programa
Mundial de Alimentos adverte que a pandemia pode levar a um aumento enorme da fome
global, e um novo relatório prevê que mais de 100 milhões de pessoas nas
cidades do mundo provavelmente cairão na pobreza.
Para sabermos mais sobre como a pandemia de
coronavírus afetou os mais vulneráveis e se a crise poderá ser um catalisador
de mudança, junta-se a nós, de Paris, na França, o economista francês Thomas
Piketty, cujo trabalho se concentra na desigualdade de riqueza e renda. Seu
best-seller internacional, Capital no século XXI, de 2014, analisou a
desigualdade econômica e a necessidade de impostos sobre a riqueza. Seu novo
livro, com mais de mil páginas, chama-se Capital e Ideologia, e foi descrito
como um manifesto por mudança política. Thomas Piketty, bem-vindo ao Democracy
Now!
É uma grande honra tê-lo conosco. Você pode falar
sobre como essa pandemia provavelmente desencadeará a recessão mais acentuada
nos Estados Unidos desde a Grande Depressão, talvez uma depressão? Você pode
falar sobre os efeitos a longo prazo da crise e, talvez, o que pode ser feito
para melhorá-la?
O que mostro em meu novo livro, Capital e
Ideologia, é que esse tipo de crise, muitas frequentemente na história, tem
o potencial de mudar as visões dominantes sobre o que devemos fazer na
economia, como devemos organizar nossas sociedades, o nível de desigualdade.
O primeiro impacto visível da crise é que vemos a
violência da desigualdade social. As pessoas não são iguais em relação aos
bloqueios econômicos. Elas não são iguais em relação ao desemprego, à perda de
renda. Você pode ver que as pessoas que têm uma casa muito pequena ou pessoas
que não têm casa, que estão sem-teto, estão em uma situação muito diferente das
pessoas que estão trancadas em seu belo apartamento ou bela casa.
Em termos de apoio à renda, quando você não tem
qualquer poupança e quando está em uma posição muito precária no mercado de
trabalho, você perde, muito rapidamente, sua renda. Eu diria que o sistema de
auxílio ao desemprego nos EUA, em particular, é restritivo demais e você tem
muitos trabalhadores que na verdade não têm acesso a um apoio adequado à renda.
Você tem muitas pessoas que não têm acesso à moradia.
Vimos algumas de suas reportagens, logo antes, de
que é um problema de serviço. Devemos fazer mais. O governo dos EUA e os
governos por todo o mundo devem fazer mais para mudar sua opinião sobre o que
fazer com a habitação, para obter soluções urgentes para as pessoas que não têm
moradia adequada, estendendo o apoio à renda, levando-as além do que temos
feito nos diferentes países.
Precisamos, também, começar a pensar em um tipo
diferente de recuperação. Não podemos simplesmente voltar a operar normalmente
com os mesmos setores econômicos. Acho que é uma oportunidade de repensar sobre
um tipo diferente de recuperação, mais verde, mais social e tentando alcançar
um modelo de desenvolvimento mais equitativo e mais sustentável, porque isso é
algo que estamos discutindo há muito tempo, especialmente desde a crise
financeira de 2008. Acho que, com o financiamento dessa crise, teremos que
mudar nossa visão sobre o que é um nível adequado de desigualdade em uma
sociedade.
Hoje vemos que todas as ideologias contra a ação do
governo, em particular contra os sistemas de saúde pública e o investimento
público nos hospitais, esse discurso de hoje, claro, parece muito fraco, dada a
realidade da situação. Acho que isso provavelmente mudará. Já foi alterado até
certo ponto, mas isso precisa ir muito além do que fizemos até agora.
Nermeen Shaikh: Thomas Piketty, antes de chegarmos ao que pode acontecer quando
essa pandemia terminar, você poderia dar sua opinião ao pacote de estímulos que
o governo Trump propôs e que o Congresso dos EUA aprovou, quem esse pacote de
estímulos está ajudando ou quais empresas o pacote está ajudando e como ele se
compara ao pacote de estímulo elaborado pelo governo Macron?
Existem várias diferenças entre os EUA e o pacote
de estímulo europeu. Eu diria que a primeira coisa é que o pacote dos EUA é
certamente insuficiente em termos de seguro-desemprego. De um modo geral, o
seguro-desemprego na Europa – não apenas na França, mas também na Alemanha, na
Dinamarca, em toda a Europa – são mais desenvolvidos do que o dos EUA. São mais
generosos, incluindo salários, duas vezes, três vezes, quatro vezes o salário
mínimo, enquanto o sistema de subsídios de desemprego nos EUA será bastante
fraco.
