Luiz Fernando Verissimo*
Certa vez, fizeram uma homenagem ao boxeador Joe Louis, na época o negro mais famoso do mundo, e alguém terminou um discurso dizendo que ele era um orgulho para sua raça – a raça humana. Muitos anos depois, um cômico diria a mesma coisa de Michael Jackson, mas com uma maldade final. Ele era um orgulho para sua raça – fosse ela qual fosse!
Michael apagara todos os traços da sua raça original do rosto e o resultado não se parecia com nenhum grupo étnico conhecido. Nunca ficou muito claro, sem trocadilho, que rosto ele queria ter. Diziam que seu ideal de beleza era a Diana Ross, uma prototípica negra com feições brancas, mas ele não se contentou em ter seu nariz afilado e seus lábios finos. Continuou branqueando e esculpindo o próprio rosto até transformá-lo na máscara grotesca de um ser indefinível. Talvez procurasse ser de uma raça além da humana.
O dinheiro não traz a felicidade (manda buscar, disse um cínico). Mas há séculos se usa a riqueza para tentar vencer tudo que traz a infelicidade: a feiura, a raça indesejada e outras consequências da fatalidade genética, e o maior inimigo da nossa vaidade, a passagem do tempo. As múmias e todos os elaborados arranjos fúnebres para garantir a eternidade dos faraós existiam para combater esta grande injustiça: de nada adiantavam seu poder e sua fortuna se os faraós se degradavam e acabavam como qualquer servo. Não houve rei ou rico da Idade Média que não investisse na alquimia, que era a ciência de alterar a natureza das pedras e dos homens, ou pelo menos dos homens que podiam pagar. Hoje existe uma indústria de cosméticos e mágicas rejuvenescedoras que movimenta bilhões e cujo objetivo final é o mesmo dos sacerdotes do Antigo Egito, nos embalsamar contra os estragos do tempo e nos garantir a vida eterna – enquanto dure. Michael Jackson também não achou justo ser rico e poderoso como um faraó e não poder alterar não apenas seu nariz como seu destino.
Martin Luther King resgatou a autoestima dos negros americanos com uma frase, mas Michael Jackson não concordou que black era beautiful. No fim, nem se contentou em ser branco, como não se conformou em envelhecer como qualquer um. Foi um grande artista e a comoção causada pela sua morte prematura é compreensível. Mas Michael Jackson foi, antes de mais nada, um trágico herói da insubmissão à vida.
*Escritor e cronista da ZH
Postado por ZERO HORA, 02/07/2009
Postado por ZERO HORA, 02/07/2009
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