E também, em termos de cobertura de trabalhadores
que não têm status de assalariado permanente e que têm status diferentes no
mercado de trabalho, incluindo trabalho temporário, eu diria, em ambos os lados
do Atlântico, há muitas áreas desassistidas e muitas lacunas … muitas pessoas
que simplesmente não têm acesso a um apoio à renda adequado. Eu posso vê-los
nas ruas de Paris, e suponho que seja o mesmo nos EUA, pessoas que precisam
continuar trabalhando, fazendo trabalhos sujos, sujos, de bicicleta ou todos os
tipos de trabalhos para os quais não temos um subsídio de desemprego adequado.
O que falta também no plano de recuperação de
Trump, creio, é uma compreensão clara de como teremos uma recuperação no médio
prazo que coloca mais ênfase em investir primeiro no setor hospitalar. Sabe,
acho que será um bom momento nos EUA para avançar na direção de um sistema
universal de saúde… com certeza … mas, de maneira mais geral, para investir
mais no setor hospitalar.
Acho que vamos ter… não podemos nos recuperar
apenas com os mesmos setores de antes… automóveis, aviões, etc. Também temos
que aproveitar esta oportunidade para pensar em um modelo de desenvolvimento
mais sustentável e equitativo. Isso significa investir mais em setores como
saúde, hospitais, mas, de maneira mais geral, investir mais em inovação e
tecnologias ambientais. Temos que investir mais em escolas, universidades.
Historicamente, a fonte de prosperidade tem sido a educação e o nível de
educação relativamente igual. Os EUA, em particular, foram um líder econômico
na maior parte do século 20, porque era líder educacional.
Acho que perdemos a memória disso, porque isso foi
substituído, começando nos anos 80 e 90, por um tipo diferente de ideologia,
segundo a qual a prosperidade virá de mais e mais desigualdade, de mais
concentração de riqueza em poucos mãos. Mas, na realidade, isso não funciona. A
taxa de crescimento da economia dos EUA foi dividida por dois. Se você observar
a renda nacional per capita nos EUA entre 1990 e 2020, ela foi de apenas 1,1%
ao ano, enquanto entre 1950 e 1990 foi de 2,2%. Se você olhar entre 1910 e
1950, foi de 2,1%; e entre 1870 e 1910, cerca de 2,1% também.
Então, os últimos 30 anos foram caracterizados por
níveis muito altos de desigualdade, aumento da concentração de riqueza no topo,
salários em queda na parte de baixo, em particular declínio no salário mínimo e
também declínio no crescimento. Então, no final, esse curso em direção a cada
vez mais desigualdade não funcionou. Acho que devemos aproveitar a oportunidade
desta crise e, após a crise financeira de 2008, repensar não apenas nossa
política de saúde e investir mais em hospitais, o que é uma conclusão justa
dessa crise, mas também repensar nosso modelo econômico, de maneira mais geral,
e avançar em direção a mais igualdade, mais sustentabilidade.
É isso que eu não vejo. Não vejo isso com Trump. Eu
realmente não vejo isso com Macron. É claro que ambos os presidentes são,
supostamente, muito diferentes, como todos sabemos, mas ao mesmo tempo, há um
importante ponto em comum. É que eles começaram seu mandato, promovendo um
grande corte de impostos pata os ricos, para resumir. Na França, houve uma
revogação do imposto sobre a riqueza. Nos EUA, houve um grande corte de
impostos para contribuintes de renda muito alta e para grandes corporações.
Trump também queria se livrar do imposto imobiliário. Ele não conseguiu
aprovar, mas esse era seu plano. Os dois presidentes fizeram esses enormes
cortes de impostos para os ricos.
A grande questão é: eles serão capazes de mudar,
recuar um pouco e dizer: “Bem, veja, agora vamos ter que pagar por mais
investimentos em serviços públicos. Temos que cuidar mais de todos esses
profissionais de saúde, todos esses sem-teto. Nós temos que …”, eles serão
capazes de mudar de ideia e mudar sua ideologia sobre esses cortes de impostos?
Acho que é uma questão muito aberta nesta fase.
Isso dependerá da força de mobilização dos partidos da oposição e de vários
grupos sociais que impulsionem por políticas diferentes. Também dependerá de
quais pessoas, dentro do Partido Republicano ou dentro do partido de Macron, no
caso da França, aceitarão continuar apoiando seu líder sem uma mudança no
pacote de políticas.
E sim, acho que é muito cedo para dizer quais serão
as consequências a longo prazo, em termos de política econômica e ideologia
política desta crise. E é uma lição geral que eu retiro também do meu livro,
Capital and Ideologia, que as crises são uma época em que você tem … que
diferentes trajetórias são possíveis. Você tem uma bifurcação muito rápida.
Essa é uma lição muito geral da história, que o nível de desigualdade social
nas sociedades depende principalmente da mobilização política e da mudança
ideológica, em vez de determinantes econômicos ou tecnológicos puros.
As coisas podem mudar muito mais rapidamente do que
o discurso dominante e do que as várias elites de diferentes sociedades tendem
a imaginar. As elites sempre tendem a apresentar as desigualdades como algo
justo e natural, algo que você não pode mudar, como se fosse uma regra da
natureza. Mas o que observamos na história são mudanças muito frequentes e
muito rápidas na maneira como organizamos os sistemas.
Pense no imposto sobre a riqueza. Alguns anos
atrás, a ideia de um imposto progressivo sobre a riqueza para bilionários quase
não era discutida. Vimos na recente campanha nos EUA que esse tema era
realmente muito popular. Bernie Sanders e Elizabeth Warren não venceram a
primária, mas sua proposta de imposto sobre a riqueza era extremamente popular
entre os eleitores – e não apenas entre os democratas, mas também entre os
republicanos.
Acho que Joe Biden ficaria bem inspirado a
emprestar algumas dessas ideias, a fim de mostrar que mais justiça econômica
pode realmente se unir a mais prosperidade econômica, o que, historicamente, ocorreu
por muito tempo nos Estados Unidos, mas deixou de ser o caso. Acho que é a hora
certa de mudar a narrativa e mudar a trajetória.
Nermeen Shaikh: Thomas, você também poderia avaliar os esforços que foram feitos no
nível global para enfrentar esta crise? O Fundo Monetário Internacional
anunciou que fornecerá alívio imediato da dívida para 25 países diferentes,
entre eles os mais pobres do mundo – Iêmen, República Centro-Africana,
Moçambique etc. Os países credores, incluindo França e EUA, também concordaram
em suspender as dívidas. Que efeito você acha que isso terá? Quanto isso
afetará os países devedores? O que mais você acha que precisa ser feito?
Primeiro, deixe-me esclarecer duas coisas. Essa
suspensão do pagamento da dívida é melhor do que nada, mas acho que não é
suficiente, porque nas decisões que foram tomadas é que estes países terão que
pagar mais daqui a um ano, daqui a dois anos, para compensar o que não pagaram
este ano. Portanto, é apenas uma suspensão, mas você ainda tem os pagamentos pendentes.
Acho que, em muitos casos, devemos simplesmente cancelar parte dessa dívida
para sempre, ou outro horizonte muito mais longo, com um tempo de suspensão
muito maior.
Há também uma outra coisa que quero enfatizar: a
proposta francesa de suspender o pagamento da dívida na África foi um pouco
hipócrita, no sentido de que a maior parte da dívida não é mantida pela França,
mas pela China ou por outros países. É bom propor que outros países suspendam
suas dívidas, mas acho ainda melhor se você puder mostrar o exemplo, que você
decida interromper o pagamento da sua própria dívida.
Você também deve, no caso da Europa, desenvolver
mais solidariedade dentro da Europa. Eu gostaria que a França se propusesse a
garantir a taxa de juros para países como Itália e Espanha, que foram duramente
atingidos. A desculpa usual para não fazer isso na França é dizer: “Bem, veja,
a Holanda ou a Alemanha não querem fazer isso, portanto, não podemos fazê-lo”.
Mas, é sempre melhor fazer algo com dois países ou três países em vez de um.
Claro, é ainda melhor se todos os países ingressarem depois disso. Mas, para
começar, toda iniciativa é boa.
Agora, além dessa questão da dívida, que é muito
importante, acho que essa crise, especialmente nos países em desenvolvimento da
África ou da Índia, por exemplo, deve ser usada como uma oportunidade para
acelerar o desenvolvimento do estado de bem-estar social, do sistema de rede de
segurança. Em muitos desses países, você simplesmente não tem nada em termos de
rede de segurança, o que significa que quando você decide fazer um bloqueio,
quando decide um confinamento, como o que aconteceu na Índia algumas semanas
atrás, não está claro que seja algo que você possa sustentar por muito tempo,
porque, na prática, o que aconteceu – e vimos isso na TV e em muitos artigos –
é que, na prática, muitos dos trabalhadores rurais ou os migrantes foram
empurrados para fora das cidades.
Muitas pessoas que estavam trabalhando em canteiros
de obras nas cidades ou que realmente não tinham um lar sólido nas cidades foram
afastadas, o que às vezes é violento, e o transporte em massa de pessoas pelo
interior, que provavelmente não é a melhor maneira de se evitar a propagação do
vírus. De qualquer forma, se você não tiver uma rede de segurança básica, em
algum momento as pessoas terão que sair e trabalhar, encontrar trabalho,
encontrar dinheiro e encontrar comida. Assim, essa deveria ser uma
oportunidade, na Índia, na África, em todos os países onde você não possui esse
sistema, para desenvolver esse tipo de esquema de renda básica, o que é
possível.
Deixe-me dizer que se você olhar para o caso da
Índia, que é um caso muito importante, é claro… ela está prestes a se tornar o
maior país do mundo em breve. Essa é a maior democracia do mundo, a democracia
eleitoral. No ano passado, durante a campanha eleitoral na Índia, houve uma
proposta do Partido do Congresso e de vários partidos de trabalhadores para
implementar um esquema de renda mínima. Infelizmente, eles não venceram a
eleição, em parte porque houve ataques terroristas na Caxemira em janeiro de
2019, o que permitiu ao partido nacionalista hindu de Modi reenquadrar a
eleição mais na direção de um conflito de identidade hindu-muçulmano, em vez de
redistribuição e de desigualdade social. Isso é triste. Mas, este não é o fim
da história. Eu acho que a discussão continuará.
Às vezes o que você vê na história, seguindo
grandes crises como esta, é que mesmo um governo como o de Modi, mesmo um
governo que inicialmente não planejava introduzir o estado de bem-estar ou
introduzir impostos progressivos… como você vê depois da Primeira Guerra
Mundial, após a Segunda Guerra Mundial, até governos de direita ou governos que
não tinham tais planos, acabam desenvolvendo novas ferramentas políticas apenas
porque as circunstâncias os obrigam a fazê-lo.
Nesta fase, ninguém sabe. Neste estágio, falamos
principalmente sobre os EUA, sobre a Europa. Ninguém sabe como a epidemia se
espalhará no sul. Não temos muitos dados. Isso pode demorar um pouco mais. O
que sabemos da gripe espanhola de 1918, 1919, que é o precedente histórico mais
próximo do que temos hoje, é que as vítimas humanas, como proporção da
população, foram muito, muito maiores na Índia, na Indonésia, na África do Sul.
Foi até 5% da população que morreu nesses países, em comparação com 0,5% a 1%
na Europa ou nos Estados Unidos, o que já é enorme.
Hoje, de 0,5% a 1% no mundo significaria 50 milhões
de pessoas mortas. Portanto, essa já é uma enorme taxa de mortalidade. Mas nos
países pobres, foi cinco vezes mais. Portanto, ninguém sabe, neste estágio,
como as coisas vão acontecer no Sul, mas é claro que, se as coisas derem errado
e se for necessário um bloqueio mais completo nesses países, os governos terão
que desenvolver uma rede de segurança.
A comunidade internacional terá, não apenas que
suspender toda a dívida e realmente cancelar toda essa dívida, mas nós
realmente… também pensaremos em um sistema econômico, financeiro e tributário
internacional diferente. Nos últimos dez anos, houve muita discussão no nível
da OCDE sobre como tributar grandes empresas multinacionais, que, como sabemos,
muitas vezes não pagam impostos em lugar algum. Portanto, há uma proposta no
nível da OCDE, para que todos estejam ao redor da mesa e fingindo ser
cooperativos, pelo menos por uma vez. A ideia é ter uma declaração comum de
lucros em nível mundial para grandes corporações multinacionais. Então a
pergunta é: como você distribui esses lucros tributáveis entre países?
Até agora, como a OCDE é um clube de países ricos,
os países da Europa e América do Norte disseram: “Bem, vamos tentar tirar o
dinheiro dos paraísos fiscais e trazer esses lucros tributáveis, de volta para
nós”, basicamente, ao invés de fazê-los voltar para o sul.
Então, eles estão discutindo sobre a distribuição
da base tributável das empresas proporcionalmente às vendas, proporcionalmente
aos indicadores, que são uma espécie de debate, com efeito, sobre onde os
consumidores finais estão no Norte em termos de valor total que está sendo
classificado.
Amy Goodman: Thomas Piketty, detesto ter que interromper você, mas temos apenas
um minuto restante e quero lhe perguntar algo. O Departamento do Trabalho dos
EUA acaba de divulgar seus últimos números de desemprego, enquanto você falava,
mostrando mais de 3,8 milhões de pessoas solicitaram benefícios de desemprego
na última semana. Então, isso eleva o número total para 30 milhões de pessoas
que entraram com o pedido de auxílio desemprego em apenas seis semanas.
Eu quero voltar para dois meses atrás. Bernie
Sanders era o candidato democrata à presidência, um homem que você apoiou. A
taxa de desemprego era de 3,5%, e os EUA tinham acabado de relatar sua primeira
morte por coronavírus. Então, eu quero perguntar sobre o significado disso. No
mês passado, você tuitou um gráfico mostrando a participação dos eleitores de
1945 a 2020, que revelou muito menos norte-americanos naquele período votaram
nas eleições do que o eleitorado, proporcionalmente, na Grã-Bretanha ou na
França.
Você tuitou: “Sanders em auxílio da democracia
americana. Somente uma reorientação em larga escala do tipo proposto por
Sanders acabaria por livrar a democracia norte-americana das práticas de
desigualdade que a minam e conseguiria lidar com o descontentamento eleitoral
das classes trabalhadoras.” Foi o que você escreveu naquela ocaião. Fale sobre
o que aconteceu nesses dois meses, o que você acha que precisa acontecer,
quando o líder da maioria no Senado, Mitch McConnell, disse que os estados
deveriam simplesmente ir à falência, a menos que concordassem com um plano
republicano de austeridade, e então poderiam obter alguma ajuda do governo dos
EUA.
Essa afirmação é particularmente louca. Tivemos
esse tipo de afirmação nos anos 30. Eles eram o que chamamos de ideologia liquidacionista:
“Vamos liquidar firmas ruins, bancos ruins, estados ruins”. Mas, é claro, essa
é a pior política que você pode imaginar, tanto em termos de consequências
sociais quanto em consequências macroeconômicas.
Eu acho que, voltando a Joe Biden e ao Partido
Democrata, acho que Joe Biden ficará muito bem inspirado a emprestar algumas
das novas ideias apresentadas por Bernie Sander, por Elizabeth Warren,
incluindo um imposto progressivo sobre a riqueza dos bilionários, incluindo
mais investimentos em hospitais públicos, em universidades públicas.
Acho que é a hora do Partido Democrata mostrar à
classe média e à classe média baixa e aos grupos socioeconômicos mais baixos
que eles se preocupam com a redistribuição e se preocupam em melhorar o salário
mínimo, que é o que o Partido Democrata defendeu até os anos 60, 70 e até 80.
O que mostro no meu livro Capital e Ideologia –
que, a propósito, devo dizer, é uma leitura agradável. Sabe, é um pouco longo,
mas realmente é possível de se ler. Não é nada técnico e é um amplo histórico
do regime de desigualdade nas sociedades. Mostro que o Partido Democrata nos
EUA, começando, como você dizia, nos anos 50, 60, assim como os partidos
social-democratas da Europa, gradualmente perdeu o contato com o eleitorado mais
desfavorecido. Eu comparo todos esses países e tempo juntos. E minha conclusão
é que isso ocorre principalmente porque eles falharam em renovar seu pacote de
políticas e em manter a ambição redistributiva.
Acho que muitos dos eleitores da classe baixa e da
classe média baixa pararam de votar, então agora, de alguma forma, também estão
votando em Trump, e, na Europa, de alguma forma, também estão votando no
partido nacionalista, penso, em grande parte, por falta de uma alternativa
melhor. Eles sentem que a proteção e o retorno ao Estado-nação e às fronteiras
do Estado-nação pelo menos os protegerão um pouco mais do que nada.
Não tenho certeza de que sejam tão otimistas que
toda a gesticulação de pessoas como Trump ou Marine Le Pen na França fará muito
bem, mas pelo menos elas veem algo novo e não ouvem nada do outro lado,
portanto, eles sentem… mas lembremo-nos que a maioria desses eleitores está
realmente em casa. Se eles estivessem realmente entusiasmados com Trump ou Le
Pen, todos iriam votar, e você teria uma taxa de participação de 90%, o que não
é exatamente o que você tem.
Amy Goodman: Vinte segundos.
Sim. Se você olha, nos EUA, em particular, os 50%
de eleitores com menos renda, você tem uma enorme abstenção, uma participação
muito baixa. Acho que isso mostra que é necessário um discurso diferente
tentando trazer de volta esses eleitores para a cabine de votação. Acho que
essa crise é a oportunidade para Joe Biden, em particular, enviar um forte
sinal a esse eleitorado.
Amy Goodman: Bem, quero lhe agradecer muito, Thomas
Piketty, e há muito mais sobre o que conversar. Mas as pessoas podem ler muito
sobre seus pensamentos em seu novo livro. Thomas Piketty, economista francês,
cujo trabalho se concentra na desigualdade de riqueza e renda. Seu novo livro acabou
de sair; chama-se Capital e Ideologia.
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